Como a Previ foi à Justiça cobrar R$ 1 milhão e saiu devendo R$ 300 mil

Maior fundo de pensão do país, de funcionários do Banco do Brasil, perdeu prazo para cobrar de um casal de aposentados uma alegada dívida de um imóvel no Distrito Federal

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Bloomberg Línea — Dizem os juristas que os antigos romanos costumavam repetir que “o Direito não socorre aos que dormem”. É uma forma de resumir a ideia de que o Direito serve para resolver qualquer problema, desde que a queixa seja feita a tempo. No caso de dívidas, por exemplo, o Código Civil brasileiro, de 2002, diz que o credor de uma dívida tem cinco anos para cobrá-la.

E foi por isso que a Previ, poderoso fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, o maior do país, perdeu o direito de cobrar R$ 1 milhão de um casal de aposentados do Distrito Federal que ela acusava de estar inadimplente com as prestações de um apartamento. E ainda deve ter que pagar R$ 315 mil à advogada dos aposentados (que eram casados, mas acabam de se divorciar).

A Previ tinha R$ 237,6 bilhões em recursos ao fim de 2021, segundo relatório no site do fundo, dos quais R$ 12,5 bilhões em imóveis (cerca de 5% do total).

A Previ é representada nesse caso por um escritório de advocacia terceirizado, o Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados. Em mensagem enviada à Bloomberg Línea por uma de suas sócias, o escritório disse que “adotou, no caso concreto, todas as cautelas jurídicas necessárias à defesa dos interesses da Previ”.

O apartamento em questão foi comprado pelo casal em 1995, financiado em 240 meses. A última parcela seria paga, portanto, em abril de 2015.

De acordo com as alegações da Previ à Justiça do Distrito Federal, às quais a Bloomberg Línea teve acesso, o casal deixou de pagar prestações e, com as correções, a dívida chegou a R$ 757,9 mil. Aplicando as multas decorrentes do atraso, a Previ pediu que a Justiça enviasse ao casal uma notificação de dívida de R$ 1 milhão, a ser paga em três dias úteis.

Só que a ação de cobrança foi ajuizada em maio de 2021. Um ano depois, portanto, do vencimento do prazo previsto no Código Civil. A Bloomberg Línea tentou contato com a Previ por meio de sua assessoria de imprensa, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

A defesa do casal contesta a dívida e afirma que eles não estão inadimplentes, mas isso nem chegou a ser discutido na Justiça do Distrito Federal. O debate ficou em torno da prescrição da dívida.

Em primeira instância, a Justiça do DF decidiu que a dívida ainda poderia ser cobrada, porque o contrato da compra do imóvel previa uma renovação automática caso o prazo do financiamento terminasse e o apartamento ainda não estivesse quitado - tese defendida pela Previ, inclusive em processos semelhantes.

A sentença, no entanto, foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) em abril deste ano. No acórdão, os desembargadores disseram que a cláusula da renovação automática existe, mas é “apenas uma possibilidade”: “Em que pese a previsão de cláusula contratual possibilitando a prorrogação do prazo para amortização do financiamento, trata-se apenas de uma possibilidade dos contratantes, e não uma consequência automática, para os casos de existência de saldo devedor remanescente, o que não corresponde ao caso”.

Diante desse entendimento, a Previ foi condenada a pagar os honorários da defesa do casal, feita pela advogada Janaína César Doles. Foi decidido que, pela defesa do aposentado, ela receberia 10% sobre o valor da causa (R$ 1 milhão); e, pela defesa da aposentada, 15%.

Isso fez com que a Previ deixasse de ser credora de R$ 1 milhão, na sua alegação, para se tornar devedora de R$ 278,4 mil (R$ 111,4 mil do aposentado e R$ 167 mil da aposentada).

A Previ teria até o dia 28 de junho para depositar esse dinheiro. Mas depositou apenas a quantia referente ao processo do aposentado. E aí teve que pagar uma multa de 20% sobre aa dívida, o que levou o valor que teria de pagar à advogada da aposentada a R$ 203,7 mil - e a dívida total para R$ 315 mil.

Tentativa de recurso ao STJ

Hoje, o processo está em grau de recurso. O escritório que representa a Previ tentou levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas teve o recurso negado - pela regra dos recursos ao STJ, é o tribunal local onde corre o processo que tem de autorizar a “subida” do recurso.

Os advogados recorreram e agora cabe ao presidente do STJ decidir se o recurso pode ou não ser julgado pelo tribunal. “Mas a chance é pequena”, disse a advogada Janaína César Doles, que representa os aposentados.

A tese que os advogados têm levado aos tribunais é a de que haveria uma renovação automática do contrato caso o prazo do financiamento vencesse e os proprietários ainda estivessem inadimplentes. Só que, segundo Doles, essa tese já foi rejeitada pelo STJ em diversos processos, muitos deles da própria Previ.

“O que acontece nesse processo é uma sucessão de erros. Só que, para evitar ter que justificar para a Previ esse gasto, os advogados continuam recorrendo. E quem sofre com isso são os meus clientes, que só gostariam de ver essa história resolvida”, afirmou a advogada.

*Texto atualizado às 14h33 do dia 16/8/2022 para corrigir o nome da advogada dos advogados, que é Janaína, e não Jéssica, como havia sido publicado.

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