Jack Dorsey deve focar no streaming e deixar os tweets de lado

Se a música for o pão de cada dia do capitalismo pós-Covid, que assim seja – desde que todos recebam uma parte justa dos rendimentos

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Bloomberg Opinion — E a resolução de ano novo do bilionário Jack Dorsey é passar mais tempo no Tidal, plataforma de streaming de música adquirida recentemente por sua fintech Block, e menos tempo no Twitter – empresa que não mais lidera, mas cuja plataforma ainda usa para expor suas opiniões.

A aquisição da participação majoritária no Tidal pela Block, no valor de US$ 297 milhões, foi um dos marcos da indústria musical pós-Covid, à medida que super artistas provaram ser cada vez mais rentáveis, confiáveis e duráveis. Bruce Springsteen e o administrador do acervo do falecido David Bowie venderam seus catálogos por somas de nove dígitos; um documentário de oito horas dos Beatles foi um refresco para a Walt Disney; e Adele atrasou indiretamente a cadeia de suprimentos de discos de vinil do mundo.

Mas, considerando que o Tidal é um diminuto streaming ao lado do Spotify e da Apple Music, cuja participação de mercado combinada é de cerca de 50%, ele não deve só imitar a hierarquia de elite dos gigantes do streaming. Dorsey, o capitalista hippie, disse que quer melhorar o “empoderamento econômico” e a “liberdade financeira” para todos os músicos, um objetivo digno que merece mais recursos do que criptomoedas voláteis como Bitcoin ou avisos de “hiperinflação”.

A música está passando por uma recuperação muito desigual, assim como a economia em geral. A música “se tornou gratuita” duas décadas atrás, quando os arquivos MP3 digitais tornaram as músicas infinita e instantaneamente compartilháveis; então, se tornou adquirível por US$ 9,99 com o aumento das assinaturas de streaming. Isso elevou as receitas da indústria de volta às altas de 20 anos e enterrou o CD, mas aprofundou a lacuna entre os ricos e pobres da indústria da música – 1% dos principais artistas obtiveram cerca de 90% dos royalties de streaming.

O que a economia do streaming previu, a Covid realizou. A receita da música ao vivo, o último refúgio de 99% dos artistas da indústria, caiu cerca de dois terços em 2020, segundo a analista da Bloomberg Intelligence Amine Bensaid. Levar tudo para o universo on-line aumentou o fluxo de receita, mas também aumentou o número de recipientes, afirma Will Page, ex-economista do Spotify e autor do livro “Tarzan Economics”.

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O cantor e compositor Sam York, que já se apresentou com nomes como Ed Sheeran e Jessie J, disse que já estava mudando de carreira antes de 2020 (ele agora é advogado) e que viu outros artistas se tornarem encanadores ou entrarem em call centers desde o início da Covid. É uma crise de oferta ilimitada, diz ele.

Se não forem monitorados, esses jogos vorazes vão piorar. A música está ficando para trás na economia da atenção – o Spotify perdeu um quarto de seu valor no ano passado, enquanto a Meta Platforms e a Netflix avançaram. Agora consumimos música no formato de playlists que se adequam às nossas refeições ou nosso humor, e é mais difícil atribuir valor e intimidade à música – algo que David Bowie outrora comparou com água encanada ou energia elétrica.

E enquanto os super artistas são repaginados, memificados e transformados em hologramas para garantir sua longevidade – Stephen Witt, autor do livro “How Music Got Free”, diz que imagina que um documentário no estilo “Get Back” – obra sobre os Beatles – poderia ser regular para artistas boomers – os que estão nas castas mais baixas enfrentarão ainda mais pressão conforme os podcasts e os audiolivros se multiplicam. Não é à toa que ouvir música, que costumava ser um relacionamento monogâmico com álbuns e bandas, agora se assemelha à cultura do Tinder, diz o analista da MIDiA Research Mark Mulligan.

Considerando esse panorama, onde o Tidal se encaixa? A plataforma poderia ao menos levantar a bandeira de uma divisão mais justa dos recursos de streaming em um momento em que o escrutínio regulatório está aumentando. Modelos de pagamento mais “centrados no usuário”, dividindo aquelas taxas de assinatura de US$ 9,99 de acordo com gostos individuais (e não fluxos globais), merecem ser testados. O Tidal recentemente fechou um acordo com a distribuidora digital DistroKid, alocando 10% de seu serviço premium de US$ 19,99 para os artistas mais ouvidos por cada usuário.

Dorsey também poderia aprender com plataformas como Kickstarter ou Patreon – os pilares da chamada “economia do criador” – que permitem que artistas arrecadem dinheiro diretamente dos fãs. Investir em ferramentas “faça você mesmo” pode atrair mais artistas e melhorar suas finanças. A pesquisa de Page estima que a receita por hora de um criador em uma plataforma de música equivale a cerca de US$ 0,01 por usuário, enquanto em uma livestream da plataforma Twitch, o valor é de US$ 0,15 por usuário.

No entanto, nem tudo é mágica: um modelo de streaming centrado no usuário pode apenas reorganizar as receitas da elite em vez de revolucionar a música, e o modelo de subsistência no Patreon ainda é... de subsistência. Nem todos se adaptarão a um mundo que caminha inexoravelmente para capitalizar as interações sociais e um sentimento de pertencimento – uma passagem de entrada para uma discoteca infinita, como disse o economista Jacques Attali. O burburinho em torno de NFTs superfaturados e especulativos alcançou poucos objetivos além de enriquecer uma elite obscura e atrair a ira de Brian Eno.

Ainda assim, vale a pena tentar qualquer chance de criar uma nova vida em vez de aceitar a aristocracia do rock. O Tidal e a Block, que receberam recentemente uma licença bancária, podem ser o laboratório para o que o capitalista de risco Li Jin chamou de uma “classe média” de criadores. Imagine o que um pagamento a Renda Criativa Universal poderia conseguir. Dorsey deveria almejar um futuro mais Tidal e menos feudal.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Lionel Laurent é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre a França e a União Europeia. Já trabalhou para a Reuters e a Forbes.

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