Startup Casai fica sem dinheiro, demite e negocia fusão com Nomah, da Loft

Proptech mexicana que atua com estadias de curta duração dispensou ao menos 60 trabalhadores no Brasil; negócio salvaria a empresa

Nico Barawid, CEO da Casai: startup é uma das maiores no segmento de locação de imóveis por tempo reduzido (short stay)
26 de Julho, 2022 | 07:23 AM

São Paulo e Cidade do México — A mexicana Casai, uma startup para estadias de curta duração na América Latina, está demitindo dezenas de pessoas enquanto planeja uma fusão com a Nomah, que pertence à Loft, como forma de reestruturação. Sob o acordo em negociação, a Loft, uma das maiores startups da América Latina, venderia suas ações da Nomah para a Casai e investiria na nova empresa resultante da fusão, segundo fontes com acesso às negociações.

“A fusão com a Nomah será finalizada em breve”, disse uma pessoa familiarizada com o acordo, esclarecendo que as negociações da transação ainda não foram concluídas. A transação será uma tábua de salvação depois que a negociação de uma extensão da rodada Série A em abril para a Casai não avançou, disse uma pessoa familiarizada com o assunto à Bloomberg Línea.

A Bloomberg Línea entrou em contato com os diretores da Casai, mas não obteve resposta até o momento.

A Nomah disse que não tem o que compartilhar sobre o assunto no momento. A Loft também não quis comentar.

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A Casai e a Nomah atuam no segmento conhecido como short stay: reformam em geral apartamentos que pertecem a investidores para fazer a locação de curta temporada, por dias ou semanas, oferecendo uma experiência digital - em geral, tudo é feito pelo app - com preços mais acessíveis do que as diárias de hoteis ou sem as burocracias de contratos tradicionais de aluguel. Para investidores, é uma forma de rentabilizar o ativo imobiliário sem ter que cuidar da locação.

Depois que a Sonder, versão americana da Casai, reportou desempenho ruim e demitiu funcionários, afetada pela alta dos juros que prejudica os negócios de tecnologia, family offices que são donos dos imóveis da Casai reagiram puxando o cheque da extensão da Série A. E os VCs (fundos de venture capital) seguiram, disse uma pessoa familiarizada com o acordo.

Como consequência, a empresa teve que cortar custos e demitir. Pessoas dispensadas disseram à Bloomberg Línea que pelo menos 60 funcionários foram mandados embora no Brasil na última segunda-feira (18), dos quase 200 que a equipe tinha, e pelo menos 20 foram cortados no México.

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Brasileiros demitidos pela Casai disseram que ainda não tiveram as verbas rescisórias, mas podem recebê-la em até dez dias (conforme a lei trabalhista), segundo uma pessoa a par do assunto, que preferiu não se identificar porque as discussões são privadas.

No México, a situação é ainda mais incerta e ex-funcionários estão recebendo propostas para que a rescisão seja paga em até seis parcelas, segundo pessoas afetadas pelos cortes.

Outra pessoa que preferiu não ser nomeada disse que em junho a Casai relatou a funcionários que negociava um M&A (acordo de fusão e aquisição). Mesmo assim, a startup teria que se reestruturar - com os cortes - porque não tinha condições de manter o negócio por mais um mês.

Segundo depoimentos à Bloomberg Línea, a startup esperava captar US$ 70 milhões em uma Série B no fim de 2021, mas outra pessoa disse que não havia acordo para a Série B, mas sim para a extensão da Série A em abril. Mesmo assim, nenhum dinheiro teria vindo. Em abril, a Casai adquiriu a empresa brasileira Loopkey, que oferece hardware (fechaduras) e software para acesso aos apartamentos.

Em 2020, a empresa cofundada pelos mexicanos Nico Barawid e María del Carmen Herrerías levantou uma rodada de financiamento da Série A de US$ 48 milhões, liderada por Andreessen Horowitz (a16z) e TriplePoint Capital, da qual a brasileira Monashees também participou.

Foi uma das maiores rodadas para essa etapa e serviu para bancar a expansão para o Brasil, mercado que, segundo um ex-funcionário, está se tornando mais relevante que o mercado mexicano. E se tornará ainda mais importante quando o negócio com a Nomah, startup do mesmo setor e atuação apenas no mercado doméstico, for fechado. Mas também pode levar a mais demissões por redundâncias, já que a nova empresa resultante da fusão terá que ajustar seus negócios e portfólio.

O novo acordo manteria Barawid como CEO, e Thomas Guz, fundador e CEO da Nomah, sairia em seis meses, apurou a Bloomberg Línea.

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Rescisões

Mas há alguma discrepância entre os relatos. Embora haja uma pessoa que disse que os acordos de indenização no México não ferem a lei trabalhista, a Bloomberg Línea revisou documentos que dizem o contrário.

Uma alegada má gestão financeira teria levado ao esgotamento do dinheiro e hoje os funcionários afetados pelos cortes não estariam recebendo indenizações como estabelecido pela lei mexicana.

Uma das pessoas ouvidas pela Bloomberg Línea disse saber que a a16z deu seis meses de runway (período em que a startup consegue ainda operar com o dinheiro remanescente) com US$ 5 milhões para a Casai, em parte para pagar os acordos com os demitidos. Mas outra pessoa diz que isso não aconteceu e que a Casai não tinha capital.

Outra pessoa disse que Barawid não aceitou um cheque maior na ocasião porque isso diluiria seu controle sobre a startup e que ele deixaria de ser o sócio majoritário de seu negócio.

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A Bloomberg Línea procurou Angela Strange, da a16z, e Marcelo Lima, da Monashees, para um comentário, mas não obteve resposta.

Como o aporte nos termos e nas condições que a Casai desejava na ocasião não veio, a proptech buscou outras alternativas para manter a operação viva e começou a cortar despesas do dia-a-dia há algumas semanas.

Dinheiro para queimar

Segundo um dos depoimentos ouvidos pela Bloomberg Línea, até seis meses atrás, a Casai estava em situação mais favorável.

“Houve muito crescimento e muito dinheiro para investir. A estratégia era crescer o mais rápido possível e todas as ideias que poderiam nos ajudar a avançar foram aceitas. Era um momento muito emocionante”, disse uma pessoa afetada pela política de demissões da Casai.

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Mas esse crescimento acelerado, supostamente sem disciplina financeira, levou Barawid a falar com toda a empresa no último dia 24 de junho para informar que a startup estava ficando sem dinheiro. Na ocasião, recomendou que procurassem um novo emprego, segundo essas pessoas.

“Naquele dia havia um clima de total incerteza e não houve contato dos chefes de equipe para explicar o que estava acontecendo”, disse uma das pessoas afetadas pela demissão.

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Desde então, a carga de trabalho começou a diminuir na maioria das áreas da Casai, de acordo com os relatos. Apenas alguns meses antes, segundo ex-funcionários, as equipes estavam crescendo constantemente em diferentes áreas, mas, a partir de junho, alguns líderes começaram a negociar sua saída da empresa. Esses ex-funcionários afirmaram também que os departamentos de recursos humanos e de comunicação do México e do Brasil quase desapareceram.

Nos canais de comunicação da empresa, 349 profissionais haviam sido cadastrados e, com o corte, esse número passou a 299, segundo uma pessoa que disse ter revisado os dados antes de sua conta ser desativada.

Sinais de mudança

Na opinião de diferentes entrevistados, a administração da Casai tinha problemas recentes. Eles disseram que, nas últimas semanas, os benefícios dos funcionários começaram a ser reduzidos e os fornecedores foram pagos não com depósitos como era costume, mas com cartões de crédito da Clara, o unicórnio fundado por Gerry Giacoman e que também teve que cortar 10% do pessoal para ter mais liquidez.

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Também em junho, os dirigentes da Casai pediram que não fossem anunciados novos lançamentos que tiveram em cidades do México e do Brasil. “Isso porque os investidores queriam discrição porque cada lançamento envolve a contratação de pessoas e não queriam que continuássemos anunciando que estávamos gastando dinheiro porque isso afetaria a captação em uma nova rodada”, disse uma pessoa familiarizada com as discussões. Mas outra pessoa familiarizada com as discussões disse que não houve anúncios porque a Casai ainda está testando se a operação de Brasília vai dar certo.

Rescisão em partes no México

Trabalhar na Casai era considerado agradável porque “éramos como uma família”, segundo alguns ex-colaboradores. Todas as sextas-feiras havia reuniões em que eram reconhecidos os funcionários que haviam tido um desempenho de destaque durante a semana. Um ambiente motivador.

Por essa razão, a manhã do último dia 18 foi tão contrastante para os funcionários do México, quando foram informados de que teriam que assinar sua demissão com uma indenização que não correspondia à prevista em lei, segundo os relatos.

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Ex-funcionários da Casai contam que a startup está oferecendo apenas metade do que corresponde a seis pagamentos, o primeiro pagamento entre 40% e 50% e o restante em prestações mensais.

Os afetados procuraram aconselhamento jurídico e seus advogados concordam que essa prática não é usual. Mas eles reconheceram que os pagamentos geralmente diferem quando a empresa está com problemas financeiros ou em risco de falência, embora seja feito regularmente após três meses e não em seis vezes.

Alguns dos ex-funcionários ameaçaram processar a Casai, mas o escritório de advocacia que os representa disse que não adiantaria porque a empresa poderia desaparecer em alguns meses, segundo os relatos.

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No México, cada funcionário está entrando com seu próprio processo sozinho. A maioria deve aceitar os termos de rescisão da Casai porque precisa do dinheiro imediatamente. Outros querem negociar para ver se a Casai pode pagar integralmente à vista. “Os advogados da Casai nos trataram mal. Eles disseram que a empresa estava falindo e que não havia como nos pagar”, disse uma pessoa afetada.

Os advogados consultados pelos atingidos pelos cortes recomendaram que assinassem essas liquidações porque a empresa poderia mudar sua razão social e não ser obrigada a pagar nada no México. No entanto, outra pessoa familiarizada com as discussões disse que a fusão com a Nomah não seria um caminho para evitar ações judiciais, mas, sim, uma maneira de cumprir com os pagamentos e ter dinheiro para pagar as indenizações no México.

No caso do Brasil, uma pessoa que conhece a situação dos colegas de trabalho disse que as demissões também ocorreram em 18 de julho e que foram solicitados dez dias para contatá-los e rever o seu acordo, embora inicialmente tenham sido oferecidas ações da startup como parte da rescisão.

A equipe da Casai no Brasil afetada pelas demissões ainda está em contato com o RH e realiza exames demissionais nesta semana. Não há relatos de proposta de pagamento da rescisão em parcelas.

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Yanin Alfaro (BR)

Jornalista com experiência em startups e tecnologia

Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups