Aposta em crédito vai além de ciclos adversos de curto prazo, diz CEO da Totvs

Dennis Herszkowicz comenta parceria com o Itaú e diz que empresa de tecnologia pretende fazer aquisições em 2023 tomando proveito da posição de caixa

Sede da Totvs, uma das principais empresas de tecnologia do país
16 de Fevereiro, 2023 | 09:52 AM

Bloomberg Línea — A onda de inadimplência no segmento corporativo tem imposto perdas a players de todos os tamanhos no setor financeiro, de grandes bancos a fintechs. Mas isso não muda os planos da Totvs (TOTS3), empresa de tecnologia de software de gestão que pretende crescer nesse mercado. Foi o que afirmou o CEO da Totvs, Dennis Herszkowicz, em entrevista à Bloomberg Línea.

“O nosso investimento não é de curto prazo, ele é estrutural de longo prazo. Então o fato de o ciclo de crédito estar melhor ou pior no curto prazo não afeta uma decisão estratégica como essa”, disse Herszkowicz.

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A Totvs foi afetada já pela crise do mercado corporativo e provisionou no quarto trimestre 100% do valor que tinha a receber (R$ 9,6 milhões) de uma empresa que entrou em recuperação judicial e que era afiliada da Techfin, seu braço fintech.

A aposta da Totvs para crescer a Techfin passa pela joint venture com o Itaú Unibanco (ITUB4), anunciada em abril de 2022, que já recebeu aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), restando pendente o aval do Banco Central.

“A escolha do modelo de joint venture e do Itaú como parceiro vem de uma combinação de vários elementos. De um lado, acesso a funding de uma maneira muito mais ampla e muito mais acessível para nós - e funding para crédito é essencial -, além do fato de o Itaú ter um portfólio de produtos e um know-how no mundo financeiro que a Totvs demoraria para atender”, disse o CEO.

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Herszkowicz também disse que a Totvs pretende fazer novas operações de M&A ao longo de 2023, a exemplo de anos anteriores, tomando proveito do fato de estar capitalizada.

“Vivemos um mercado em que os preços relativos continuam se ajustando e em que uma empresa com o balanço da Totvs - muito positivo, com uma posição de caixa fortíssima - acaba sendo favorecida. Não tenho dúvida que teremos boas oportunidades para M&A em 2023″, afirmou o executivo, que comentou também os resultados do quarto trimestre (veja depois da entrevista a análise do mercado).

Veja abaixo a entrevista do CEO da Totvs, Dennis Herszkowicz, com a Bloomberg Línea, editada para fins de concisão e clareza:

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Como avaliam os resultados do quarto trimestre?

Tivemos um ano realmente muito positivo, e o quarto trimestre, com esse recorde, começou de uma maneira mais difícil em razão das eleições, o que fez com que alguns negócios novos que estávamos assinando com clientes fossem postergados.

Mas conseguimos ao longo de novembro e dezembro ter uma recuperação importante. Tivemos um resultado recorde não só de receita [líquida] mas a adição de ARR [receita anual recorrente, na sigla em inglês] foi extremamente positiva.

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Dennis Herszkowicz, CEO da Totvs

Como avaliam as incertezas para este ano?

Incerteza certamente teremos. Nunca sabemos exatamente o que vai vir. Quando estávamos planejando 2022 lá em 2021, o que se imaginava para 2022 não foi exatamente o que aconteceu em termos de Brasil e de mundo. Eu tenho certeza de que 2023 não vai ser diferente. Boa parte das coisas que vão acontecer em 2023 não terão sido previstas agora.

Porém eu entendo que o mercado de tecnologia e software de gestão - em que temos nossa principal atuação - vai seguir crescendo muito acima da economia. Nós, com um portfólio amplo, um nível bastante reconhecido e uma distribuição capilar, teremos um bom ano de 2023, independentemente do que venha de incerteza ou de problema do ponto de vista político, econômico, de Brasil ou mundo.

E a crise da Americanas? Isso afeta de alguma forma a Totvs?

Não, nenhum efeito direto para nós. Obviamente que um caso como esse, que é um caso grande, tem uma certa repercussão no mercado financeiro e no mercado de crédito como um todo. É natural que algum tipo de conservadorismo maior possa acontecer, mas a Totvs é uma empresa que tem caixa líquido positivo, ou seja, nós não precisamos de financiamento do mercado.

A nossa operação de crédito é bastante diferente da operação de risco sacado, é bastante tranquilo e eu não vejo nenhum impacto direto para a Totvs.

O resultado da Techfin veio um pouco mais fraco porque foi necessário fazer provisões, dado que uma empresa associada entrou em recuperação judicial. O que aconteceu exatamente?

Não é uma empresa associada, é uma afiliada, cliente da supplier. Essa empresa entrou em recuperação judicial em dezembro do ano passado e nós fizemos a provisão integral do potencial prejuízo que esse cliente pode nos trazer.

A partir do momento em que fazemos a provisão, o que temos daqui para frente são eventuais efeitos positivos, caso essa recuperação signifique que a empresa vai continuar operando e eventualmente atendendo seus clientes.

E as demais adquiridas, como a RD Station: os negócios têm performado como imaginavam?

Sim, eu diria que 2022 foi um ano bastante positivo. A RD seguiu crescendo na casa dos 30% para mais e já é uma empresa rentável, com margem de contribuição na casa dos 50%.

É uma empresa com uma combinação muito positiva de rentabilidade, que, do ponto de vista estrutural, não é diferente da nossa operação de software de gestão. Também é uma operação em que esse mandato duplo de crescimento e rentabilidade se aplica.

A RD segue com um nível de recorrência de receita acima dos 95%, tem uma taxa de renovação de clientes na casa dos 97%. Uma operação bem dentro do que imaginávamos quando fizemos a aquisição.

A Totvs considera M&A para este ano visto que muitas startups não estão conseguindo captar e podem ser alvo de aquisição?

Sem dúvida. O M&A é parte do nosso DNA. Para uma empresa de tecnologia como a nossa, que tem uma proposta de valor ampla para o cliente, sabemos que é impossível ter um portfólio completo sem que a gente use esse mecanismo de M&A.

Sempre vamos ter isso na agenda de maneira relevante. Vivemos um mercado em que os preços relativos continuam se ajustando e é um mercado em que uma empresa com o balanço da Totvs - muito positivo, com uma posição de caixa fortíssima - acaba sendo favorecida. Com a devida disciplina e paciência, não tenho dúvida que teremos boas oportunidades para M&A em 2023.

Como vocês têm conseguido navegar nesse cenário com juros mais altos?

Há uma combinação de tempo como empresa listada - lembrando que a Totvs está na bolsa desde 2006 -, tamanho, liderança, modelo de negócio baseado em receita recorrente, a importância que temos para o nosso cliente, a capacidade de distribuição e uma maturidade corporativa no sentido de que, mesmo nos momentos em que o mercado estava um pouco mais otimista com relação à importância do crescimento em detrimento da rentabilidade, a Totvs nunca se enganou nesse sentido.

Pelo contrário, sempre mantemos o que chamamos de “duplo mandato”, a combinação e a busca do equilíbrio entre crescimento e rentabilidade. Mesmo no final de 2021, quando o mercado de tecnologia atingiu o pico e os investidores estavam mais preocupados com crescimento, e não ,com rentabilidade, a Totvs não era assim.

Big techs e empresas menores têm feito demissões em massa como estratégia de cortes de custos. Vocês têm algum plano nesse sentido?

Não, não temos previsão de layoffs, pelo contrário, fechamos 2022 com o time maior do que quando começamos o ano. A expectativa para 2023 não é diferente. Na prática, estamos fazendo esse trabalho de disciplina de custos diariamente.

Como já estávamos em processo equilibrado de gestão de custos, não tivemos a necessidade de fazer demissões e não acredito que tenhamos essa necessidade para 2023.

Vocês fornecem algum guidance para o próximo trimestre?

Não fornecemos guidance nem para o trimestre nem para o ano, mas entendemos que 2023 será um ano bom para nós porque nosso cliente continua com a necessidade de expandir com os nossos sistemas.

Temos a criação da JV (joint venture) da Techfin com o Itaú, que entendemos que será um elemento de aceleração do portfólio de Techfin e do crescimento, e temos a dimensão de performance de negócio com lançamentos de soluções nos próximos meses.

Por que apostar em uma JV com a Techfin e em crédito em um momento em que inadimplência e dívida são grandes questões no Brasil?

O nosso investimento não é de curto prazo, ele é estrutural de longo prazo. Então o fato de o ciclo de crédito estar melhor ou pior no curto prazo não afeta uma decisão estratégica como essa.

Decidimos há três, quatro anos, entrar no mundo financeiro, com crédito sendo o principal elemento dessa estratégia, e não é o curto prazo que mudaria essa decisão.

A escolha do modelo de joint venture e do Itaú como parceiro vem de uma combinação de vários elementos. De um lado, acesso a funding de uma maneira muito mais ampla e muito mais acessível para nós - e funding para crédito é essencial -, além do fato de o Itaú ter um portfólio de produtos e um know-how no mundo financeiro que a Totvs demoraria para atender.

Lembrando que já foi aprovado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), mas ainda falta uma aprovação do Banco Central para começar a operar.

A visão dos analistas sobre o resultado da Totvs

A Totvs teve no quarto trimestre uma receita líquida consolidada de R$ 1,1 bilhão (com crescimento de 21% no ano contra ano e de 3% no trimestre contra trimestre), em linha com as estimativas de analistas da XP e do BTG. O Ebitda ajustado foi de R$ 266,1 milhões, superando as expectativas em 1,3%.

A margem de contribuição teve queda de 0,7 ponto percentual no ano contra ano, atingindo 53,4%, com impacto principalmente da Techfin com o aumento da provisão para uma afiliada em recuperação judicial.

A Totvs provisionou 100% do valor da inadimplência (R$ 9,6 milhões) referente à afiliada chamada Mixtel.

A Mixtel era uma afiliada da Techfin, adiantou recebíveis com a Totvs e não entregou os produtos que vendeu, o que significa que seus clientes não pagarão à Totvs.

“Como a Totvs optou por provisionar 100% do valor antecipado, tudo o que eles conseguirem recuperar aumentará os resultados futuros”, disseram analistas do BTG em relatório.

A Totvs também é alvo de uma ação coletiva ajuizada em 2013 e recebeu duas decisões em instâncias inferiores, levando seus assessores a avaliar as chances de perda do processo como ‘remota’, mas perdeu recentemente no Superior Tribunal de Justiça, o que derrubou em R$ 8,1 milhões o Ebitda.

“Como esses itens são não recorrentes - foi a primeira vez que um fornecedor de uma afiliada faliu -, a maneira certa de avaliar o desempenho operacional do quarto trimestre é olhar os resultados excluindo esse aspecto”, apontou o BTG.

Além da provisão das perdas esperadas em Techfin, a margem Ebitda da Totvs caiu -1,7 ponto percentual no ano contra ano, impactada negativamente também por contingências em gestão.

Se não fosse esse impacto, a margem Ebitda ajustada atingiria o mesmo patamar do terceiro trimestre de 2022 e do quarto trimestre de 2021, em 24,7%, segundo análise da XP.

A receita recorrente da empresa cresceu 26% no ano contra ano, chegando a R$ 4 bilhões.

Os analistas da XP Bernardo Guttmann e Marco Nardini apontaram “resultados sólidos no quarto trimestre, combinando crescimento com defensividade”

O lucro líquido dos controladores foi de R$ 148 milhões (9% acima do esperado pelos analistas da XP).

Guttmann e Nardini mantiveram a recomendação de compra do papel com o preço-alvo de R$ 39 por ação para o fim de 2023. Já o Credit Suisse colocou a recomendação como “neutra”, considerando que os números principais ficaram abaixo do consenso e das estimativas de seus analistas.

“No entanto, os resultados foram afetados por eventos extraordinários desfavoráveis (cliente em recuperação judicial, altas provisões cíveis e custos relacionados a fusões e aquisições) que não devem direcionar as estimativas futuras”, disse o Credit Suisse, pontuando que, feitos os ajustes, receitas, Ebitda e lucro líquido estariam em linha com os números esperados.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups