Vender por dinheiro ou virar sócio? Negócio em educação expõe dilema de startups

David Peixoto, co-fundador da isaac, explica à Bloomberg Línea o negócio em que a Arco adquiriu os 75,1% da fintech que não possuía

Painel da Nasdaq em Nova York exibe anúncio da aquisição da isaac pela Arco na última semana (Divulgação/Isaac/LinkedIn)
12 de Outubro, 2022 | 12:02 PM

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Bloomberg Línea — A compra de 75,1% da fintech isaac pela Arco Educação (ARCE) na semana passada foi vista pelo mercado como um down round da avaliação que a startup tinha recebido com rodadas de captação. Ou seja, uma operação que reduziu o seu valor. Não houve dinheiro envolvido, apenas troca de ações. O valuation equivalente da Isaac foi de cerca de US$ 180 milhões, segundo David Peixoto, co-fundador da startup.

O negócio chamou a atenção da indústria de startups e VCs por envolver duas das mais promissoras empresas do setor de educação, uma das quais, a Arco, já listada na Nasdaq.

A isaac havia anunciado uma rodada Série B de US$ 125 milhões em novembro de 2021, liderada pela General Atlantic. O investimento foi dividido em duas parcelas: US$ 43 milhões no momento e US$ 83 milhões no futuro, sem condições de exigência, porque a isaac não precisava de caixa.

É um capital que pode não mais ser necessário. Se a compra proposta pela Arco for aprovada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a segunda parcela será cancelada a pedido da isaac. Mas, se não receber o aval, o dinheiro chegará conforme planejado anteriormente.

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Com a transação, que garante à Arco 100% da fintech (ela já tinha 24,9%), os acionistas da isaac vão receber aproximadamente 10,4 milhões de ações da Arco, o equivalente a 15,8% da participação acionária da empresa listada na Nasdaq (1 milhão de ações em tesouraria e 9,4 milhões de novas ações da Arco).

O acordo representou uma diluição de 14,2% para os atuais acionistas da Arco. Não significou liquidez instantânea para os sócios da isaac, agora sujeitos a um período de lock-up (em que não podem vender suas ações) por três anos. Eles terão 1/3 de suas ações liberadas a cada ano.

A Arco estima que as receitas da isaac devem crescer cerca de 85% com margem EBITDA de -10% em 2023 e que a fintech deve consumir caixa até 2024. A startup tem posição líquida de caixa de R$ 245,5 milhões, o que a Arco considera “suficiente para financiar as operações da isaac, sem necessidade de captações adicionais”.

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Para os analistas Daniel Federle e Victor Ricciuti, do Credit Suisse, no entanto, pagar com ações o excesso de caixa da isaac acaba implicando em um aumento de patrimônio a um baixo valor por ação da Arco - o papel está em patamar cerca de 80% menor em relação ao pico do começo de 2020.

Para o co-fundador da isaac, sob sua perspectiva, o valuation seria mais importante para ser observado se a transação envolvesse troca de ação por dinheiro e significasse abrir mão da empresa.

“Neste caso não houve nenhuma transação monetária, foi 100% troca de ações. É muito mais correto, na nossa leitura, olhar para o valor relativo das empresas.”

“Por exemplo, há dois meses, a Arco estava com avaliação 70% a mais do que tem hoje [a diferença chegou a 64% no último dia 30]. É estranho você imaginar que essa empresa perdeu tanto valor em 45 dias [veja gráfico abaixo], até porque o movimento macro já aconteceu, foi completamente por volatilidade”, disse Peixoto à Bloomberg Línea.

Performance do papel da Arco na Nasdaq nos últimos quatro anos (Fonte: Bloomberg)dfd

“Se tivéssemos anunciado a transação exatamente na mesma proporção um mês e meio atrás, teríamos uma percepção do mercado de alto potencial criado. Só que pegamos um momento de vale.”

A isaac é uma fintech que oferece “receita garantida” para escolas particulares de ensino fundamental e médio do Brasil. Por meio de um software, a startup faz a gestão do faturamento e cobranças de mensalidades, digitalizando pagamentos que, em boa parte das escolas brasileiras, ainda são feitos por boletos. Em agosto deste ano, a Isaac teve R$ 188 milhões em receita recorrente anual.

Antes do negócio, os sócios-fundadores da isaac tinham 35,7% da companhia. A Arco detinha 24,9% porque, em agosto de 2020, investiu na rodada Seed da startup e, em fevereiro do ano passado, na Série A. A General Atlantic tinha 21,1%; a Kaszek, 11,7%; o SoftBank, 4,5%; e outros acionistas, 1,9%.

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A Kaszek afirmou à Bloomberg Línea que apoiou a decisão dos fundadores pelo acordo com a Arco e está otimista na combinação dos negócios no longo prazo.

O SoftBank não respondeu um pedido de comentário da Bloomberg Línea até o momento e a General Atlantic disse que não vai comentar.

O racional do negócio

Peixoto disse que, se o acordo tivesse sido em dinheiro, nenhum sócio teria vendido a startup. “Individualmente, a isaac foi avaliada a 25% do valor da Arco, uma empresa que tem quase 40% de margem e cresce mais de 30% ao ano”, disse. “Quando os juros estavam baixos, a Arco chegou a valer US$ 3 bilhões. Se tivéssemos feito a transação naquele momento, teríamos um valuation super expressivo.”

Daqui a dois meses, quando a transação for concluída, pode ser que o papel suba novamente e o valor implícito da isaac seja outro, segundo Peixoto.

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Ele explicou que a decisão de juntar a empresa com a Arco não se deu por causa da dificuldade de captar em rodadas privadas, mas, sim, porque os negócios são complementares.

“A Arco é uma plataforma de conteúdo para as escolas, que ajuda na parte pedagógica da escola, que tem 9.000 instituições pelo Brasil. A isaac construiu uma plataforma que olha para a parte administrativa e financeira da escola. Temos o mesmo cliente com soluções complementares”, disse Peixoto.

Para as empresas, segundo ele, faz sentido juntar o lado pedagógico com o administrativo e o financeiro em uma plataforma integrada. Para a Isaac, que tem 900 escolas como clientes, o ganho de acesso à base da Arco é grande e com pouca redundância.

“Se eu posso usar essa base de relacionamento e a plataforma pedagógica que a Arco já tem construída há anos para oferecer os meus produtos isaac, tenho a possibilidade de multiplicar por 10 o meu crescimento com um canal de distribuição proprietário”, disse Peixoto.

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Aposta no futuro

Foi acordada uma troca de ações porque “todo mundo queria fazer parte desse projeto das empresas combinadas para capturar o ganho que elas podem ter no futuro”.

“Foi um pedido nosso, de todos os acionistas, para que a transação fosse em troca de ação.”

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Como uma empresa listada, a Arco tem sofrido com o aumento de juros, que afeta em particular as chamadas ações de crescimento - de empresas cuja expansão é mais acelerada -, e com a volatilidade do mercado de capitais.

“Para a Arco também era complicado fazer uma transação neste momento porque, no fim das contas, o preço do papel deles está abaixo do que é o justo. Avaliamos os ativos de forma independente, quanto seria o valor justo da Arco, quanto seria o valor justo do isaac, e no fim estabelecemos uma relação de troca, quanto que um representaria em proporção ao outro”, disse o empreendedor.

Peixoto será o segundo maior acionista da empresa combinada e vai participar da gestão da unidade da isaac na Arco, junto do sócio Ricardo Sales.

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Os analistas do Credit Suisse disseram, em relatório, que enxergam a transação como “estrategicamente positiva”, mas “ligeiramente negativa do ponto de vista financeiro”.

“A isaac oferece produtos financeiros sinérgicos que devem fortalecer a oferta da Arco para escolas”, avaliou o Credit Suisse. Segundo o relatório, o caixa líquido da isaac contribui para aliviar a alavancagem da Arco, que tem pesado nos resultados de lucro líquido.

“O múltiplo de 2x da transação implica um pequeno desconto na avaliação atual da Arco. No entanto, a nosso ver, o timing não é o ideal para a aquisição de uma empresa com fluxo de caixa negativo”, disse o Credit Suisse.

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Novo momento para startups

Vitor Magnani, presidente do Movimento Inovação Digital, associação que representa alguns unicórnios brasileiros, disse acreditar que este é um novo ciclo para empresas nativas digitais por causa do aumento de juros global, de oscilações econômicas pós-pandemia e da guerra na Ucrânia.

É um ambiente em que fundos de investimentos do mundo estão mais rigorosos para selecionar as startups que vão receber os recursos e em que o tamanho dos cheques diminui.

Assim, ele acredita que empresas tradicionais que não possuem determinada tecnologia, ou companhias digitais grandes, que pretendem acelerar seu crescimento, poderão comprar ativos e startups “por valores menores se comparado com os cinco anos anteriores”.

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Roberto Kanter, economista e professor da Fundação Getulio Vargas, explicou que nem sempre o valuation de startups segue uma lógica clara. Por exemplo, se é pago R$ 1 milhão por 10% da empresa, ela teria um valuation de R$ 10 milhões. Contudo, se depois de um tempo, os outros 90% dessa companhia são adquiridos, dificilmente a parte compradora pagaria mais de R$ 9 milhões.

“Será pago, na verdade, o valor que ela vale. Se ela vendia R$ 1 milhão por ano, é muito provável que valesse R$ 4 milhões”, disse à Bloomberg Línea.

Portanto, a parte compradora não pagaria, neste exemplo, R$ 9 milhões pela empresa, mas, sim, mais R$ 3 milhões. “O valor de 100% é sempre menor do que o valor da parte. É uma lógica um pouco distorcida, mas a tendência é você pagar mais pela fração do que paga pelo todo.”

Ainda que exista um ajuste de mercado e que as fintechs hoje são avaliadas por menos que dois anos atrás, para Kanter, o caso da isaac teve mais a ver com o que efetivamente vale 100% da empresa.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups