Da febre aos pés no chão: como o juro alto afetou o mercado de agentes autônomos

Com investidores mais conservadores, muitos escritórios sofrem impacto nos ganhos em cima do giro da carteira, enquanto outros colhem frutos da diversificação

Mercado conta hoje com mais de 17 mil profissionais e 1.200 empresas de assessoria
09 de Outubro, 2022 | 09:03 AM

Bloomberg Línea — O mercado de assessores de investimento - os agentes autônomos - foi um dos mais efervescentes da economia brasileira nos últimos anos, na esteira dos juros baixos e do aumento da competição para além dos grandes bancos. Histórias de crescimento meteórico, disputa de XP (XP) e BTG Pactual (BPAC11) pelos maiores escritórios e profissionais contratados com luvas milionárias ganharam a Faria Lima e outras praças em um momento de euforia com o avanço do mercado de capitais do país.

Mas os juros baixos não só ficaram para trás como a economia voltou a conviver com uma realidade que muitos julgavam ter sido superada de vez: de taxas em dois dígitos, atualmente em 13,75% ao ano. Novo cenário, novo (ou velho) comportamento de muitos investidores, que retomaram parte da preferência por produtos mais conservadores e reduziram o apetite para renda variável e para o giro da carteira. Isso tem afetado os ganhos e acertado em cheio o mercado de agentes autônomos.

Escritórios reduzem o apetite ou até chegam a reduzir o quadro de especialistas em renda variável, e a disputa por profissionais do setor, que girava na casa de R$ 1 milhão, já não encontra mais suporte.

Por outro lado, grandes bancos como Itaú Unibanco (ITUB4) e Santander (SANB11), para ficar em dois exemplos, partem para o contra-ataque e reforçam os times de assessores de investimento diante da avaliação de que o atendimento especializado se mostrou um caminho necessário e eficaz para crescer no segmento.

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O mercado de agentes autônomos agora passa por um movimento de amadurecimento, com ampliação dos portfólios de serviços e produtos oferecidos, vistos por alguns players do setor como essenciais para se diferenciar em um mercado que conta com mais de 17 mil profissionais e 1.200 empresas de assessoria. Há também consolidação, com negócios de M&A (fusão e aquisição) entre escritórios.

A Bloomberg Línea conversou com empresários do mercado para entender como ficam os escritórios de assessores de investimento no cenário de juros elevados e de aumento da concorrência.

Frenesi da renda variável

No ambiente de juros baixos - com a Selic em 6,50% ao ano ou abaixo desse patamar, que prevaleceu de 2018 a praticamente o ano inteiro de 2021, a demanda por profissionais de investimento fora dos grandes bancos ganhou impulso, acelerando o crescimento de escritórios de agentes autônomos. Alguns dos mais destacados superaram a marca de bilhões de reais em ativos sob gestão.

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Foi um período em que milhares de brasileiros descobriram a bolsa. O número de investidores que são pessoas físicas saltou de 600 mil, em 2018, para 3,2 milhões em 2021, segundo dados da B3. Os dados consideram o número de investidores em ações à vista. Em muitos casos, não houve só a migração da poupança e da renda fixa para a bolsa, mas de bancos para corretoras independentes.

Esse ambiente teve também o efeito colateral de inflacionar a disputa pelos assessores de investimento, seja de concorrentes ou aqueles trazidos de bancos, como gerentes, que passaram a negociar e a ganhar luvas milionárias para trocar de emprego.

O sócio de um dos maiores escritórios do mercado brasileiro, que falou em condição de anonimato, disse que muitas casas aceitaram pagar luvas “absurdas” cujo payback, com a virada do mercado, deve demorar alguns anos para acontecer.

Segundo outro empresário do mercado, gerentes contratados de bancos ganhavam luvas na casa de R$ 100 mil a R$ 300 mil para trocar de emprego, pois isso significava abrir mão da segurança e da estabilidade de uma carreira em uma instituição financeira.

Para gerentes do segmento private, dedicado a clientes com patrimônio mais elevado, o montante variava de R$ 500 mil a R$ 1 milhão.

O payback em casos assim era de 18 a 24 meses – o que aumentou com o cenário mais desafiador para alocação.

Na época, gerentes de bancos eram contratados por escritórios com um piso fixo temporário de R$ 12 mil a R$ 15 mil, além dos ganhos com corretagem, segundo outro executivo do setor.

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Mudança de cenário e impactos

O então ambiente benigno para ativos de risco tinha como consequência ganhos de escritórios e agentes autônomos com corretagem em cima de trocas constantes de posições por parte dos investidores, dadas a grande quantidade de ofertas e as condições favoráveis de mercado.

Com o custo de capital mais caro para todos os players, o apetite por novos profissionais diminuiu e fez com que as casas ficassem mais diligentes nas transações, disse Bruno Ballista, Head de Assessoria e Relacionamento com Clientes da XP Investimentos.

A XP foi a corretora que liderou a transformação desse mercado ao longo da última década, acelerando o crescimento de muitos escritórios e a sua própria expansão por meio desse relacionamento.

“O gerente de banco que saiu entre 2014 e 2015 surfou uma onda de crescimento. Talvez a luva não tenha sido a melhor, mas gerou resultado mais rápido. Hoje, as pessoas tentam se precificar melhor, mas o escritório sabe que o retorno vai ser mais lento”, afirmou.

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Thiago Penna, CEO do escritório 3A Investimentos, também apontou as mudanças no setor. “Nos últimos dois anos, houve muita disputa por profissionais e plataformas. Muitos partiram para planos de expansão, às vezes sem planejamento, o que levou a muita bagunça na indústria, apesar de o mercado continuar crescendo”, avaliou.

“Todo mundo está sendo mais diligente nas escolhas após a euforia. O mercado continua acelerado, mas o foco agora está mais na qualidade”, completou, referindo-se às novas contratações. A 3A Investimentos tem mais de R$ 4 bilhões sob gestão e mais de 5.000 clientes, segundos dados do seu site.

Se durante o período de Selic a 2% ao ano “qualquer escritório ganhava dinheiro”, agora, com os juros na casa de dois dígitos, as incertezas e a inflação elevada, aqueles que montaram suas estratégias focadas 100% em renda variável encontram um desafio para rentabilizar o negócio.

“O cliente começou a perceber que há diferença. Quando tudo está dando certo, é possível entrar em qualquer escritório, porque vai ganhar dinheiro; mas é na crise que ele percebe que as assessorias não são todas iguais”, disse Wagner Vieira, sócio-fundador e CEO da Blue3 Investimentos, casa que possui hoje cerca de R$ 20 bilhões sob gestão e é uma das maiores do país.

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Um experiente empresário do setor que pediu para não ser identificado disse que seu ROA (retorno sobre o ativo, na sigla em inglês) chegou a cair 15%, enquanto algumas casas chegaram a ter queda de até 50% no novo cenário.

Filipe Medeiros, da AAWZ Partners, que fornece consultoria a escritórios de investimento, contou que muitos se prejudicaram por causa das projeções de caixa. “O custo fixo da empresa ficou mais representativo do que a receita, então muitas queimaram caixa operacionalmente”, disse.

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Ampliação de escopo

Mais do que o cenário macro, Medeiros chama a atenção para a concentração de atividades de determinados escritórios. “Muitos dos mais novos surgiram concentrados em renda variável e não estavam preparados para um movimento de asset allocation”, afirmou.

Com muitos investidores optando por produtos mais conservadores, de renda fixa, e diante da maior concorrência com emissões de grandes bancos, expandir a grade de produtos e serviços dentro dos escritórios virou peça fundamental para continuar crescendo no setor. E quem apostou na diversificação antes da virada do mercado agora colhe os frutos dessa estratégia.

É o caso de Vieira, da Blue3, por exemplo. Ele afirmou que ampliou a já existente área de renda fixa, que conta com 30 pessoas, bem como a de seguros. Atualmente, a casa possui as áreas de renda fixa e variável, seguro, blindagem patrimonial, crédito, corporate e internacional. Como consequência, segundo ele, o escritório continua em ritmo acelerado de captação com clientes.

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Diego Ramiro, presidente da ABAAI (Associação Brasileira de Agentes Autônomos de Investimentos), também chama a atenção para a necessidade de ampliação do escopo. “As empresas que antes só traziam clientes com a Selic baixa e a alta da bolsa vão sofrer mais e terão que mudar o foco. Já os escritórios com outras áreas de produtos e serviços vão ganhar espaço e se aglutinar.”

Além disso, destaca Ramiro, o novo cenário reforça a necessidade de captação de recursos e clientes ao assessor, dado que as receitas com o giro da carteira deixam de ser tão frequentes.

Em um primeiro momento, diz, escritórios podem ver um aumento nas receitas, dados os montantes normalmente maiores em produtos de renda fixa. “Mas depois, se não continuarem captando, deixam de receber.” Segundo ele, o movimento deve levar à profissionalização dos escritórios.

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Nova regulação à vista

No setor, as atenções recaem agora sobre a nova regulação do trabalho dos assessores de investimentos, em revisão pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Entre as principais mudanças estão o fim da exclusividade dos escritórios com corretoras, a permissão para que as casas tenham sócios investidores (na figura de sociedade empresarial) e mudanças na forma de divulgação da remuneração desses profissionais.

Ramiro, da ABAAI, diz que a resolução deve trazer mais transparência ao mercado e permitir que os escritórios ofereçam planos de carreira para os profissionais do setor.

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“As empresas vão ter que se profissionalizar, o que no fim do dia é positivo para o cliente. Daqui para frente, deve aumentar o número de empresas que fazem fusões e aquisições – movimento que grandes plataformas já fizeram”, disse o presidente da associação.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.

Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.