IPOs levam startups brasileiras a repensar processos, controles e governança

Com o amadurecimento do ecossistema de inovação brasileiro, mais startups buscam o capital de uma oferta pública inicial, mas mudanças organizacionais são necessárias

Empresas como Méliuz levam capital com oferta de ações na bolsa
Por Angelica Mari
14 de Setembro, 2021 | 08:08 AM

São Paulo — Por que isso importa: Investidores buscam opções no setor de tecnologia, que tem recorrido ao mercado de ações para acessar uma melhor liquidez, e aumentar sua credibilidade junto a fornecedores, clientes e futuros colaboradores.

Os números:

  • Desde 2017, nenhuma empresa de tecnologia havia aberto capital na Bolsa brasileira (B3);
  • O jejum de IPOs de tech no Brasil foi quebrado com a oferta pública da Locaweb em fevereiro de 2020, que levantou R$ 1.4 bilhão na operação;
  • Outras empresas de base tecnológica como a Enjoei, Mobly e Infracomm abriram capital na B3 desde então, levantando mais de R$ 9.2 bilhões;
  • Cases de sucesso incluem o da Méliuz, que viu o valor de suas ações crescer 350% desde a abertura de capital em novembro de 2020, comprou quatro empresas desde então e já estuda um follow-on;
  • Empresas brasileiras de tech também tem buscado a Bolsa americana, como a fintech Stone, que levantou US$ 1.2 bilhão em seu IPO em 2018.

Mas: startups precisam atender a uma série de exigências para abrir capital, que podem apresentar barreiras; os maiores desafios estão nas áreas de governança, risco e conformidade (compliance).

A avaliação do mercado: “Ainda existe um grande gargalo em processos, relatórios, demonstrações financeiras, controles e governança. O empreendedor normalmente tem um foco muito grande no que está construindo, e por vezes deixa estes elementos de lado”, diz Flávio Machado, sócio líder de IPO e assessoria em contabilidade e finanças da EY.

  • A preparação de startups para IPOs inclui uma conscientização dos fundadores sobre o que torna suas companhias atraentes para um investidor, principalmente os fundos âncora que viabilizam as transações, diz Machado;
  • O mercado tem boa liquidez e investidores estão interessados em modelos inovadores, mas que tem uma certa complexidade, diz o especialista: “O empreendedor precisa conseguir explicar seu negócio e demonstrar a maturidade da empresa, que será avaliada por terceiros”;
  • Segundo o sócio da EY, esta construção leva cerca de 24 a 36 meses.

Reinventando lógicas tradicionais. O marketplace de serviços GetNinjas, que movimentou R$ 554 milhões na Bolsa em maio deste ano, tinha intenções de fazer uma captação privada no começo de 2020, mas decidiu pelo IPO em outubro do ano passado.

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  • A startup contratou Cynthia Robbs como diretora financeira, revisou a estrutura de governança existente, e adicionou processos nas áreas jurídica e contábil no processo pré-IPO. “Foi um volume de trabalho insano”, diz o CEO da GetNinjas, Eduardo L’Hotellier;
  • A mudança de atitude do mercado tem sido notável, diz o fundador: “[Abrir capital] gera mais credibilidade com parceiros e isso se retroalimenta”;
  • A marca empregadora também fica mais forte: “O selo [do IPO] ajuda muito na atração de talentos, principalmente de tecnologia. Todos querem trabalhar para uma empresa que está vencendo”;
  • A Westwing, e-commerce de lifestyle e decoração que abriu capital em fevereiro deste ano, movimentando R$ 1,16 bilhão na operação, é outro exemplo desta dinâmica;
  • Desde a oferta pública, a base de clientes chegou a 325 mil usuários no fim de março, uma alta de 91% ano a ano;
  • “A empresa passa a ter uma percepção de robustez. Além disso, vai ser possível continuar captando dinheiro bem na Bolsa, já que há uma demanda reprimida no Brasil [por empresas de tecnologia] no mercado público de ações”, diz Andres Mutschler, CEO da Westwing.

Boas práticas. A Westwing Brasil era uma subsidiária da Westwing Europe até o management buyout liderado por Mutschler e o fundo Axxon Partners em 2018. A companhia brasileira se beneficiou do IPO da matriz alemã naquele ano, processo que começou em 2015.

  • “Já éramos auditados pelas [consultorias] Big Four desde 2012, e tínhamos práticas de governança estabelecidas. Começamos de um ponto mais redondo, mas isso não quer dizer que o IPO deu pouco trabalho”, diz Mutschler.
  • O processo pré-IPO na Westwing começou em julho de 2020, e incluiu a conversão da empresa em sociedade anônima, e a criação de uma área de relações com investidores.
  • O unicórnio de pagamentos Ebanx se prepara para sua oferta pública, que deve acontecer na Nasdaq no próximo ano. A empresa diz ter certas práticas apoiando esta ambição desde sua fundação, o que tem ajudado no processo;
  • “Começamos nossas primeiras reuniões de conselho consultivo em 2013, com ata, secretária, e a implantar liturgias de governança, processos. O nível que temos em nosso conselho de administração se deve ao que formamos lá atrás”, diz o cofundador e chief risk officer da empresa, Wagner Ruiz.
  • A Ebanx tem incrementado seus processos na preparação para o IPO, mas tem conseguido impedir que isso engesse o negócio.

Brasil vs Estados Unidos

Um IPO na NYSE (bolsa de Nova York) ou Nasdaq não é uma verdade absoluta para todas as startups brasileiras de alto crescimento, mas é uma opção mais atraente para empresas com pegada global, segundo Ruiz.

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  • “Considerando o nosso modelo e a liquidez dos Estados Unidos, faz mais sentido para nós [abrir capital na Nasdaq] do que no Brasil”, aponta Ruiz.
  • “Mas temos outros projetos para a B3”, ressalta, em referência às investidas da Honey Island Capital, fundo criado por Ruiz, João del Valle e Alphonse Voigt, o trio de fundadores da fintech.

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