Espaçolaser encolhe R$ 4 bi em 2 anos após guerra de preço e queima de caixa

Empresa de depilação a laser enfrenta aumento de competição e ceticismo do mercado com plano de internacionalização; ação cai 94% desde IPO

Número de lojas subiu de 35 para mais de 700 em sete anos com modelo de loja de rápida implementação e dimensões médias entre 25 m² e 60 m²
20 de Fevereiro, 2023 | 02:33 PM

Bloomberg Línea — Quem adquiriu a ação da Espaçolaser (ESPA3) a R$ 17,90 no IPO (oferta inicial de ações) se animou quando o papel fechou a R$ 20,98 (+17%) na estreia na Bolsa, em 1º de fevereiro de 2021. Nesse dia, ESPA3 chegou a subir a R$ 21,52 (+20%), cotação máxima de sua história. Só que o clima de otimismo com a tese de investimento da empresa não se sustentou de lá para cá.

A maior empresa de depilação a laser do Brasil teve seu modelo de negócios copiado nos últimos anos e enfrenta maior competição, o que deflagrou uma guerra de preços e exigiu a queima de caixa para a expansão de lojas (mais de 700 unidades distribuídas pelo país e pela América Latina) e para o plano de internacionalização, segundo analistas. O comando da companhia não quis comentar o assunto imediatamente com Bloomberg Línea.

No dia 12 de dezembro, o papel caiu para a mínima de R$ 1,10, perto de virar “penny stock” (cotação em centavos, abaixo de R$ 1). A ação fechou o pregão da última sexta-feira (17) em R$ 1,25, e acumula uma queda de 6% em 2023 e de 71% em um ano. Com isso, o valor de mercado da empresa encolheu cerca de R$ 4 bilhões dois anos após a realização do IPO na B3, para R$ 452 milhões.

“O valuation do IPO foi exagerado. A ação da Espaçolaser veio cara com a promessa de pioneirismo com a tecnologia de depilação a laser, em um mercado fragmentado no país. Hoje vemos que dá para replicar fácil seu modelo de negócios. A concorrência aumentou, a empresa reagiu com uma guerra de preços, que custou sua rentabilidade. Não temos visibilidade para os próximos anos da Espaçolaser”, diz a analista da Nord Research, Danielle Lopes, à Bloomberg Línea.

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O investidor que participou do IPO da Espaçolaser viu o papel desvalorizar 94% até a última sexta-feira (17). A empresa tem hoje quase 23 mil acionistas, segundo a B3. São sobretudo pessoas físicas (22.469), além de jurídicas (301) e institucionais (301). Cerca de 66% das ações da empresa estão em circulação (free float) no mercado.

“Na época do IPO, enviamos um relatório a nossos clientes com alerta para evitar a reserva das ações da Espaçolaser. Vimos problemas de governança corporativa e de nível de endividamento”, lembra a sócia e analista da Nord Research, citando a aquisição da controlada Dyelcorp Serviços Estéticos, empresa ligada a uma parente de um dos fundadores da Espaçolaser.

Sociedade com Xuxa

Fundada em 2004 a partir da união de três empreendedores (dermatologista Ygor Moura, advogado Paulo Morais e ex-militar Tito Veiga Pinto), a Espaçolaser apontava como seu objetivo “democratizar a depilação a laser no Brasil”, conforme o prospecto do IPO, protocolado na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que concedeu o registro de companhia aberta no dia 28 de janeiro de 2021.

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Para justificar o potencial do negócio, a companhia citava que o segmento de depilação no país faturava R$ 36 bilhões por ano e que o Brasil era o 4º maior mercado de beleza e cuidados pessoais do mundo, após EUA (1º), China (2º) e Japão (3º), sendo o maior mercado da América Latina, três vezes maior do que o do México. O ranking era da consultoria Euromonitor Internacional.

Outro trunfo da Espaçolaser era contar com a força de engajamento de uma garota-propaganda com apelo nacional. “Em junho de 2015, a Espaçolaser já somava 35 clínicas e decidiu dar um novo passo, para garantir seu crescimento acelerado. Ao associar-se com a rede de franquias SMZTO, junto à apresentadora de televisão Xuxa Meneghel, a Espaçolaser iniciou a operação de franquias, o que possibilitou sua rápida expansão no território nacional”, rememorou o prospecto.

O documento do IPO destacava a importância da imagem da artista para tornar a marca mais conhecida no país e gerar resultado. “A companhia possui um contrato de cessão de imagem com a apresentadora Xuxa Meneghel, que é uma das acionistas da SMZXP Participações Ltda., sociedade integrante do bloco de controle da companhia, bem como diversas campanhas de marketing junto com a apresentadora”, mencionava o prospecto.

Sediada na cidade de São Paulo, a Espaçolaser saiu do lucro e entrou no prejuízo no 3º trimestre, com aumento de dívida, impacto da alta da taxa Selic e maiores despesas com marketingdfd

Investimento do grupo Louis Vuitton

Depois da parceria com Xuxa, a Espaçolaser também recebeu aporte de capital da L Catterton, um dos maiores fundos globais de private equity focado em consumo e varejo, associado ao grupo internacional LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, que passou a deter uma participação minoritária na companhia em 2016.

“Os aportes da L Catterton proporcionam os recursos necessários para um novo ciclo de expansão, que resultou em um crescimento exponencial nos anos de 2017, 2018 e 2019″, reconheceu a empresa no prospecto.

Antes do IPO, o fundo Magnólia FIP (fundo de investimento em participações), sob gestão da L Catterton, detinha 33,03% da Espaçolaser, fatia que caiu para 9,23% logo depois da oferta inicial de ações. Já a SMZXP teve sua fatia diluída de 7,85% para 4,27% depois do IPO.

Após um aumento de capital de R$ 225 milhões concluído em outubro do ano passado, o Magnólia FIP passou a deter 16,90% da Espaçolaser, enquanto a SMZXP aparece com 2,55% das ações. Segundo um comunicado da Espaçolaser, a capitalização foi acompanhada por acionistas de referência e investidores institucionais mais relevantes, e os recursos vão “fortalecer a posição de caixa, reduzir a alavancagem da companhia e permitir crescimento futuro”.

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A empresa disse ainda que a L Catterton elevou sua participação de 5,25% para 16,9% com maior envolvimento na governança da companhia. Em outubro, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aprovou sem restrições o ingresso do fundo Magnólia FIP no bloco de controle da companhia, com aditamento ao acordo de acionistas, entre Moura, Morais, Tito Veiga Pinto e SMZXP.

A estrutura acionária da companhia tem ainda a Fourth Sail Capital com 7,93% e a Neo Future Master FIA, com 8,48%, segundo a B3. Os fundadores Ygor Moura e Paulo Morais possuem hoje 16,15% e 10,04% da companhia, respectivamente, enquanto José Carlos Semenzato, fundador da SMZTO, tem 0,91% do capital.

Concorrência e descontos agressivos

Para a analista da Nord Research, a Espaçolaser teve de recorrer às promoções de pacotes de depilação distribuídas pelo WhatsApp em uma guerra de preços quando viu aumentar a competição. As mulheres são o principal alvo do segmento. Cerca de 78% da população feminina brasileira entre 12 e 65 anos e 9% da população masculina na mesma faixa etária utilizam algum método de depilação, totalizando 69 milhões de potenciais clientes, segundo indicava o prospecto do IPO da companhia.

A Bloomberg Línea chegou a ver a companhia oferecendo um pacote de 10 sessões de depilação a laser para barba de R$ 2.974 por R$ 89. Além de descontos generosos, a companhia tem recorrido à publicidade estrelada por celebridades. Desde maio de 2022, a Espaçolaser tem feito campanha com Xuxa, a atriz Larissa Manoela e os surfistas Gabriel e Sophia Medina. Ela também patrocina atletas como o medalhista paralímpico Phelipe Rodrigues, os esgrimistas Paulo Morais e Bia Bulcão.

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“Os canais de vendas da Espaçolaser para promoções estão agressivos. A empresa está fazendo de tudo para não perder participação de mercado, em meio a um cenário desafiador de juros em patamar elevado, em que os consumidores cortam despesas”, observou Danielle.

Ela aponta como forte concorrente a GiOlaser, que aposta na força da imagem da atriz Giovanna Antonelli e já tem mais 345 unidades em todo o país. O modelo de negócios da GiOlaser se baseia também na abertura de franquias e na experiência do Grupo Salus, detentor da marca. A GIOlaser não se manifestou sobre o pedido de comentários feito pela reportagem.

Saídas

A gradual substituição dos métodos convencionais de depilação, como a cera e a lâmina de barbear, pela tecnologia a laser ajudou a Espaçolaser a fazer esse negócio ganhar escala com o modelo de loja de rápida implementação em qualquer região do país, mirando como público-alvo mulheres e homens interessados em se livrar dos pelos em até 29 das 35 diferentes áreas do corpo. Para diversificar suas receitas, a empresa criou em 2017 a Estudioface para entrar no mercado de tratamentos faciais.

“A Estudioface, que oferece serviços de aplicação de botox, não tem dado certo, as vendas estão caindo desde 2021. Faturou só R$ 3 milhões em um trimestre”, observa a analista da Nord Research.

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A expansão da companhia para fora do país também é vista com ceticismo por Danielle. “O grande tiro da Espaçolaser era exportar seu modelo de negócios para América Latina. A Argentina foi o primeiro país a receber lojas, depois vieram Chile e Colômbia, mas as operações no exterior não rendem mais do que R$ 20 milhões. Esse crescimento é lento e pequeno para quem fatura R$ 200 milhões”, diz.

A Espaçolaser ainda não divulgou o balanço de 2022. O aumento nas despesas financeiras, dada a elevação no endividamento bruto, alta da taxa Selic e custos de liquidação de determinadas dívidas resultaram em um prejuízo de R$ 34,1 milhões entre janeiro e setembro. Houve ainda recuo na geração de caixa e redução em investimentos dado a priorização no crescimento via franquias.

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Em igual período de 2021, a empresa estava com um lucro de R$ 100,5 milhões. No terceiro trimestre de 2022, o prejuízo foi de R$ 16,9 milhões, ante lucro de R$ 19,1 milhões no terceiro trimestre de 2021. O resultado do quarto trimestre de 2022 é previsto para ser divulgado em 27 de março.

Até o terceiro trimestre do ano passado, a empresa tinha uma dívida bruta de R$ 862 milhões e líquida de R$ 766 milhões, uma alta de 6% em 12 meses. Houve um aumento nas despesas de marketing, com a intensificação das campanhas. Já as despesas gerais e administrativas cresceram 30% em um ano para R$ 50,1 milhões. A margem Ebitda caiu de 30,1% para 18,2% entre os trimestres. Em 9 meses, a margem caiu de 33,9% para 17,5%.

Apesar desse desempenho negativo, a companhia informou ao mercado que as vendas da última Black Friday bateram recorde para o dia somando R$ 18,5 milhões, incluindo lojas próprias e franquias. As vendas totalizaram R$ 170,4 milhões em novembro, alta anual de 20,5%.

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“Esses números não mostram o quanto a empresa abriu mão de margem de lucro na guerra de preços com a concorrência. Não vejo muita saída para a Espaçolaser: terá de fechar franquias que não se pagam e fazer uma reestruturação para cortar custos”, conclui a analista da Nord.

-- Texto atualizado às 15h41 para corrigir o valor do aumento de capital da empresa, concluído em outubro do ano passado, de R$ 225 milhões.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.