Como a mudança climática está afetando seu vinho favorito

Vinhedos da Europa vêm sofrendo com o calor intenso e os incêndios que assolam a região

Mês de julho foi marcado pelas chamas na região
Por Elin McCoy
26 de Julho, 2022 | 04:56 PM

Bloomberg — Em 7 de julho, um incêndio florestal consumiu o vinhedo da Quinta da Alegria, de Oscar Quevedo, no Vale do Douro em Portugal. No meio da madrugada, as chamas cercavam o vinhedo. As videiras ao redor das bordas, que equivalem a cerca de um hectare, queimaram. Quevedo, de 39 anos, disse: “nunca havia visto um incêndio tão grande e rápido no coração do Douro”.

Em toda a Europa, as temperaturas nas regiões dos vinhedos estão batendo recordes de alta, e as ondas de calor estão indo para o norte, para países normalmente mais frios, como a Alemanha. No Reino Unido, as temperaturas acima de 40°C foram registradas pela primeira vez na história. Os vinicultores se preocupam que isto irá reduzir os rendimentos em 25% ou mais para esta safra. Muitos já foram afetados pela geada e pelo granizo. As ondas de calor cada vez mais intensas estão sinalizando que as condições podem ficar ainda mais extremas e imprevisíveis com o tempo.

“A Europa vem aquecendo mais rápido que a média global”, diz o professor Angel Hsu, cientista climático da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.

Os amantes do vinho já sabem como uma mistura de altas temperaturas, seca e rajadas de ventos facilita a disseminação de incêndios e dificulta a extinção. A temporada de incêndios na Europa chegou mais cedo do que o normal este ano. Queimadas surgiram pela França, Espanha, Portugal, Grécia, entre outros; milhares de pessoas foram evacuadas, e muitas morreram.

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Mesmo que um incêndio não queime as videiras, a fumaça das chamas próximas pode arruinar as plantações por quilômetros. Quando a fumaça pesada paira sobre as videiras durante dias, ela pode causar manchas de fumaça nas uvas, o que dá aos vinhos um sabor de cinzas. No passado, o fenômeno afetou os vinhos em Napa e Sonoma, na Califórnia e na Austrália.

Mesmo assim, os incêndios rurais estão afetando apenas algumas áreas, mas todos os vinhedos estão sofrendo com o calor e a seca extremos. As altas temperaturas persistentes podem queimar as uvas, que não vão amadurecer corretamente, e causar estresse hídrico, impedindo que as videiras tenham água o suficiente para florescer. Sua reação é acumular açúcar mais lentamente, atrasando o amadurecimento e a colheita. As uvas ficam menores e o rendimento cai, afetando a qualidade.

E o verão de 2022 ainda nem acabou.

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O que está acontecendo na França?

Produtores de locais como o Vale do Loire não parecem se preocupar com os incêndios e a fumaça. Mais ao sul, em Bordeaux, não é bem assim. Dois grandes incêndios começaram por volta de 12 de julho, um ao longo da costa, perto da cidade resort de Arcachon, e o outro em uma floresta de pinheiros ao sul de Bordeaux, perto dos vinhedos na região de Graves. Um forte incêndio passou tão perto do pequeno vinhedo Liber Pater que a polícia ordenou sua evacuação em 18 de julho.

Antes de sair, o proprietário, Loic Pasquet, criou barricadas para tentar conter as chamas. Por sorte, o vento mudou, salvando suas videiras da fumaça. O preço médio de seus vinhos tintos é de US$ 4 mil a garrafa, e a rara safra de 2015 sai por US$ 33 mil.

Cerca de 20,9 mil hectares de floresta arderam, de acordo com números oficiais de 22 de junho. Milhares de pessoas foram evacuadas do local, e 2 mil bombeiros e oito aviões com bombas de água continuam combatendo as chamas, embora a progressão do fogo tenha desacelerado. No início da semana foi possível sentir o cheiro de fumaça na cidade de Bordeaux.

A boa notícia é que nenhuma videira queimou, e a fumaça parece estar soprando para longe dos vinhedos, segundo Cecile Ha, da CIVB, a associação do comércio de vinho. Ainda assim, a previsão do tempo é de temperaturas muito altas nos próximos dias.

Uma solução para o calor excessivo pode ser a agroflorestação. O pioneiro de Bordeaux Château Haut-Bages Liberal em Pauillac plantou árvores nos vinhedos para fazer sombra, resfriar o ar e criar umidade, convencido de que isso ajuda suas videiras a lidar melhor com o calor e o estresse.

Portugal e Espanha

“Infelizmente, os incêndios são uma ameaça para todas as regiões de Portugal”, explica Frederico Falcao, presidente da ViniPortugal. Nenhum vinhedo queimado foi oficialmente relatado, embora o site da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) tenha registrado dezenas de incêndios ativos durante os últimos 10 dias.

No Vale do Douro, famoso pelo porto, o calor tem sido brutal, com temperaturas atingindo 47°C, as mais quentes desde 1941. A maior parte do país está passando por uma seca severa.

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Rob Symington, cuja família tem 27 vinhedos e oito vinícolas no Vale do Douro e em Alentejo, diz que o fogo não tem sido um problema, mas o calor está reduzindo o tamanho da safra. “As próximas quatro a seis semanas, até a colheita, serão cruciais”, acrescenta ele. “Se as temperaturas diminuírem ligeiramente e houver um pouco de chuva, a colheita poderá ser positiva”.

Os mapas meteorológicos atuais da Espanha estão completamente vermelhos, indicando temperaturas extremas em todos os lugares. Incêndios arderam em regiões como Castilla y Leon, cujos destaques são os vinhos Vega Sicilia e Pingus, e na Andaluzia, conhecida pelo xerez.

Embora não haja incêndios em Rias Baixas, eles ocorrem em outros lugares da Galícia, no noroeste do país, onde o fogo queimou parte de um vinhedo em Virgen del Galir, propriedade que agora faz parte do portfólio da CVNE. O CEO Victor Urrutia enviou por e-mail uma fotografia que mostrava árvores enegrecidas ao redor das videiras, como sentinelas alertando sobre a mudança climática.

Focos de incêndio na Catalunha, no nordeste da Espanha, estão atualmente sob controle; a vinícola Torres informa que nenhum incêndio se aproximou de seus vinhedos no local ou em outras partes do país. O CEO Miguel A. Torres diz: “As ondas de calor estão piorando... antes duravam dois ou três dias, agora são de sete a dez. Em algumas propriedades, a irrigação por gotejamento acaba sendo fundamental”.

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E na Itália?

No início do mês, o governo italiano declarou uma grave emergência de seca em várias regiões do norte, incluindo Piemonte, famosa pelo vinho Barolo, e Friuli, no extremo nordeste. Os principais dados são 50% menos chuva do que o normal e três vezes mais incêndios que em um ano médio, segundo Bill Terlato, CEO do Terlato Wine Group, proprietário de uma propriedade vitivinícola em Colli Orientali Friuli. Ele se sente um pouco seguro, pois os incêndios estão ocorrendo ao sul e ao oeste, e seus vinhedos ficam em áreas mais altas e frescas. Essas regiões podem ser as de maior sucesso este ano.

O calor está afetando o sul da Itália, onde Antonio Capaldo, presidente da Feudi di San Gregorio na Campania, estima que a queda nos rendimentos será de 25%.

Mas não se preocupe muito com os principais proseccos. A seca está afetando apenas os vinhedos mais jovens, segundo Silvio Franco, da Nino Franco, e essas uvas não são utilizadas nos melhores vinhos.

Calor nem sempre causa desastres

O aumento das temperaturas em Londres tomou as manchetes, mas os produtores de vinho na Inglaterra não estão preocupados. Brad Greatrix, da produtora de espumantes Nyetimber, cujos vinhedos se estendem por Sussex, Kent e Hampshire, diz que o calor veio em um bom momento, quando as videiras não são tão suscetíveis aos efeitos. Segundo ele, “estamos no início do clima ideal de maturação do vinho espumante”. Ele está mais preocupado com a falta de chuvas, que pode acabar afetando a qualidade e a quantidade.

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Em Chapel Down, em Kent, outra propriedade de vinhos espumantes, as uvas estão cerca de uma semana e meia à frente de onde estariam em uma estação média. O enólogo chefe Josh Donaghay-Spire espera uma colheita mais precoce e um estilo mais maduro de vinhos – o tipo que outrora teria sido impossível de alcançar na Inglaterra.

No momento, ninguém quer prever como o clima extremo afetará os vinhos. As produtoras são otimistas por natureza e sempre esperam que o clima vai melhorar repentinamente. Ainda assim, cada vez mais se reconhece que cada ano traz desafios maiores. “Há um limite no que nossos vinhedos conseguem suportar”, diz a pioneira em sustentabilidade Torres, da Espanha, pedindo a todos que “por favor, migremos dos combustíveis fósseis para energias renováveis e mudemos nosso estilo de vida”. Assim, o vinho terá um futuro mais promissor.

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