Bancos centrais da América Latina seguem mais agressivos que o Fed

Veja como diferem as abordagens do Banco Central do Brasil e do Fed quanto ao aumento de taxas e inflação

Inflação em 12 meses no Brasil subiu de 4% para 10,5%
Por Maria Eloisa Capurro e Simone Iglesias
15 de Março, 2022 | 04:32 PM

Bloomberg — Em se tratando de inflação, as maiores economias da América do Norte e do Sul parecem estar no mesmo nível. Em se tratando das taxas de juros, parecem estar em planetas diferentes.

O Banco Central do Brasil deve subir a taxa Selic em 1,00 ponto percentual, levando-a para 11,75% nesta quarta-feira (16), fazendo com que os saltos somados ao longo do último ano cheguem a 9,75 pontos percentuais. No mesmo dia, o Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos – que manteve o juro básico próximo de 0% desde a chegada da Covid-19 – deve anunciar um aumento de 0,25 ponto percentual.

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Comparação entre inflação e taxa de juros no Brasil e nos EUA

Os números refletem a diferença nas abordagens contra a inflação pandêmica na América Latina e nos EUA.

Em São Paulo, o mercado entende que a elevação do preço do petróleo significa inflação mais alta, então intensificou as apostas em aumentos de juros mais agressivos. Economistas agora esperam que o Banco Central vá mais longe no ciclo de aperto do que há um mês, antes de a Rússia atacar a Ucrânia.

O que diz a Bloomberg Economics

“O Banco Central tem obstáculos importantes a serem superados. A alta dos preços do petróleo levou a Petrobras a anunciar aumentos de dois dígitos nos preços de gasolina, diesel e gás de cozinha. Isso levou o governo a anunciar medidas para mitigar essas pressões, mas a um custo fiscal significativo. Isso se soma à inflação alta e disseminada e a expectativas de inflação desancoradas e crescentes.”

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-- Adriana Dupita, economista da Bloomberg Economics para a América Latina

As expectativas de inflação também subiram nos EUA desde o início da guerra – mas por lá, a reação inicial do mercado foi bem diferente. Os investidores deram um passo adiante, raciocinando que a inflação mais alta vai prejudicar o consumo e frear o crescimento econômico. Então, as apostas em acréscimos de juros pelo Fed foram reduzidas.

Oscilação do petróleo

O quadro ficou mais nebuloso desde então. As expectativas de elevação de juros pelo Fed voltaram para onde estavam há um mês. A cotação do petróleo despencou em relação ao pico atingido logo após a invasão – em parte devido às novas medidas de lockdown contra a disseminação da covid na China, que implicam riscos para a demanda e para as cadeias de suprimentos globais.

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Nos EUA, os títulos desabaram na segunda-feira (14) devido à combinação de pressões inflacionárias crescentes e aperto monetário iminente. No Brasil, as expectativas para a inflação no fim do ano subiram 0,80 ponto percentual e as estimativas para a Selic avançaram em 0,50 ponto na pesquisa Focus realizada pelo BC na última semana.

No Brasil, operadores apostaram na alta das taxas, diferente dos EUA

Há muitos motivos para que as autoridades da América Latina — onde o aperto monetário está em andamento desde meados de 2021 – respondam de maneira diferente das autoridades dos EUA a um choque de preços.

No Brasil, considerado um mercado emergente volátil, a hiperinflação é memória recente. Há também riscos de fuga de capitais e de colapso do real. As autoridades tendem a agir diante do primeiro sinal de aumento dos preços, mesmo que isso signifique desaceleração da economia. No ano passado, o país entrou na segunda recessão do período de pandemia.

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Nos EUA, uma economia desenvolvida e estável, a preocupação na última década foi a oposta, de que a inflação poderia estar baixa demais.

Motivo para temer?

Ainda assim, o aumento dos juros ocorre em um momento em que os problemas de inflação são bastante parecidos. A inflação em 12 meses no Brasil subiu de 4% no início da pandemia para 10,5%. Nos EUA, saltou de 2,3% para 7,9%. E as causas do aumento de preços são semelhantes.

É possível que cada país tenha escolhido o caminho certo para seu contexto – e que tenha lições a ensinar ao outro.

Henrique Meirelles, que ocupou a presidência do BC pelo período mais longo da história recente, acha que o Fed acabará se movimentando pelo menos um pouco na direção da decisão adotada pelo Brasil.

“O Fed poderia subir juros mais fortemente”, disse Meirelles, que elevou a Selic para 26,5% logo após assumir o cargo em 2003 como forma de conter a inflação, tendo espaço alguns anos depois para reduzir os juros para os menores níveis já vistos.

“Não há razão para o Fed temer desaquecer a economia”, disse ele. “Estamos falando de aumento da inflação clássico, que é um aumento de inflação por excesso de demanda, isenção fiscal, etc, e tudo isso que está acontecendo na economia americana e que a maneira de combater isso é de fato esfriando um pouco a economia e aumentando juros.”

Mas em uma economia global atingida por um choque após o outro, José de Gregorio, que comandou o Banco Central do Chile durante a crise financeira de 2008, vê mérito na abordagem de reagir às informações que vão chegando.

“A América Latina não pode parar o aperto”, disse ele. “Mas a resposta adequada aos níveis atuais de incerteza global seria esperar.”

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