Grifes internacionais como H&M procuram ‘couro sustentável’ no Brasil

Empresas como a sueca H&M Group criaram modelo de compra para tentar minimizar relação com desmatamento, trabalho escravo e outros problemas

Grifes buscam se afastar de irregularidades ambientais e buscam formas de comprar couro "limpo" do Brasil
23 de Março, 2022 | 03:24 PM

Bloomberg Línea — Desde 2008, quando o Greenpeace divulgou seu relatório intitulado “A farra do boi na Amazônia”, em que ligava o desmatamento na região com a produção de carne e couro, chegando até aos produtos produzidos por Adidas, BMW, Honda, Gucci, Nike, Toyota, entre outras, que as grandes grifes tentam se desassociar da fama de compradores de couro proveniente de áreas desmatadas. Uma série de iniciativas foram colocadas em prática, mas nunca se conseguiu uma garantia efetiva que a matéria-prima não estaria relacionada com problemas ambientais ou trabalhistas em sua origem, ou seja, nas fazendas.

Agora, uma nova tentativa chega ao mercado, com uma lógica um pouco diferente e envolvendo os dois principais elos da cadeia: o pecuarista e a fabricante de roupas e bolsas, por exemplo. A ideia é criar créditos de sustentabilidade para a cadeia do couro, levando em conta não apenas o aspecto individual de cada animal, mas o tempo que ele fica em cada propriedade avaliada e certificada. Com a compra desse crédito, as grifes conseguiriam ter um pouco mais de garantia que sua matéria-prima passou boa parte do tempo por fazendas sem restrições ambientais ou trabalhistas.

Há três anos, indústria da moda começou a ser pressionada com mais força por consumidores e entidades ambientalistas em defesa do bem-estar animal e da preservação ambientaldfd

O projeto piloto envolve cinco propriedades do Brasil, já verificadas pela Produzindo Certo, responsável por levar assistência técnica aos pecuaristas e assegurar a acurácia dos dados fornecidos pelos produtores. De posse dos documentos e das vistorias realizadas, a empresa encaminha os dados para a Leather Impact Accelerator (LIA), braço da indústria de couro da Textile Exchange, entidade que reúne as principais empresas do setor têxtil do mundo, para a emissão dos créditos.

A principal dificuldade na maioria das propostas era a complexidade e o custo de se fazer a certificação de ponta a ponta em um produto cujo processo começa com o nascimento de um bezerro em uma fazenda muitas vezes remota, passa por outras propriedades e um frigorífico, além de várias etapas de processamento do couro, que podem ocorrer em diferentes países. “A rastreabilidade sempre se perdia em algum ponto desse caminho. O que preocupa as marcas é o que se passa no campo: desmatamento e bem-estar animal. Os consumidores pressionam para que o fornecimento das marcas não seja vinculado ao desmatamento”, diz Josefina Eisele, responsável local e pelo trabalho com os produtores na Textile Exchange e na LIA.

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Na prática, um crédito é emitido em nome do pecuarista para cada animal que permanecer por pelo menos 12 meses dentro de uma fazenda que faça parte do programa. Na hipótese do animal permanecer apenas seis meses, ele terá direito a apenas meio crédito por aquele animal. Para um lote de 100 animais que permaneceu por seis meses em uma fazenda certificada pela Produzindo Certo, por exemplo, o pecuarista terá o direito a 50 créditos. Considerando que cada cabeça de gado no Brasil vive em média 36 meses até ser abatida, cada animal tem o potencial de gerar três créditos, desde que ao longo de sua vida ele permaneça apenas nas fazendas certificadas.

“O produtor é o principal responsável pela geração do couro e mesmo tendo essa importância era o que menos recebia nos modelos desenvolvidos até agora. Com isso, está sendo desenvolvida uma plataforma para comercialização desses créditos, que, nesse primeiro momento, já tem a garantia de compra da H&M, mas a ideia é que seja aberto para qualquer pessoa ou empresa”, afirma Charton Locks, diretor de Operações da Produzindo Certo.

Segundo o executivo, as fazendas selecionadas para fazer parte do projeto piloto, que terá uma duração de três anos, estão localizadas no Cerrado e na Amazônia e devem fornecer ao programa cerca de 25 mil cabeças. Esses animais terão o potencial de gerar até 25 mil créditos, que serão comercializados por um valor ainda não definido, mas que ficará entre US$ 0,50 e US$ 1,00 cada. A primeira distribuição de créditos será feita em abril.

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Alexandre Inacio

Jornalista brasileiro, com mais de 20 anos de carreira, editor da Bloomberg Línea. Com passagens pela Gazeta Mercantil, Broadcast (Agência Estado) e Valor Econômico, também atuou como chefe de comunicação de multinacionais, órgãos públicos e como consultor de inteligência de mercado de commodities.