O que uma política mais apertada do Banco do Japão significa para os mercados

BOJ elevou o limite permitido para os rendimentos dos títulos de 10 anos para cerca de 0,5% frente aos 0,25%, surpreendendo economistas

O rendimento de referência dos títulos de 10 anos chegou a subir 21 pontos-base para 0,46%
Por Masaki Kondo e Ruth Carson
20 de Dezembro, 2022 | 11:17 AM

Bloomberg — A inesperada guinada mais agressiva do Banco do Japão (BOJ, na sigla em inglês) sacode os mercados globais nesta terça-feira (20), com um passo para a normalização da política monetária no último reduto de juros baixos do mundo desenvolvido.

Os preços dos títulos do governo japonês e os Treasuries dos Estados Unidos caíram, enquanto o iene subiu depois que o BOJ elevou o limite permitido para os rendimentos das notas de referência de 10 anos para cerca de 0,5% frente aos 0,25%, surpreendendo todos os economistas consultados pela Bloomberg News. A decisão atingiu diversas classes de ativos, como as bolsas, o dólar australiano e o ouro.

É improvável que a turbulência termine nesta terça-feira (20). O Japão é o maior credor do mundo, e o aperto das condições financeiras domésticas pode resultar em um fluxo de capital voltando para casa. Esse movimento ameaça derrubar os preços dos ativos e aumentar os juros globais justo quando as perspectivas econômicas se deterioram.

“É importante não subestimar o impacto que isso poderia ter, porque uma política mais apertada do BOJ removeria uma das últimas âncoras globais que ajudaram a manter os custos de financiamento em níveis baixos de maneira mais ampla”, escreveu o chefe global de pesquisa macro do Deutsche Bank, Jim Reid, em nota aos clientes.

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Investidores tendem a vender títulos nos Estados Unidos, Austrália e França, e os índices acionários de mercados desenvolvidos também devem cair, de acordo com o UBS. O braço de gestão de ativos do banco suíço, bem como a Schroders e a BlueBay Asset Management, estão entre os que podem se beneficiar com a decisão do BOJ.

“Isso estava prestes a acontecer com a crescente inflação no Japão, mas veio mais cedo do que muitos pensavam”, disse Amir Anvarzadeh, analista da Asymmetric Advisors em Singapura, que acompanha os mercados japoneses há três décadas.

“Isso pode fazer com que o dinheiro volte para o Japão. E vai obrigar investidores japoneses a aumentar o hedge de sua exposição ao dólar, o que, por sua vez, fortalece o iene e se torna uma profecia autorrealizável de mais força do iene.”

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Sinalização “hawkish”

O rendimento de referência dos títulos de 10 anos do Japão chegou a subir 21 pontos-base para 0,46%, mas recuou para 0,4% depois que o BOJ também anunciou operações não programadas de compra de dívida. A negociação de futuros de títulos japoneses foi brevemente interrompida pela Bolsa de Osaka após atingirem a barreira acionada pelo circuit breaker.

“Em teoria, não é um aperto da política monetária, já que a meta de rendimento ainda é zero e o BOJ diz que vai intensificar a compra de títulos”, disse Shane Oliver, chefe de estratégia de investimentos da AMP Services, em Sydney.

Mas, segundo ele, a medida será vista como um movimento nessa direção por muitos, somando-se ao viés “hawkish”, favorável ao aperto monetário, de bancos centrais globais na semana passada. “Daí a valorização do iene e o impacto adverso nos mercados acionários globais.”

O presidente do BOJ, Haruhiko Kuroda, disse em conferência após a decisão que não será necessário ampliar ainda mais a faixa de rendimento e que a mudança no controle da curva de juros (YCC, na sigla em inglês) deve ser positiva para a economia.

O ajuste da política ocorreu depois que o núcleo da inflação do Japão subiu para o maior patamar em quatro décadas e reforçou o argumento de uma redução nos estímulos do banco central.

A especulação de uma mudança abalou os mercados na segunda-feira (19), com a notícia da agência Kyodo de que o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, planejava revisar um acordo de uma década com o BOJ sobre a meta de inflação de 2%.

“A ação do BOJ é, sem dúvida, negativa para os títulos globais”, escreveram estrategistas da TD Securities, incluindo Mitul Kotecha, em nota. “Se a medida de hoje foi o primeiro passo para o fim do YCC, sugerindo que o iene pode se valorizar materialmente daqui para frente, investidores japoneses podem começar a vender algumas de suas participações em títulos globais sem hedge cambial. Isso será mais baixista para a ponta longa das curvas dos títulos dos EUA e da Europa.”

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-- Com a colaboração de Marcus Wong, Matheus Burgess, Masahiro Hidaka, Ronojoy Mazumdar, Abhishek Vishnoi e Alice Gledhill

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