Quem é a 123milhas e o que está por trás da maior agência de viagem online do Brasil

Plataforma de compra de bilhete emitido por milhas ganha participação de mercado em meio a queixas de consumidores

A busca por passagens aéreas mais baratas favorece o crescimento de plataformas que vendem bilhetes emitidos por milhas, como a 123milhas e MaxMilhas
30 de Março, 2022 | 11:24 AM

Bloomberg Línea — A 123milhas é uma plataforma online que disponibiliza passagens aéreas nacionais e internacionais, que podem ser emitidas por milhas. Em pouco tempo, ela se transformou na maior agência online de venda de passagem aérea do país, segundo relatórios de empresas de monitoramento de tráfego da internet. Enquanto ganha participação no disputado mercado das OTAs (Online Travel Agency), a empresa também vira alvo de queixas crescentes dos consumidores. No site Reclame Aqui, falta de pagamento de reembolso e ausência de assistência ao consumidor estão entre os principais assuntos postados pelos clientes insatisfeitos.

A subida da 123milhas no ranking do segmento de tecnologia de viagens ocorre após seu investimento pesado em publicidade nos últimos anos. Nos aeroportos do país, os passageiros encontram pôsteres com os garotos-propaganda da plataforma, os cantores de música sertaneja Zezé di Camargo e Sorocaba, além do apresentador Bruno de Luca, do programa de viagens “Vai pra onde?”, do canal Multishow. A mídia externa é vista principalmente nas pontes telescópicas dos aeroportos, também chamadas de fingers (túnel que liga a porta da aeronave ao corredor do aeroporto).

Fundada em Belo Horizonte em 2017, a 123milhas é considerada no mercado de startups uma “copycat”, empresa que clona modelo de negócio e funcionalidades desenvolvidas por outras. No caso, o negócio de compra de pontos nos programas de fidelidade de empresas aéreas para comercializar passagens com preços menores.

“Essas empresas nasceram como elo entre aqueles que queriam vender milhas aéreas com quem procurava passagens aéreas. Por muito tempo cresceram e aproveitaram as oportunidades que este segmento oferecia, inclusive o desconto em preço para o passageiro. Recentemente, com algumas mudanças que aconteceram nas regras dos programas de fidelidade e para ampliar as oportunidades de ganho, também passaram a atuar como agências de viagem online, oferecendo outros serviços e produtos”, diz o sócio do Passageiro de Primeira, principal portal brasileiro sobre programas de fidelização, Alexandre Zylberstajn.

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Ele conta que acumular milhas pode ser uma estratégia para quem deseja gerar renda extra. “É possível transformar as milhas em dinheiro de diversas formas. De maneira simplificada, podemos dizer que milhas são um tipo de moeda e que podem ser trocados por produtos e serviços. Funciona assim: o usuário recebe as milhas dos programas de fidelidade e consegue repassá-las a terceiros comercializando como passagens aéreas, produtos ou até mesmo em dinheiro na conta, sem intermediários, direto dos programas de fidelidade. O simples fato de converter suas milhas em dinheiro, para alguns, já é considerado como renda extra, mas não é só isso”, explica Zylberstajn.

O sócio do Passageiro de Primeira acrescenta que o segmento como um todo oferece oportunidades de ganho através de arbitragem para quem esta disposto a investir dinheiro do bolso. “Essa é uma profissão moderna e que ganhou força nos últimos anos. Os comerciantes de milhas, traders ou ‘milheiros’ trabalham vendendo milhas ou intermediando sua venda. É importante ressaltar que a venda de milhas é coibida pela maioria dos programas”, observa.

A liderança na comercialização de bilhetes pela internet colocou a 123milhas na lista dos principais grupos do turismo nacional. Em 2021, ela apareceu em terceiro lugar no ranking de maior tráfego de internet na categoria turismo, respondendo por uma participação de 11,9%, atrás de Hurb (20,1%) e Booking (15,6%), segundo o relatório da Conversion, intitulado “Relatório Setores E-commerce no Brasil”. Hurb e Booking não vendem passagens.

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No começo de 2022, a situação de estar entre os cinco maiores desse mercado se mantém. No levantamento da Similarweb, referente a janeiro deste ano, a 123milhas aparece como o terceiro site mais acessado do setor de viagens do Brasil, respondendo por 7,48% do tráfego total em janeiro, atrás de Hurb (9,48%) e Booking (9,24%). Ocupando o primeiro lugar em passagens aéreas, se posicionando à frente do site da Gol (3.54%) e da, também OTA, Decolar (3.41%).

Reembolsos

Por outro lado, a empresa tinha 76.081 queixas registradas no Reclame Aqui entre 25 de março de 2019 ao último dia 24 de março. Desse total, 26.341 relatos de problemas foram postados nos últimos seis meses e 44.004 no período de um ano. O site informa que a companhia respondeu 94,1% das reclamações, 69,9% dizem que voltaram a fazer negócio com a plataforma, cujo índice de solução está em 88,2%, com a nota média do consumidor de 6,87.

As últimas queixas contra a empresa postadas na última semana, ainda sem resposta no Reclame Aqui, indicam um descontentamento com a política de cancelamentos de pedidos durante o período crítico da pandemia da covid, algo que afetou o setor como um todo, globalmente. Há também reclamações com a forma como a 123milhas apresenta seus produtos na plataforma.

Veja mais: Turismo amplia demanda por teleféricos com retomada pós-pandemia

Um exemplo é um cliente que se queixa de propaganda enganosa. “Fiz reserva de dois quartos no hotel Transoceânico em Porto Seguro, onde o anúncio dizia ‘Quarto luxo’. A descrição dizia que no quarto havia jacuzzi, chegando ao hotel para fazer o check in fui informado que não tinha (...) estou há mais de uma hora em contato com a 123milhas e não me dão nenhum feedback”, postou um consumidor de Santa Cruz do Rio Pardo (interior de São Paulo) no último dia 23 de março.

A demora no pagamento de reembolsos é outra dor de cabeça comum nos relatos dos consumidores. “Comprei passagens de ida e volta para duas pessoas dia 13 de março de 2021. Devido à pandemia, tive que cancelar o pedido. Na política da empresa descrita no site daquela época, dizia que a 123milhas teria até 12 meses para efetuar o pagamento contando a partir da data de embarque, que no caso seria dia 29/03/2021. Meu pedido de reembolso foi aprovado, no entanto, o prazo de 12 meses já vai vencer e até agora nada!”, diz um cliente da cidade paulista de Araçatuba, no dia 25.

Origem familiar

A origem da 123milhas tem ligação com um dos principais produtos exportados por Minas Gerais: o café. A família dos irmãos Augusto e Ramiro Madureira tinha fazendas de café e apoiou a empreitada dos dois e outros parentes no segmento de turismo.

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O início do negócio coincide com o crescimento de redes sociais como Twitter e Facebook, quando usuários passaram a oferecer suas milhas para venda na internet. Eles começaram a visitar a agências de viagens da capital mineira oferecendo uma tabela de preços para a venda de milhas.

Segundo uma fonte próxima à MaxMilhas, que pediu anonimato, pois suas informações não são públicas, a 123milhas seria uma “copycat” da MaxMilhas, uma plataforma também surgida na capital mineira que começou bem antes, em 2013, comprando milhas de usuários para vender passagens mais baratas.

O incentivo à venda de milhas pelos consumidores ainda é um assunto polêmico. Uma fonte do setor diz que as regras dos programas de milhagem, como o Smiles, da Gol, e o TudoAzul, da Azul, proíbem esse tipo de negócio, mas as companhias aéreas se beneficiam desse mercado, pois essas plataformas ajudam a vender passagens.

Outro lado

“A 123milhas passa por processos de reestruturação interna e gerencial”, respondeu a plataforma a um pedido de comentários da Bloomberg Línea sobre sua situação, evitando dar mais detalhes e conceder entrevista.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.