Por que o boom do petróleo colocou a América Latina em uma encruzilhada política

Agência Internacional de Energia espera um adicional de 400 mil barris por dia em 2022 na região - um terço do esperado nos EUA

Brasil
Por Peter Millard
07 de Setembro, 2022 | 06:09 PM

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Bloomberg — Da Arábia Saudita ao oeste do Texas, os perfuradores de petróleo estão bombeando mais óleo para lucrar com o boom recente dos preços. Mas o cenário é bem diferente na região que abriga um quinto das reservas mundiais da commodity.

Em toda a América Latina, a valorização do petróleo bruto de US$ 100 o barril foi atenuada por políticas nacionalistas que reforçaram o controle do governo sobre o setor de energia e marginalizaram os investidores estrangeiros, que ajudaram a aumentar a produção.

A produção do Brasil e da Guiana aumentou, mas na região como um todo, a produção caiu tanto que mal consegue atender a demanda. México e Argentina, por exemplo, importam mais petróleo bruto e gás natural do que exportam, uma reversão do último boom do petróleo há uma década.

A dependência de importações mais caras de combustível colocou os líderes dos países produtores de petróleo da América Latina numa encruzilhada política. Enfrentando as reações dos motoristas sem dinheiro, o presidente Jair Bolsonaro está atrás de seu principal rival, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a menos de 30 dias das eleições de outubro. O presidente do Equador quase sofreu impeachment depois de uma onda de protestos contra os preços dos combustíveis e a inflação. Ao mesmo tempo, o México está gastando bilhões para subsidiar a gasolina.

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Tudo isso significa que o mundo não pode contar com a América Latina para aumentar a produção de petróleo e gás natural à medida que a invasão da Ucrânia pela Rússia reduz a oferta global. Embora os produtores nos EUA e no Oriente Médio estejam aumentando a produção, ela ainda não é suficiente para deter os aumentos desenfreados de preços que ameaçam desencadear o racionamento de combustível e colocar as economias em recessão.

Este é um claro contraste com os primeiros booms de commodities que ocorreram na América Latina. Nos anos 2000, líderes como Hugo Chávez, da Venezuela, usaram o dinheiro inesperado que veio do petróleo e do gás para reforçar sua popularidade e expandir sua influência regional. Mas essas receitas descomunais só foram possíveis por causa dos investimentos estrangeiros que elevaram a produção. Quando Chávez nacionalizou a indústria do petróleo, grandes projetos foram mal administrados e o dinheiro acabou.

“As petrolíferas foram vítimas do nacionalismo dos recursos que prevaleceu durante o superciclo”, afirmou Francisco Monaldi, professor de economia energética do Instituto Baker de Políticas Públicas da Universidade Rice e especialista em América Latina. “Agora eles não têm capacidade para fazer o que Chávez fez em 2003 e 2004 para executar gastos em massa.”

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É claro que o saldo seria ainda pior para os exportadores estatais de petróleo da América Latina se os preços não tivessem disparado este ano. A Petrobras (PETR3;PETR4), a Ecopetrol (EC) do Equador e até mesmo a Petroleos Mexicanos (PEMEX), altamente endividada, do México, reportaram lucros estelares e têm pagado dividendos robustos. Mas leva tempo para que a receita tributária mais alta das exportações de petróleo chegue aos cofres do governo, e apenas um superciclo prolongado acabaria trazendo alívio à região.

Os benefícios econômicos mais amplos do rali do petróleo não foram suficientes para inviabilizar uma onda anti-establishment, ou antissistema, em toda a América Latina. A Colômbia elegeu recentemente um forasteiro para a presidência que planeja banir o fracking, termo em inglês para “fraturamento hidráulico”, uma técnica utilizada para extrair petróleo e com alto risco de contaminação dos lençóis freáticos. Paralelamente, no Brasil, Lula (PT) que presidiu uma expansão econômica em seu primeiro governo graças em grande parte às commodities, é o favorito para substituir Bolsonaro nas próximas eleições.

Na visão de Monaldi, os campos de petróleo da América Latina estariam bombeando 20 milhões de barris por dia, mais que o dobro dos níveis atuais, se os produtores de lá tivessem acesso aos benefícios desfrutados pelos perfuradores no Texas, por exemplo, em um ambiente mais favorável aos negócios: fácil acesso ao capital, impostos baixos e regulamentação menos rígida. Ao invés disso, as políticas intervencionistas – como confiscar participações em campos de petróleo de parceiros estrangeiros, aumentar impostos e deixar de explorar áreas prontas para perfuração – tomaram conta.

Refinería mexicanadfd

“É surpreendente como os riscos em solo rígido são ruins e como eles têm afetado o potencial da indústria”, disse Monaldi em entrevista.

Ganhos modestos

O maior ganhador do na região é a recém-chegada de perfuração offshore Guyana. Mas a empresa não verá mais altas até 2023, quando o próximo navio-tanque de produção da Exxon Mobil chegar. A produção de petróleo da Venezuela se recuperou depois do alívio nas sanções dos EUA em 2021, mas não está claro se pode expandir ou mesmo manter seus níveis atuais – uma sombra do que era apenas cinco anos atrás. No Brasil, que possui recursos offshore significativos ainda não explorados, os ganhos foram modestos.

Mesmo o aumento da produção de petróleo da Argentina para o mais alto em uma década provavelmente não trará nenhum alívio aos mercados, já que o país é apenas um produtor de médio porte. Restrições de infraestrutura e controles de preços domésticos limitam a rapidez com que a produção pode expandir, apesar de seus depósitos de gás de xisto.

No total, a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) espera um adicional de 400.000 barris por dia em 2022 da América Latina - um terço do crescimento esperado nos Estados Unidos.

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A principal história de sucesso da produção na região no século foi o Brasil, mas mesmo por aqui a produção seria o dobro dos níveis atuais se o primeiro governo de Lula não tivesse parado o desenvolvimento por meia década para reescrever a legislação petrolífera, disseram Monaldi e outros analistas.

Se Lula vencer como é esperado, a principal preocupação é que o governo retarde o desenvolvimento de quaisquer grandes descobertas para aumentar a participação do estado, disse André Fagundes, que cobre o Brasil para a consultoria de energia Welligence. Agora, a Petrobras se prepara para perfurar uma região offshore pouco explorada perto da margem equatorial.

Se o Brasil fizer novas descobertas importantes, como os sucessos recentes na Guiana e no Suriname, um governo Lula pode retardar o desenvolvimento para aumentar os impostos, disse Fagundes.

“Este pode ser um tópico de revisão para futuras rodadas de licenças”, disse.

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