Por que o lucro do Santander Brasil em 2022 depende dos cartões Amex?

Depois do Bradesco, banco espanhol aposta em bandeira da American Express; cartões impulsionaram lucro no Brasil em 2021

Santander Brasil evita tom alarmista sobre avaliação de riscos políticos no Brasil com disputa presidencial e adota discurso otimista com potencial da economia do país
02 de Fevereiro, 2022 | 04:22 PM

Não é só a cor vermelha de sua identidade visual que o Santander (SANB11) tem em comum com o Bradesco (BBDC4). No Brasil, os dois bancos agora são emissores do cartão verde da American Express, um clássico do crédito mundial. O Bradesco foi o primeiro. O banco espanhol aposta nesse produto para fisgar o cliente de alta renda e impulsionar seu lucro em 2022, driblando o pessimismo com a economia brasileira em ano de disputa presidencial e de juros básicos de dois dígitos. Não chega a ser uma ideia nova: em tempos de menor poder de compra, inflação e inadimplência em alta, o brasileiro costuma usar mais o cartão, que cobra taxas maiores do que outras opções de crédito, uma mina de ouro para o setor financeiro.

Em 2021, a operação brasileira do Santander lucrou R$ 16,347 bilhões, alta de 7% na comparação anual (em 2021, o lucro somou R$ 15,271 bilhões). Só as comissões obtidas com a emissão de cartões alcançaram R$ 4,981 bilhões, um aumento de 30% em relação ao ano anterior. Apenas a administração de fundos e consórcios registrou uma taxa maior de crescimento (31,5%), mas com uma menor de participação (R$ 1,338 bilhão) no volume total das comissões (R$ 18,879 bilhões).

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Ao comentar com jornalistas o resultado financeiro de 2021, na manhã desta quarta-feira (2), Sergio Rial, que se despediu do cargo de CEO, assumido por Mario Leão no começo do ano, enfatizou um tom de surpresa com o tamanho do desempenho positivo dos cartões para o resultado anual e disse que o foco do banco é mirar o potencial do produto como uso para capital de giro por pequenas e médias empresas. “Os cartões são um dos maiores motores comerciais do Santander no Brasil”, disse o executivo, em referência à bandeira própria SX.

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Desde o dia 12 de janeiro, o Santander Brasil se tornou o segundo emissor dos cartões de crédito Amex, depois do Bradesco. “A parceria com a American Express é estratégica para ampliarmos nosso posicionamento e nosso portfólio de benefícios no mercado de alta renda, que busca e valoriza atendimento exclusivo”, disse Rogério Panca, diretor de cartões do Santander, em comunicado.

Concorrência

Instituições financeiras, como o BTG Pactual e a XP, possuem estratégias semelhantes a do Santander para atrair a clientela de maior renda: transformar o cartão em uma chave para acessar uma série de vantagens e descontos em sua jornada de compras. O banco espanhol informa que o grande diferencial é a oferta de benefícios amparados por dois programas de recompensas, o Esfera, do Santander, e o Membership Rewards, da American Express, oferecendo descontos na compra de produtos e serviços, possibilitando ainda experiências gastronômicas e de viagens.

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A XP também tem dado ênfase a sua linha de cartões. Ontem, a plataforma de serviços financeiros divulgou que os clientes do cartão XP passam a ter acessos gratuitos às salas vip disponíveis no programa Visa Airport Companion por meio do app da Visa, que inclui mais de 1.000 Salas VIP em 450 aeroportos de 140 países, além de descontos em restaurantes, lojas e serviços.

Já o BTG Pactual tem incentivado o uso do seu cartão até para pagar estacionamento. No mês passado, o banco anunciou parceria com a rede de estacionamentos Estapar, permitindo que os clientes do banco digital usem o cartão de crédito nos principais aeroportos do país que contem com um estacionamento da Estapar e recebam um percentual de cashback do valor pago. Se o cliente usar o cartão, garante 5% de cashback na fatura.

Agro

Além da aposta nos cartões da bandeira Amex, o Santander também pretende desbravar o interior do Brasil em busca de clientes, principalmente do agronegócio, um setor que ganha cada vez mais protagonismo no setor bancário brasileiro, diante das previsões de desempenho positivo para as commodities agrícolas. A carteira de agro do banco cresceu 10% no ano passado, totalizando R$ 25,9 bilhões.

Rial disse que o banco deve avançar na interiorização com abertura de agências físicas, um movimento contrário ao que tem ocorrido nas metrópoles, onde a digitalização dos serviços já conta com grande adesão dos correntistas e não há mais necessidade de uma mesma avenida, em uma cidade como São Paulo, abrigar mais de uma unidade do Santander, a cada esquina - outra característica que aproxima Santander de Bradesco.

O Santander Brasil terminou 2021 com 1.987 agências - um número inferior ao do final de 2020 (2.153), uma tendência observada pelo Banco Central em outros conglomerados bancários no país principalmente durante os anos da pandemia da covid, que afugentou muitos clientes dos locais físicos de atendimento, em favor do aplicativo, do site de internet banking e dos canais telefônicos.

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Houve mais fechamento de agências do Santander (166) do que de abertura (79) de novas unidades no ano passado, mas o banco faz a ressalva de que isso não significou redução de pessoal, pois foram feitas contratações para novas agências e outras áreas da instituição. O banco encerrou o ano passado com 48.834 funcionários, acima dos 44.599 do fim de 2020. O plano do Santander é abrir entre 70 e 100 novas agências por ano, ampliando seu alcance, já que tem presença em menos de 50% do total de municípios brasileiros.

Cenário macro

Durante a coletiva de imprensa, o ex-CEO do Santander contrariou a narrativa frequente de parte dos economistas de que 2022 será um ano negativo para o Brasil diante de incertezas como a alta dos juros nos EUA, a desaceleração da economia, os receios com a política econômica e fiscal do próximo presidente da República, com um candidato de esquerda liderando a corrida eleitoral. Os jornalistas tentaram extrair de Rial uma visão mais específica sobre os riscos políticos, mas o executivo evitou arriscar um prognóstico sobre a disputa e suas possíveis consequências econômicas, tratando essas especulações como exercício de “futurologia”.

“O Santander pode ainda crescer muito no Brasil”, disse Rial, citando oportunidades em setores como o de energias renováveis (como eólica e solar) e o comércio eletrônico, além do agronegócio.

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Sobre o apetite do investidor estrangeiro por ativos brasileiros em janeiro, quando houve um ingresso de mais de R$ 32 bilhões em capital externo na B3, o executivo disse que o Brasil está “extremamente barato” no exterior. Para ele, a janela de ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) pode ser reaberta ainda neste primeiro semestre e que, nessas operações, o setor de energia renovável tende a atrair fundos estrangeiros. No ano passado, o Santander participou de 28 ofertas, entre IPOs e “follow on” (ofertas subsequentes).

Repercussão

A divulgação do resultado financeiro do quarto trimestre do Santander levou analistas a destacar a evolução dos indicadores de inadimplência entre os clientes do banco espanhol no Brasil.

“Por um lado, destacamos a sólida margem com expansão de clientes com melhora positiva de mix, enquanto as despesas operacionais permaneceram relativamente sob controle. Por outro lado, o índice de inadimplência começou a se deteriorar, o que pode sugerir que a deterioração macro começou a impactar o banco, juntamente com um mix de empréstimos mais arriscado, enquanto o crescimento de despesas de provisão foi mitigado pelo consumo de reservas excedentes. A nosso ver, a reação do mercado aos resultados deve ser negativo”, escreveram os analistas Gustavo Schroden (Bradesco BBI) e Maria Clara Negrão (Ágora Investimentos), em nota enviada aos clientes.

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Por volta das 16h20, as units do Santander Brasil estavam em queda de 1,4% a R$ 32,28 na B3.

No quarto trimestre, o lucro líquido recorrente do Santander foi de R$ 3,9 bilhões, queda de 10,6% na variação trimestral e aumento de 0,1% na variação anual. O ROE (retorno sobre patrimônio líquido) foi de 20%, ante 22,4% no terceiro trimestre de 2021 e 20,4% no quatro trimestre de 2020.

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“Os principal destaques do trimestre foram a sólida margem com clientes (+2,6% na variação trimestral, +16,6% na variação anual), com sólida expansão do portfólio, principalmente em produtos mais rentáveis. Enquanto isso, os ganhos de tesouraria caíram significativamente no trimestre, devido a uma base de comparação mais dura em relação ao 3T21″, destacaram Schroden e Negrão.

Já o analista da Ativa Investimentos, Leo Monteiro, observou o maior faturamento do banco com cartões, mas citou também a alta do indicador de inadimplência. “O Santander Brasil apresentou um resultado trimestral abaixo das nossas expectativas em função da menor margem financeira bruta, que foi impactada pela queda na margem com o mercado, e por maiores despesas totais, principalmente na linha ‘outras despesas operacionais’. Ainda assim, destaca-se o crescimento da receita com cartões, os ganhos de eficiência no ano e o crescimento da carteira de crédito no período, que segue sendo impulsionada pelo segmento pessoa física. De negativo, destaca-se o crescimento do índice de inadimplência e a redução do índice de cobertura, que pode resultar em maiores despesas com provisão em 2022″, comentou, em relatório.

Renan Manda, analista-chefe do setor financeiro da XP, e o analista Matheus Odaguil também fizeram previsões negativas. “Considerando o cenário macroeconômico mais desafiador no curto prazo, acreditamos que o banco pode precisar aumentar as provisões ao longo de 2022, uma vez que a taxa de inadimplência segue aumentando, potencialmente impactando sua rentabilidade. Por fim, esperamos uma reação negativa das ações do Santander no pregão de hoje e reiteramos nossa recomendação de venda com preço-alvo de R$ 36/ação devido ao seu elevado preço e operação mais arriscada”, comentaram os especialistas, em relatório.

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O banco Inter também comentou o balanço do Santander e reiterou sua recomendação neutra para a ação do banco na B3 com preço-alvo de R$ 46 para 2022. “As receitas com serviços de conta corrente caíram 6,3% na comparação trimestral e 13,7% na base anual, impactadas pela maior transacionalidade do Pix. Além disso, o resultado com colocação de títulos, custódia e corretagem sofreu com a forte base comparativa no terceiro trimestre e pelo mercado de capitais menos favorável no período, reportando saldo de R$ 403 milhões (+52% t/t e -12,7% a/a)”, citou relatório, que alertou ainda para o impacto negativo da inflação nas despesas operacionais e aumento da inadimplência.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.