Bloomberg Opinion — A transformação financeira do setor de transporte de contêineres foi surpreendente: quase da noite para o dia, operar navios cargueiros tornou-se uma licença para imprimir dinheiro.
Após uma oferta pública inicial no ano passado, uma das principais linhas de contêineres agora está listada nos Estados Unidos: Zim Integrated Shipping Services. Como seus pares, a transportadora israelense está nadando em dinheiro, para o deleite do principal investidor, o Deutsche Bank. A Zim teve uma margem de lucro operacional de 59% no trimestre encerrado em 30 de setembro, que é o dobro da mesma medida para a Apple e não muito longe da produtora de vacinas Moderna.
Para recapitular brevemente, o congestionamento portuário causado pela pandemia tem sido terrível para a maioria de nós, mas significa que as linhas de contêineres podem cobrar praticamente o que quiserem pelo espaço de carga.
A indústria reportará cerca de US$ 190 bilhões de lucro operacional em 2021, de acordo com a empresa de pesquisa marítima Drewry, que é mais do que os ganhos operacionais da Apple e da Microsoft juntos. E, cada vez mais, parece que em 2022 não será diferente.
Esses lucros inesperados não passaram despercebidos pelos investidores – as ações da Yang Ming Marine Transport de Taiwan ganharam 1600% em dólares desde o início de 2020, por exemplo, enquanto as ações da AP Moller-Maersk, da Dinamarca, estão perto de um recorde. Há esperanças de que uma indústria mais consolidada e digitalizada esteja finalmente se tornando mais disciplinada e eficiente; com o dinheiro que estão gerando, as linhas de contêineres são capazes de pagar dívidas, financiar investimentos de redução de carbono e fazer aquisições de criação de valor em áreas como logística. E é claro que eles estão aumentando os pagamentos aos acionistas.
Mas ainda há muito ceticismo – e não é de se admirar: durante grande parte da última década, as linhas de contêineres lutaram para ganhar dinheiro: a concorrência era brutal e as transportadoras continuavam gastando em novos navios. Entre 2008 e 2019, a margem média de lucro operacional foi negativa em 1,5% para o setor, observa Samuel Bland, analista do JPMorgan. Muito desse baixo desempenho foi auto-sabotagem.
Assim, como uma pessoa que ganha na loteria nunca mais desfrutará de outro grande dia de sorte - e de fortuna - os apostadores não são totalmente confiáveis para aproveitar ao máximo sua boa sorte. E embora a resolução dos bloqueios da cadeia de suprimentos continue sendo adiada, muitos investidores supõem que as condições atuais não durarão além deste ano. Como será, então, o “novo normal” nesse setor?
A Zim é um bom exemplo nesse debate. A 10ª maior linha de contêineres do mundo por capacidade passou por uma reestruturação da dívida em 2014, nomeou uma nova administração e no ano passado ingressou na Bolsa de Valores de Nova York – uma rara estreia americana, já que as grandes linhas de contêineres são privadas ou listadas na Europa e Ásia.
Estamos aqui falando de uma fênix ressurgindo das cinzas. As ações quadruplicaram desde o IPO. Esse desempenho foi superado apenas pelo SPAC, que está se fundindo com o nascente empreendimento de mídia social de Donald Trump, de acordo com dados da Bloomberg sobre listagens nos EUA em 2021.
Ele foi bem configurado para aproveitar as condições extraordinárias do mercado: os serviços Trans-Pacífico, que atendem à crescente demanda do consumidor dos EUA e atualmente estão entre os mais lucrativos, respondem por cerca de 40% de seus volumes de contêineres. Também tem uma exposição extraordinariamente alta a taxas de frete de curto prazo muito elevadas (mercado spot), em vez de contratos plurianuais de valor mais baixo.
No entanto, apesar de atualizar as previsões de lucro várias vezes no ano passado e aumentar os pagamentos aos acionistas, a capitalização de mercado de US$ 7,5 bilhões da Zim é menos que o dobro dos cerca de US$ 4,3 bilhões de lucro líquido que deve divulgar em 2021.
O transporte externo de contêineres é bastante incomum: menos de 10 empresas listadas nos EUA com receita superior a US$ 1 bilhão têm uma relação P/L inferior a dois, segundo dados da Bloomberg.[1]
Em meio a uma grande rotatividade de ações de tecnologia especulativas deficitárias para “ações de valor” menos atraentes, mas mais geradoras de caixa, alguns investidores se perguntam se essa avaliação comparativamente modesta ainda faz sentido. Com as taxas de frete ainda subindo e a variante ômicron ameaçando prolongar ainda mais os gargalos nos portos, talvez não.
A Zim chamou a atenção de investidores de varejo e vários hedge funds de grande porte – Renaissance Technologies, Citadel Advisors e Marshall Wace eram grandes detentores em setembro passado. No entanto, pelo menos um patrocinador proeminente não está por perto.
Tendo adquirido uma dívida e uma posição acionária após a reestruturação financeira da Zim, o Deutsche Bank está em processo de sair de sua aposta vencedora – detinha uma participação de 12% quando divulgada pela última vez no verão. No total, o banco poderia arrecadar quase US$ 1 bilhão com a aposta, informou a Bloomberg News em junho, quando o preço das ações da Zim estava mais baixo do que agora.[2]
As expectativas de venda pelo banco alemão e outros detentores pós-reestruturação podem ter retardado o avanço do mercado de ações da Zim, mas provavelmente há outros fatores influenciando isso também.
Apesar de uma recente compra de navios cargueiros de segunda mão, a grande maioria da frota da Zim é alugada e, portanto, está exposta a taxas crescentes de fretamento: não são apenas as linhas de contêineres que podem cobrar mais; os armadores também. A duração média do fretamento da Zim aumentou para dois anos, criando potencial para uma redução de lucros se as taxas de frete caíssem repentinamente.
A dívida líquida ajustada ao arrendamento também aumentará em comparação aos insignificantes níveis atuais quando a Zim receber 25 navios fretados de baixa emissão a partir de 2023. E ela não é a única empresa do setor a aumentar sua frota: no final de 2021, novos pedidos de cargueiros aumentaram para quase um quarto da frota existente, de acordo com dados da Alphaliner.
Esses pedidos não levarão necessariamente a um enorme excesso de capacidade: novas regulamentações ambientais forçarão as embarcações a desacelerar, argumentou a administração da Zim, exigindo que mais embarcações transportem o mesmo volume de mercadorias. Além disso, os atrasos nos portos dos EUA podem ser bastante persistentes.[3]
Dado o histórico ruim da indústria, é difícil ter certeza de que a viagem será tão serena. Quanto maior a parcela do fluxo de caixa do setor que volta para as mãos dos acionistas, menor será a tentação de desperdiçá-la em expansões arriscadas. Talvez então os investidores aceitem que a natureza do transporte de contêineres esteja de fato mudando.
[1]Com base nos ganhos estimados em 2021
[2]Nos três primeiros trimestres de 2021, o Deutsche registrou 400 milhões de euros (US$ 450 milhões) de receita relacionada ao Zim
[3]Os novos navios da Zim começarão a chegar quando os arrendamentos anteriores expirarem, dando-lhe mais flexibilidade de capacidade.
Chris Bryant é colunista da Bloomberg Opinion que cobre empresas industriais. Anteriormente, trabalhou para o Financial Times.
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– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.
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