CVM abre 3 investigações sobre caso Americanas e mira também insider trading

Suspeita de uso de informação privilegiada para operar decorre de notícias sobre volume maior de vendas de ações e de aluguel do papel nos últimos meses

Ações e contratos de opções da Americanas tiveram movimentação atípica antes do anúncio da falha contábil de R$ 20 bilhões
13 de Janeiro, 2023 | 03:16 PM

Bloomberg Línea — A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) vai investigar os desdobramentos da descoberta de “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões nos balanços da Americanas (AMER3). E não apenas isso mas também eventuais ilegalidades envolvendo a negociação de ações da empresa.

Responsável pela regulação e pela fiscalização do mercado de capitais no Brasil, a autarquia federal abriu três processos administrativos para investigar a conduta de investidores e possíveis infrações à legislação em vigor, como inside trading (acesso a informação privilegiada para operar), movimentação atípica de negócios e irregularidades em balanços financeiros.

O executivo Sergio Rial explicou na quinta-feira (12) como descobriu as “inconsistências” estimadas de forma preliminar em R$ 20 bilhões em exercícios anteriores da companhia, na gestão de seu antecessor, Miguel Gutierrez, que acumulou 20 anos no comando da empresa.

A Bloomberg Línea procurou ouvir Gutierrez e não obteve ainda resposta.

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“A CVM está adotando todas as providências cabíveis para o adequado e cuidadoso esclarecimento de todos os atos, fatos e eventos com relação ao caso, com a abertura de processos administrativos em diferentes superintendências e áreas de atuação da autarquia”, disse em nota.

Os três processos administrativos podem ser acompanhados no site da CVM pelos seus números de protocoloco: nº 19957.000413/2023-18, 19957.000415/2023-15 e 19957.000425/2023-42.

“Após a investigação e a apuração dos atos, fatos e eventos, caso venham a ser formalmente caracterizados ilícitos e/ou infrações, cada um dos responsáveis poderá ser devidamente responsabilizado com o rigor da lei e na extensão que lhe for aplicável, sendo facultado à CVM recorrer também aos convênios e acordos de cooperação com Polícia Federal e Ministério Público Federal”, acrescentou a autarquia.

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Movimentação das ações

Desde o anúncio da falha contábil na noite da última quarta-feira (11), investidores levantam dados sobre a movimentação das ações e das opções de venda da Americanas, a exposição de fundos de investimento aos papéis e os últimos informes de venda de ações por pessoas ligadas à companhia antes da divulgação do fato relevante.

Levantamento da plataforma Trademap mostrou a evolução do mercado de aluguel da AMER3 desde a posse de Sergio Rial como CEO da varejista, no último dia 2 de janeiro. O volume de ações no estoque de aluguel saltou de 18,1 milhões para 75,8 milhões de ações na quarta-feira (11), com alta de 309%. Foi no fim de tarde desse dia que a Americanas divulgou as falhas contábeis ao mercado.

O jornal O Globo publicou, nesta sexta-feira (13), que diretores da Americanas teriam vendido mais de R$ 210 milhões em ações da companhia no segundo semestre, citando documentos publicados pela companhia em seu portal de relacionamento com investidores.

Entre operadores ouvidos por Bloomberg Línea, o mercado reagiu positivamente à notícia publicada pela Bloomberg News de que os bancos estão dispostos a salvar a companhia, perdoando o estouro do limite de alavancagem. As ações chegaram a subir cerca de 50% nesta tarde, mas depois perderam fôlego. Às 15h40, os papeis operavam em alta de 26%, a R$ 3,44.

Os agentes de mesas de renda variável especulam sobre os ativos que a Americanas poderia vender para enfrentar a crise, como sua participação na joint venture com a Vibra (VBBR3), a Vem Conveniência, e até mesmo a Ame, a sua fintech. Procurada pela reportagem, as assessorias de Vibra e Americanas não quiseram comentar imediatamente os rumores.

As ações da Vibra caíam 0,73% por volta das, cotadas a R$ 14,99.

Regulamentação

As investigações na CVM conferem as denúncias observando o que estabelecem a Lei 6.385/76, que criou a CVM, e a Lei 6.404/76 (Lei das S.A.). Disciplinam o funcionamento do mercado de valores mobiliários e a atuação de seus participantes, como companhias abertas, controladores, administradores, auditores independentes, investidores, bolsas de valores e intermediários.

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“A CVM realiza as suas atividades de supervisão, dentre outras, mediante o acompanhamento da divulgação de informações relativas a companhias abertas, aos demais participantes do mercado de capitais e aos valores mobiliários negociados, o que pode levar à atuação preventiva e à instauração de procedimento sancionador”, explica nota da autarquia.

As informações sobre os processos administrativos em trâmite na CVM podem ser pesquisadas no site da autarquia, a partir, por exemplo, do nome da companhia. O resultado da pesquisa citada pode não incluir apurações preliminares, investigações ou processos que estejam tramitando em sigilo, como é o caso envolvendo a Americanas.

Nesta sexta-feira o Procon de São Paulo, órgão de defesa dos interesses dos consumidores, acionou a Americanas sobre eventuais impactos das falhas contábeis para os clientes. A notificação solicita dados como plano de ação e esclarecimentos sobre reclamações recebidas nos últimos 90 dias.

“No ano passado, o grupo teve quase 9.500 queixas registradas por consumidores que tiveram problemas com suas compras. A empresa tem até o próximo dia 17 para responder aos questionamentos do Procon-SP”, informou a nota.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.