Colapso da Americanas eleva o risco de crise ampla de crédito

Crescimento econômico morno, inflação persistente, juros altos e confiança comprometida pelas revelações da Americanas podem alimentar crise

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Bloomberg — Investidores começam a perder a confiança em algumas empresas brasileiras mais endividadas após a implosão da Americanas (AMER3) e questionam o discurso de que o colapso da varejista tenha sido um caso isolado.

Nas semanas seguintes ao pedido de recuperação judicial da companhia, Light (LIGT3), Marisa (AMAR3) e CVC Brasil (CVCB3) contrataram assessores financeiros para reestruturar suas dívidas.

A Oi (OIBR3) ganhou uma liminar que suspende temporariamente suas obrigações e sinalizou novo pedido de recuperação judicial, enquanto a agência de classificação de risco S&P Global Ratings avisou que a Gol (GOLL4) pode aprovar uma reestruturação que equivaleria a um default.

Haverá um “aperto de crédito razoável” após os eventos recentes, disse André Jakurski, sócio-fundador da JGP Asset Management. As empresas estão pagando 25%, 30% de juros e “vão quebrar aos borbotões”, disse Jakurski disse em evento do BTG Pactual (BPAC11) nesta quarta-feira (15).

A Vista Capital, que gere o fundo multimercado de melhor desempenho no Brasil nos últimos três anos, aconselha cautela e diz que as sementes de uma crise de crédito foram germinadas no país nos últimos anos.

Agora, com crescimento econômico morno, inflação persistente, juros altos e confiança comprometida pelas revelações de suposta fraude na Americanas, essas sementes podem estar prestes a brotar.

“O resultado é um inevitável e importante aperto nos bancos, o que pode potencializar e acelerar um ciclo de crédito que já parecia desfavorável”, disse a Vista em carta aos investidores na semana passada. Isso significa “problemas não apenas para empresas insolventes, mas possivelmente também para empresas com problemas de liquidez”.

A Americanas entrou em recuperação judicial no mês passado depois de revelar um rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço relacionado à forma como contabilizava o dinheiro devido aos fornecedores. Os títulos e ações da empresa despencaram, e os principais bancos do país correram para fazer provisões contra perdas.

Analistas e investidores como William Blair International, Stone Harbor Investment Partners e BI Asset Management classificaram os problemas da Americanas como isolados, não indicativos de questões mais amplas no mercado de crédito corporativo do Brasil, e pediram calma.

Eles foram amplamente ignorados, e agora os gestores de recursos demonstram uma aversão a deter dívida da maior economia da América Latina.

“O momento é de cautela”, disse Octavio de Lazari Junior, CEO do Bradesco (BBDC4), a analistas. “Temos ouvido dos nossos clientes que eles estão muito mais cautelosos.”

Com isso, as emissões domésticas caíram. As empresas brasileiras emitiram cerca de R$ 15,4 bilhões em dívida corporativa local neste ano, uma queda de 26% em relação ao mesmo período de 2022, segundo dados compilados pela Bloomberg.

Um índice de debêntures indexadas ao CDI calculado pela JGP Asset Management registrou perda de 4,3% desde que a Americanas revelou seu rombo contábil – seu pior desempenho desde os primeiros dias da pandemia.

Os títulos corporativos externos do país caíram 2,6% nesse período, muito pior do que a queda de menos de 0,1% em um índice de dívida global de empresas de mercados emergentes.

Marcos Schmidt, da Moody’s, diz que, embora os níveis de endividamento das empresas sejam moderados, um grande risco é o ambiente de juros mais altos, tanto no ambiente doméstico quanto no exterior.

A inflação persistente nos Estados Unidos, junto com incertezas sobre as políticas de gastos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), podem levar o Federal Reserve e o Banco Central do Brasil a manter os custos de empréstimos elevados por mais tempo, o que pode acelerar inadimplências ou reestruturações, principalmente para emissores com classificação de grau especulativo, disse Schmidt.

Em algum momento, aquelas com liquidez mais fraca “enfrentarão a escolha de continuar como estão ou tentar preservar o caixa e reestruturar sua dívida para que a empresa seja sustentável no longo prazo”.

As agências de classificação de risco já identificaram algumas vulnerabilidades. A Fitch rebaixou o rating da Azul para ‘CCC-’ de ‘CCC+’, citando entre outros fatores um mercado de crédito local mais restritivo.

A S&P, por sua vez, rebaixou o rating da Gol para CC de CCC+, dizendo que o plano recente de refinanciamento da companhia aérea – se aprovado – seria uma “reestruturação de fato”.

Os investidores podem ter longas negociações com a Americanas, que devem começar em breve.

A BR Partners foi contratada pela Marisa Lojas e pela CVC para assessorá-las em negociações de reestruturação de dívidas, enquanto a Light trabalha com Laplace. Uma empresa menor, de capital fechado – o Grupo DOK, dono da marca de calçados Ortopé – também entrou recentemente com pedido de recuperação judicial no Brasil.

“Não achei que a Americanas fosse o início de uma tendência”, disse Ray Zucaro, diretor de investimentos da RVX Asset Management, em Miami. “Mas talvez seja mesmo.”

-- Com a colaboração de Barbara Nascimento.

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