Ainda teremos IPOs de empresas da América Latina nos EUA este ano?

Analistas ouvidos pela Bloomberg Línea acreditam que empresas de tecnologia podem ser desvalorizadas se abrirem capital durante o “Bear Market”

Brasilia
Por Bloomberg Línea
04 de Fevereiro, 2022 | 05:58 PM

A empresa de pagamentos brasileira EBANX, que já tinha começado o processo de abrir capital, resolveu postergar seu IPO nos Estados Unidos, conforme reportou a Bloomberg. A fintech disse que “segue atenta ao melhor momento de mercado para uma eventual abertura de capital”.

O movimento vem em uma janela difícil para ofertas iniciais de empresas de tecnologia, já que o mercado tem reduzido o valor presente da empresa pela tendência de queda da rentabilidade no futuro. Soma-se a isso a instabilidade política no Brasil por conta das eleições deste ano.

Mas uma janela difícil não é um problema só de hoje. Desde o ano passado, os investidores adotaram uma visão menos otimista para os papéis de fintechs. Preocupado com a avaliação, o PicPay, que faria sua estreia na bolsa em 2021, também adiou o sino de Nova York. Mesmo o Nubank, que abriu capital há 56 dias como a instituição financeira mais valiosa da América Latina, já perdeu mais de 30% do seu valor desde o IPO, ainda que seja usual que as empresas desvalorizem depois do primeiro dia na bolsa.

A dLocal, fintech uruguaia que abriu capital em junho do ano passado a uma avaliação de US$ 9 bilhões, em fevereiro, tinha um market cap de US$ 8,37 bilhões. A VTEX, empresa de tecnologia brasileira que estreou na NYSE a uma avaliação de US$ 3,6 bilhões, também patinou. Neste mês a empresa vale US$ 1,46 bilhão, segundo o indicador Companies Market Cap.

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Para Fabrício Winter, sócio da Boanerges&Cia, consultoria especializada em serviços financeiros, “o mercado está passando por um grande ajuste”. Ele explica que o cenário de crise econômica reduz o valor das ações, principalmente das empresas que contam com o “risco Brasil”.

“Estamos entrando em um ano político, o que acaba gerando mais insegurança, e os investidores acabam saindo com maior facilidade desses negócios”, disse Winter. Mesmo assim, o analista acredita que o mercado já está precificado no pior cenário e que esses elementos fazem com que “muita empresa boa seja colocada no mesmo pacote de empresas que de fato estão dando sinais de problemas no modelo de negócio”.

Isso poderia prejudicar o IPO de unicórnios brasileiros candidatos a abrir capital este ano como a Creditas e o QuintoAndar, por exemplo. “Pode ser que tenhamos empresas abrindo capital esse ano, mas por conta do cenário econômico, pode ser que elas sejam subavaliadas, mesmo que sejam empresas rentáveis. Precisamos olhar o que essas empresas são hoje e o futuro dessas empresas, já que o mercado trabalha nesse processo de avaliação com expectativas de ganhos futuros”.

Melhor para quem pode se segurar no mercado privado

O EBANX disse que cresceu mais de 110% em volume de pagamentos processados em 2021. No ano passado, a empresa recebeu um aporte de US$430 milhões da Advent International.

Paulo Passoni, um dos sócios do SoftBank na América Latina, recentemente publicou no LinkedIn que o “mercado do urso” deste ano é semelhante ao dos anos 2000, levado pela política monetária dos Estados Unidos.

Segundo ele, os investidores precisam ter paciência, já que os ativos podem ficar muito mais baratos. “Em 2000 e 2008 a crise no mercado de capitais durou cerca de um ano. Como o mundo está se movendo mais rápido, talvez dure menos”, escreveu.

Passoni aconselha aos fundadores que “não é hora de levantar capital [em bolsa] a menos que seja necessário ou que a empresa tenha números incríveis”. Carlos Naupari, co-fundador da VELVT, startup que promete liquidez para startups, complementa que “o mercado privado levanta duas vezes mais capital do que o mercado público, mas é 330 vezes menos líquido”.

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“Estamos em um momento de turbulência no mercado global. É um momento de incerteza e depois que a empresa faz o IPO é um outro tipo de mercado com uma régua diferente do mercado privado”, disse Naupari.

Outro analista ouvido pela Bloomberg Línea, que preferiu não se identificar, disse que a expectativa da alta da taxa de juros dos Estados Unidos impacta essas empresas que têm uma parcela do seu valor atrelada a um valor futuro.

Ele explica que as taxas de juros mais elevadas prejudicam as empresas que ainda estão crescendo e que não necessariamente geram caixa, mas sim expectativa.

Rodadas privadas podem ser uma opção para substituir o IPO para as empresas que precisam de dinheiro, mas, para o analista, as empresas com grande qualidade continuarão tendo acesso ao mercado de capitais, independentemente do panorama eleitoral brasileiro. “Uma empresa que mostra que consegue um crescimento exponencial independentemente do ciclo econômico e político, fruto do produto, serviço e mercado endereçável, conseguirá”, disse. O maior desafio, segundo ele, é para empresas que não são tão grandes.

O problema são os juros

O sócio da BR Finance Osias Brito explica que como os juros são os grandes niveladores de preço da economia mundial, quando eles aumentam, os investidores costumeiramente tiram os recursos da renda variável e os alocam em renda fixa. O investidor de renda variável, que investe no IPO, por exemplo, busca um retorno maior. Mas com uma renda fixa atrelada à taxa básica de juros de 10,75%, há uma concorrência com o mercado de capitais, em que os ativos têm maior risco.

Isso impacta as empresas que têm sua estrutura em bolsa e que captam recursos do mercado, já que esse dinheiro virá a um custo maior e com maior seleção. “O nome do jogo para quem vai abrir capital é crescimento. Se a empresa tem um crescimento relevante, ela ainda tem espaço para abrir capital”, disse Brito.

Como a maioria das empresas de tecnologia operam com fluxo de caixa negativo, o valor delas está na perpetuidade da tecnologia. “Com o aumento rápido da taxa de juros, você tem um aumento do custo de capital. O custo de capital é um deflator para trazer fluxos futuros para o presente. Para a maioria das empresas, isso representa de 20% a 30% na redução do preço dela”.

Ou seja, o desconto no valor da empresa é maior porque a capacidade de gerar resultado futuro está menor. “Com a alta de juros, a empresa de tecnologia não tem capital suficiente para dar vazão ao crescimento acelerado. O crescimento que essas empresas de tecnologia prometeram quando abriram capital é comprometido se essa empresa não fizer uma nova captação de dinheiro. Por isso, os analistas trazem o valor presente para essa empresa, o que automaticamente reduz a capacidade de crescimento”.

Se a empresa cresce muito, em um mercado com juros altos, custa muito mais para ela continuar crescendo, segundo Brito. Reduzir a velocidade do crescimento é a estratégia dos analistas neste caso, mas o aumento no custo para trazer a valor presente explica o motivo das recentes quedas do valor de mercado do Facebook, do Nubank e da Netflix, por exemplo.

“Não é porque o Nubank é bom ou ruim. É porque a capacidade de ele entregar a velocidade que ele prometeu está comprometida por um recurso que ficou mais caro. É preciso modular a velocidade, e quando você reduz a velocidade o seu valor econômico reduz”.

Mas quem sobrevive ao Bear Market? Para Brito, quem tem uma rentabilidade muito alta está “protegido”, como empresas que servem as classes mais altas, que não precisam de crédito para consumir, por exemplo. “É por isso que em crise a Louis Vuitton não cai. As Ferraris ainda são vendidas. Porque esse público se autofinancia”.

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