Caso Americanas é novo sinal de alerta em onda de demissões no Brasil

Guararapes, dona da Riachuelo, Méliuz, CVC e Yoki anunciam, somadas, milhares de demissões em momento de desaceleração da economia no Brasil e no mundo

Loja da Americanas, um dos 3.600 pontos de venda da rede espalhados pelo país e dependentes de capital para operar (Gustavo Minas/Bloomberg)
24 de Janeiro, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg — Ao ingressar com pedido de recuperação judicial na última quinta-feira (19), a Americanas (AMER3) usou como um dos argumentos à Justiça a necessidade de preservação de cerca de 100 mil empregos diretos e indiretos. Não há ainda informações de cortes na empresa varejista, mas a ameaça se soma a uma série de notícias recentes de fechamentos de fábricas e de demissões em empresas brasileiras.

É uma perspectiva que começa a fazer parte das análises não só de economistas, com impacto nas projeções de consumo, como das empresas afetadas, em busca de aliviar a pressão de custos.

No caso da Americanas, o principal desafio é manter a operação de 3.600 lojas em 900 cidades e de um marketplace com 150 mil sellers (vendedores) com o caixa limitado a R$ 800 milhões - na data do pedido de recuperação judicial. Há também a desconfiança crescente de bancos que costumavam fornecer capital de giro, de fornecedores e sellers que vendiam produtos e dos próprios clientes.

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Respondendo a @sarita_cat A Americanas divulgou uma lista com os credores da empresa, mas alguns bancos contestaram os valores #americanas #bancos #mercado

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O movimento de demissões e redução de custos tem sido abrangente nos principais setores. Na última semana, o Méliuz (CASH3), plataforma digital de serviços financeiros, anunciou a demissão de 59 profissionais, o equivalente a 6% do quadro pessoal, alegando a necessidade de buscar garantir a saúde financeira diante de um cenário econômico desafiador e incerto.

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No varejo, o principal movimento neste mês foi feito pela Guararapes (GUAR3), controladora das lojas Riachuelo que contratou o Safra em busca de um sócio investidor, conforme revelou a Bloomberg News no fim deste ano. O grupo anunciou o fechamento de uma fábrica em Fortaleza, no Ceará, e em decorrência dessa decisão, demitiu 2.000 funcionários no último dia 10.

Os cortes refletem, por um lado, o enfraquecimento dos negócios, mas, por outro, uma medida mais drástica que pode conter o avanço de custos e preservar as margens. As ações da Guararapes acumulam queda perto de 50% em 12 meses, sendo desvalorização de cerca de 15% em janeiro.

Outra indústria afetada foi a multinacional de alimentos General Mills, dona das marcas Yoki, Kitano e Häagen Dazs. A empresa decidiu fechar a maior unidade da Yoki no Paraná, no município de Cambará, segundo nota há duas semanas. A desativação da fábrica, que deve ocorrer até o final do ano, vai representar o corte de 750 vagas de empregos diretos e cerca de 300 indiretos.

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Já a CVC (CVCB3), maior empresa de turismo do país, demitiu cerca de 100 funcionários, o que representa 4% de sua folha de pagamento, também há duas semanas. Os cortes atingiram principalmente áreas como TI (com redução de trabalhadores terceirizados) e em áreas de suporte.

Em entrevista à Bloomberg Línea em novembro, o CEO da CVC, Leonel Andrade, havia destacado que a integração das lojas físicas com sua plataforma de internet resultaria em ganhos de eficiência, com a administração atenta à evolução do seu elevado endividamento.

A Toyota também se prepara para o fechamento de sua fábrica em São Bernando do Campo, na Grande São Paulo, em decisão anunciada em 2022. Está prevista a transferência de 200 dos 550 empregados para outras unidades da montadora japonesa no estado de São Paulo, em Indaiatuba, Porto Feliz e Sorocaba, segundo informações do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Efeito mais amplo na economia

O enfraquecimento do emprego já tem sido motivo de alerta de economistas que acompanham a atividade há algumas semanas, diante de dados mais recentes que apontam essa direção.

“Os dados [da Pnad de novembro] confirmam a desaceleração do mercado de trabalho observada também em nosso indicador proprietário IDAT-Emprego e no Caged [de empregos formais]. Essa desaceleração deve continuar à frente, uma vez que esperamos um crescimento do PIB de 0,9% em 2023″, apontaram os economistas Natalia Cotarelli e Matheus Fuck, do Itaú Unibanco (ITUB4), em relatório sobre os números de emprego da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE.

Para o maior banco do país, 2023 deve terminar com taxa de desemprego maior do que a de 2022. Em relatório, a equipe do Itaú mantém projeção da taxa de 8,2% em 2022 e 8,5% em 2023.

“Avaliamos que os dados de novembro mostram um mercado de trabalho em desaceleração, mas que provavelmente segue superaquecido. Na nossa avaliação, a taxa de desemprego mantém-se baixa mais devido a uma redução da taxa de participação do que devido ao crescimento do emprego”, escreveram economistas do Santander (SANB11) na equipe liderada por Ana Paula Vescovi.

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O governo brasileiro divulga os dados de desemprego com defasagem de quase dois meses. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apurou que a taxa de desemprego fechou o terceiro trimestre de 2022 em 8,7%, com 9,5 milhões de desempregados. A região Nordeste (12%) tinha o maior percentual de pessoas na força de trabalho que estavam desempregadas, seguida pelo Sudeste (8,7%). Em outubro, a taxa de desemprego diminuiu para 8,3%.

Já o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), divulgado no final de dezembro pelo Ministério do Trabalho e Previdência, apontou a criação líquida de 135,5 mil postos de trabalho formais em novembro. “Com a política monetária contracionista, os setores mais sensíveis já começam a dar sinais mais claros de desaceleração, de modo que esse foi o terceiro mês consecutivo em que isso aconteceu no ritmo de criação de vagas”, avaliou a equipe da corretora Genial Investimentos.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.