Como fica o Google na corrida da inteligência artificial com o ChatGPT?

Big tech de Mountain View está em encruzilhada: se posicionar com seus bots conversacionais e criar um modelo de negócios sem canibalizar o seu motor de busca

Google teme perder receita publicitária com seu mecanismo de busca e enfrenta a ameaça de perder vantagem para novos concorrentes
01 de Fevereiro, 2023 | 04:53 AM

Leia esta notícia em

Espanhol

Barcelona, Espanha — O Google (GOOGL) prega há anos que o futuro está na inteligência artificial (IA) conversacional. O futuro chegou, mas quem saiu na frente foi a OpenAI, com o ChatGPT, que tem ocupado as manchetes desde o lançamento no fim de 2022, e a rival Microsoft (MSFT), com um poderoso investimento de US$ 10 bilhões na empresa.

Para especialistas, o Google aguarda o momento certo para agir na área de chatbots, embora não possa demorar muito. Deixará o novo concorrente “morder a isca” e enfrentar todos os questionamentos éticos, regulatórios e técnicos que uma tecnologia disruptiva pode gerar para, depois, sair com um produto melhorado.

A percepção geral é que o Google não perdeu (ainda) seu timing e que, portanto, não está desperdiçando uma oportunidade.

De fato, há anos a empresa de Mountain View desenvolve modelos de linguagem de inteligência artificial em duas frentes simultâneas (uma equipe interna e outra no DeepMind, adquirida pela Alphabet em 2014). As ferramentas do OpenAI (ChatGPT e DALL.E) operaram durante meses em versão beta aberta, o que significa que o Google teve a oportunidade de monitorar de perto a concorrência.

PUBLICIDADE

A gigante da tecnologia está bem adiantada com seu chatbot de linguagem avançada LaMDA e também aperfeiçoa o MUM, um algoritmo de busca baseado em IA que também gera texto.

O Google não está perdendo a corrida, ele está tomando fôlego. É uma corrida de obstáculos, mas é preciso ter em mente que a inteligência artificial tem um período de maturação de dez anos, é uma competição de longo prazo”, diz Frank Moreno Garcia, consultor em inovação e especialista em Liderança em Inovação-MIT.

A OpenAI foi fundada em 2015 com o impulso financeiro de Elon Musk. O dono da Tesla (TSLA) e agora do Twitter deixou seu conselho no início de 2018, mas continua sendo um doador da empresa. Agora, a Microsoft quer adicionar o ChatGPT aos seus serviços de nuvem Azure e também ao seu mecanismo de busca Bing. A expectativa é que o próximo passo seja adicioná-lo à suíte de aplicativos de produtividade, que inclui Word, Excel, PowerPoint, Outlook e Microsoft Teams.

PUBLICIDADE

Uma vez reunidas as experiências de mercado e usabilidade do ChatGPT, avalia Moreno Garcia, o Google terá que sair com uma tecnologia ainda mais poderosa.

“A empresa não dará esse passo sem medir muito bem os riscos e trará sua ferramenta com um salto qualitativo”, afirma o consultor, reforçando que “a verdadeira corrida será a da inteligência artificial quântica”, que se concentra na construção de algoritmos quânticos para melhorar as tarefas computacionais dentro da IA, criando cenários preditivos. “Nesse sentido, a China está avançando rapidamente.”

Cuidado com a imagem

A estratégia do Google visa preservar sua reputação e suas relações com clientes e governos ao menos nessa frente, pois já abalada por seu domínio em vários mercados, especialmente na publicidade digital, opina o autor e doutor em Economia Digital JJ Delgado.

Embora o ChatGPT tenha causado estupefação global devido a sua natureza disruptiva, ele também se tornou um alvo de críticas e questionamentos: ele ainda inclui preconceitos, dá respostas incorretas ou totalmente falsas, os dados não estão atualizados (o OpenAI diz que vai até 2021), não modera conteúdos perigosos e não fornece fontes para comprovar a veracidade das afirmações, segundo ele.

”O Google quer evitar problemas com questões como plágio, privacidade de dados, debates regulatórios e éticos”, diz Delgado. Há também o medo de ser acusado de monopólio: um de seus mantras é tentar provar que não está envolvido no domínio total dos mercados, afirma.

“Isso o impede de ser o pioneiro nesse sentido”, conclui Delgado, lembrando o episódio do engenheiro do grupo que havia sugerido que a ferramenta estava ganhando “alguma consciência”. O Google acabou despedindo-o, em uma mensagem de que busca se dissociar, pelo menos inicialmente, de polêmicas, especialmente as de natureza ética.

Qual será a reinvenção do Google?

A empresa da Alphabet está em uma encruzilhada: não pela sua capacidade tecnológica, pois tem alguns dos melhores engenheiros de inteligência artificial do mundo, mas pelo medo de abrir mão de sua receita publicitária enquanto enfrenta a ameaça de novos concorrentes. “A empresa terá que se reinventar e criar um novo modelo de negócios”, avalia Frank Moreno García. Isso também justificaria o ritmo mais lento na difusão de suas inovações no campo da IA.

PUBLICIDADE

A questão é como implementará seu modelo de negócios, especialmente no que diz respeito à sua ferramenta de busca. Seria muito caro para o Google “canibalizar” uma tecnologia que lhe deu liderança absoluta neste mercado - quase 84% de participação, contra menos de 9% para a Bing/Microsoft, de acordo com os dados de dezembro de 2022 compilados pela Statista.

O motor de busca tradicional gera dinheiro ao Google conforme os usuários clicam nos anúncios. As perguntas do milhão são: Como o Google irá extrair lucros em modelos de IA conversacional, assumindo que esta será a próxima fronteira dos sistemas de busca? As consultas tradicionais continuarão existindo em paralelo ou serão inevitavelmente substituídas pela nova tecnologia?

Para JJ Delgado, a tecnologia que chega não eliminará o negócio principal do Google, mas definitivamente terá impacto sobre ele. Agora, de acordo com o especialista, o mundo acompanha como a empresa compensará a queda da receita de sua “galinha dos ovos de ouro”: pagamento pela publicidade, que oferece enormes margens.

“Como a empresa vai se reinventar? Precisará começar a ver como vai jogar em um novo ecossistema onde a inteligência artificial se abriu e se tornou acessível a todos”, questiona o especialista, destacando que agora estão se abrindo novos modelos de negócios nos quais as máquinas serão responsáveis pelos processos de compra, negociações e fornecimento aos clientes.

PUBLICIDADE

Como JJ Delgado, Albert Nieto, ex-Google e sócio fundador da Seedtag, também acredita que o grupo tem que responder de forma rápida e contundente. “Claro que há riscos se o Google tomar uma posição defensiva. Terá que se adaptar o mais rápido possível, ou há o risco de ficar para trás”, segundo o co-CEO da empresa de publicidade contextual, dando como exemplo o caso da Kodak, que perdeu sua liderança global ao não abraçar o mundo digital a tempo.

Para que Google preserve sua posição no mercado de busca, Nieto aconselha o uso de chatbots para dar respostas dinâmicas e enriquecidas (dados ampliados e mais precisos), em vez das atuais respostas estáticas. Ao mesmo tempo, diz ele, o Google poderia criar um sistema de promoção publicitária que se relacione com estas respostas enriquecidas.

“O Google não tem que mudar tanto o seu modelo, mas precisa preservar que as pessoas continuem o buscando para ter respostas de qualidade. O desafio do Google é ser a melhor fonte de respostas.” De acordo com o executivo, o Google tem a vantagem de ter trilhões de dados, embora eles possam evaporar se o tráfego for perdido.

Existe um amplo mercado para explorar e o Google tem a seu favor poder e liderança em praticamente todas as áreas de tecnologia. Mas a espada de Dâmocles paira sobre a empresa. Os especialistas concordam que um pouco pode esperar. Mas não por muito tempo.

PUBLICIDADE

Leia também

CEO do Google diz que demissões foram forma de evitar problemas ‘muito maiores’

Empresas tech se reinventam para limpar a pegada invisível do mundo digital

Michelly Teixeira

Jornalista com mais de 20 anos como editora e repórter. Em seus 13 anos de Espanha, trabalhou na Radio Nacional de España/RNE e colaborou com a agência REDD Intelligence. No Brasil, passou pelas redações do Valor, Agência Estado e Gazeta Mercantil. Tem um MBA em Finanças, é pós-graduada em Marketing e fez um mestrado em Digital Business na ESADE.