O controle do risco não pode excluir a incerteza
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Bloomberg Opinion — Estes são tempos incertos, mas nunca vivemos com menos risco. Isso pode parecer loucura em um momento em que estamos saindo de uma pandemia que interrompeu nossas vidas de inúmeras maneiras - e agora podemos estar à beira da Terceira Guerra Mundial. Contudo há uma grande diferença entre risco e incerteza, e cada um dos conceitos requer diferentes estratégias de enfrentamento. O risco pode ser gerenciado com seguro ou cobertura; a incerteza exige flexibilidade.

É importante ter isso em mente ao tomar grandes decisões na vida, como comprar uma casa, mudar de emprego, ter um bebê, se aposentar ou até mesmo ajustar seu portfólio.

O risco inclui coisas que podemos mensurar e prever, a incerteza surge das coisas que nos pegam de surpresa. A sociedade tornou-se muito hábil em medir e gerenciar riscos com a ajuda de dados e tecnologia. Vemos isso no mercado de ações, no mercado imobiliário e até em nossa cultura, onde os dados podem aumentar as chances de assistirmos a um filme no Netflix ou ouvirmos uma música no Spotify. Quando se trata de coisas que podemos medir, muito menos é deixado ao acaso. E se não conseguirmos eliminar o risco, podemos fazer um seguro contra ele: usar opções de ações como seguro contra a queda do preço das ações, por exemplo.

Desde a década de 1970, temos mais maneiras do que nunca de gerenciar ou eliminar riscos nos mercados, na economia e em muitos aspectos de nossas vidas diárias. A recompensa disso até aqui foram mercados em expansão, inflação baixa (até recentemente) e salários e empregos estáveis. Então, ficamos chocados quando somos atingidos por algo que não esperávamos – como pandemias e guerras que causam uma grande turbulência.

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Durante a maior parte da história humana, as pessoas viveram com incertezas e riscos que não podiam administrar. Guerras violentas e surtos de doenças mortais faziam parte da vida. Isso mudou no século XX, quando o governo assumiu uma parcela maior do nosso risco; os programas de bem-estar social amenizaram as dificuldades, os países passaram a cooperar por meio de organizações internacionais e mais comércio, e a tecnologia nos deu mais ferramentas para nos proteger contra riscos. Na década de 1970, a palavra risco passou a ser associada a algo que você poderia gerenciar ou evitar.

Mas os últimos dois anos podem marcar uma nova era. Ainda podemos gerenciar riscos e ter ferramentas melhores para isso, mas na nova ordem mundial trata-se de gerenciar a incerteza — uma proposta muito mais difícil. Você não pode se planejar para o imprevisível.

Ainda é possível gerenciar os riscos que surgem de tempos incertos, mas isso exige uma estratégia diferente – é preciso resiliência. Governos e bancos centrais tiveram a flexibilidade que tornou a pandemia menos ruim do que poderia ter sido. Eles tinham espaço fiscal e credibilidade para injetar muito dinheiro na pandemia com benefícios de desemprego aprimorados, cheques de estímulo e compras substanciais de dívidas. A tecnologia de mRNA é extremamente flexível e os cientistas a usaram para desenvolver uma vacina em tempo recorde.

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Agora, a invasão russa da Ucrânia representa uma nova fonte de incerteza: economia de Guerra Fria, armas nucleares, escassez de alimentos, ataques cibernéticos, a reação da China a tudo – tudo é impossível de prever. Temos ferramentas de gestão de risco na política fiscal e na reengenharia de mercados globais, como a energia, e isso ajudará a tornar a crise menos arriscada. Todavia, como os últimos dois anos mostraram, o controle do risco não pode excluir a incerteza. E as pessoas devem encontrar uma maneira de gerenciar suas próprias vidas.

Nosso primeiro instinto diante de mais incertezas é evitar tomar decisões significativas, acumular dinheiro, não se mudar, esperar a aposentadoria e evitar novas dívidas. Mas a incerteza aumentada pode durar muito tempo e não se pode simplesmente deixar a vida em modo de espera. Dinheiro vivo costuma ser atraente quando os tempos são incertos, mas com a inflação de hoje, também não é uma estratégia segura. Ainda precisamos investir em ativos de risco e, se você adiar o plano de comprar uma casa, ter um bebê ou mudar de emprego, poderá ter de esperar por muito tempo.

Portanto, para gerenciar a incerteza, a melhor coisa que se pode fazer é promover a resiliência, não assumindo riscos excessivos e trazer a flexibilidade para sua vida. Invista em ações, mas evite ativos ilíquidos ou excessivamente voláteis. Se você está pensando em se aposentar, não precisa esperar, basta manter suas opções em aberto para um possível retorno ao mercado de trabalho, em meio período.

O mesmo princípio se aplica se você estiver pensando em comprar uma casa ou mudar de emprego. Em vez de escolher a opção mais luxuosa em um bairro em ascensão, compre uma casa menor em um bairro melhor que você sabe que pode revender facilmente se o mercado imobiliário azedar. É possível se planejar para ter um emprego de meio período caso você decida voltar para a faculdade, ou uma renda suplementar, se você aceitar um emprego menos estável. Ou ainda, quando se trata de risco cibernético, guarde cópias em papel de seus extratos bancários e verifique se o backup do seu computador está na nuvem ou em um HD externo.

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Durante este último meio século tivemos a sorte de viver em um mundo com muito pouco risco na maior parte do tempo. Mas isso também nos tornou mais vulneráveis de outras maneiras. Desconsideramos o inesperado porque raramente experimentamos os custos de impactos ruins. As empresas mantêm menos estoques quando não se preocupam com a interrupção das cadeias de suprimentos globais; assumimos mais dívidas se não esperamos perder nossos empregos ou podemos reservar uma viagem não reembolsável quando não conseguimos imaginar uma pandemia interrompendo nossos planos.

Os últimos dois anos nos lembraram que não importa o quanto minimizamos os riscos, não podemos planejar tudo. Devemos construir mais opções em nossas vidas para que nos sintamos menos desamparados quando algo grande der errado.

Allison Schrager é colunista da Bloomberg Opinion. É pesquisadora sênior do Manhattan Institute e autora de An Economist Walks Into a Brothel: And Other Unexpected Places to Understand Risk.

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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.

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