Olimpíadas 2022: atletas são orientados a deixar celulares em casa

Autoridades dos países visam se proteger contra espionagem, questionando a segurança do acesso à internet na China

Delegações da Austrália, Bélgica, Holanda e Canadá tomaram providências para mitigar ameaças
Por Jamie Tarabay - Sarah Zheng
18 de Janeiro, 2022 | 12:12 PM

Bloomberg — Além da ômicron e das medalhas de ouro, os atletas que estão chegando na capital da China para competir nos Jogos Olímpicos de Inverno no mês que vem terão mais uma preocupação: será que é seguro acessar à internet?

Pequim prometeu aos melhores atletas do mundo acesso a uma internet parcialmente irrestrita durante as Olimpíadas a partir de 4 de fevereiro, eliminando o grande Firewall que bloqueia serviços como Facebook e YouTube em locais oficiais e hotéis. No entanto, especialistas em segurança afirmam que há motivos para alerta.

As empresas chinesas especializadas em coleta de dados, fiscalização e inteligência artificial estão entre as patrocinadoras e fornecedoras oficiais das Olimpíadas de Inverno. Washington e seus aliados acusaram algumas das empresas de networking e gestão de dados, incluindo a Huawei e a Iflytek, de possivelmente espionar ou vigiar as minorias em Xinjiang.

A Huawei e seus pares negam as acusações, mas consultores de cibersegurança alertam que esses sistemas sujeitarão os atletas a algum tipo de fiscalização, monitoramento de movimentos e de outros tipos pelos quais a maioria dos cidadãos chineses já passa.

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Entre as preocupações está o risco de que empresas estatais ou criminosos utilizem as bolhas de Wi-Fi designadas para espionar comunicações privadas ou até mesmo instalar malware e outras vulnerabilidades em dispositivos pessoais. Isso pode sujeitar contatos esportivos e políticos a ataques posteriores.

Um número cada vez maior de delegações está levando a possível ameaça a sério. Austrália, Bélgica, Holanda e Canadá estão entre as delegações que estão orientando os atletas a manter seus dispositivos fora de redes Wi-Fi e usar telefones pré-pagos, se possível. Os Estados Unidos emitiram um aviso aos atletas americanos de que seus dispositivos também podem estar comprometidos com software malicioso, com consequências desconhecidas no futuro.

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“Meu conselho para os atletas seria comprar um segundo telefone mais barato e não usar o seu iPhone ou Android”, disse Larry Diamond, membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford. “Não sabemos para onde isso está indo. A única coisa que sabemos é que a China está construindo o estado autoritário de vigilância digital mais sofisticado, e não acho que as pessoas devam ficar indiferentes quanto a levar seus equipamentos para interagir com isso”.

O comitê de Pequim rejeitou o conselho dado aos atletas, dizendo que “é completamente infundado, e essas preocupações são totalmente desnecessárias”. O comitê informou que a China aprovou várias leis de segurança cibernética que oferecem proteção à privacidade e segurança de dados para seus cidadãos e visitantes estrangeiros.

O governo da China bloqueia partes da internet para manter o controle sobre o discurso público no país. A revogação desse bloqueio como parte de uma promessa de realizar jogos “simples, seguros e esplêndidos” é uma oportunidade para o país mostrar suas crescentes proezas econômicas e políticas.

Contudo, seu suposto histórico de utilizar empresas para vigilância generalizada, como ao manter o controle sobre as minorias em Xinjiang, alarmou outros países. Atletas com perfis globais representam alvos de alto valor para espiões cibernéticos e podem estar abrindo seus dispositivos para rastreamento de longo prazo, disse Diamond.

É um risco por causa da “ampla cultura de coleta de dados associada à vigilância na China”, disse David Robinson, cofundador da empresa de segurança cibernética Internet 2.0. “Se os atletas não quiserem que o governo chinês possa identificar seu telefone regular, o uso de um novo telefone protegerá a coleta de dados confidenciais”.

Uma das fornecedoras de tecnologia 5G é a Huawei, empresa colocada na lista proibida pelos EUA e outros países que está no centro das crescentes tensões entre Washington e Pequim. Ela coopera com a provedora oficial de telecomunicações China Unicom Beijing, cuja controladora está na lista do Departamento do Tesouro dos EUA de empresas chinesas sancionadas do complexo militar-industrial. Outra empresa que gerou alerta foi a Iflytek, fornecedora exclusiva da transcrição automática de fala adicionada à lista proibida dos EUA em 2019 – proibindo a venda de tecnologia americana sem aprovação – por envolvimento em abusos de direitos humanos em Xinjiang. Esta usará inteligência artificial e big data “para fornecer análise em tempo real e alocação de recursos” para instalações e eventos relacionados aos Jogos, disse a Iflytek em seu site.

A provedora oficial de software antivírus dos jogos, Qi An Xin, administrará um hub central que oferece “cobertura total e segurança de rede de alta qualidade”, disse a empresa em comunicado. Seu acionista majoritário, Qi Xiangdong, é cofundador da Qihoo 360, sancionada em 2020. A Qi An Xin terá visibilidade sobre os dados que cruzam a rede – incluindo tráfego no exterior, disse Robinson. Em uma análise do software de proteção móvel da Qi An Xin, a Internet 2.0 relatou que “uma quantidade significativa de dados do usuário está sendo coletada pelo software”. Qi Xiangdong saiu da Qihoo 360 em 2019.

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Representantes da Huawei e da Iflytek não quiseram comentar. A Qi An Xin disse que não tem nenhum acionista ou relacionamento comercial com a Qihoo e adiou os pedidos de informações ao Comitê Olímpico de Pequim.

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Outra empresa, a Kingsoft Office Software, está fornecendo o software corporativo para os jogos, segundo seu site. A empresa foi uma das visadas em uma decisão executiva do ex-presidente Donald Trump em 2021, na qual ele proibiu transações nos EUA com vários aplicativos chineses, incluindo WeChat Pay e Alipay, devido a preocupações com a coleta em massa de dados pessoais. A decisão foi revogada meses depois pelo presidente Joe Biden, que ordenou uma revisão dos riscos de segurança nacional dos aplicativos.

Um representante da Kingsoft não quis comentar.

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Alguns países já tomaram as devidas precauções. A Austrália fornecerá seu próprio Wi-Fi “em áreas alocadas a nós por nossa filial de TI”, disse um porta-voz do Comitê Olímpico australiano. A Bélgica recomendou que seus atletas não tragam dispositivos eletrônicos pessoais para a China.

Atletas holandeses receberam orientações semelhantes. E a delegação canadense foi lembrada de que os jogos são “uma oportunidade única para crimes cibernéticos”, afirmou o Comitê Olímpico canadense em comunicado. Seus atletas também foram orientados a deixar aparelhos pessoais em casa e limitar as informações pessoais armazenadas nos dispositivos levados à China.

“Em relação às chamadas questões de segurança nacional em relação à Huawei, à Iflytek e a outras empresas de tecnologia, os respectivos departamentos da China já refutaram repetidamente essa questão, mas os EUA continuaram usando isso como pretexto para repreender as empresas chinesas de alta tecnologia”, disse o comitê de Pequim por e-mail “Esse tipo de bullying está fadado a se tornar cada vez mais rechaçado e combatido pela comunidade internacional”.

O comitê também abordou questões sobre o My2022, um aplicativo multifuncional por meio do qual os participantes enviam informações sobre seu estado de saúde diariamente por duas semanas antes do início dos Jogos. O Citizen Lab, grupo de pesquisa da Universidade de Toronto, disse em relatório divulgado na terça-feira (18) que falhas na tecnologia de criptografia do aplicativo podem conectá-lo a um host malicioso ou permitir a interceptação de informações transmitidas.

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O comitê de Pequim disse que o My2022 “foi aprovado por mercados de aplicativos móveis no exterior, como Google, Apple e Samsung” para aparecer em suas lojas de aplicativos, e os usuários podem desativar as permissões de acesso outros recursos em seus dispositivos.

--Esta notícia foi traduzida por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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