Caos, mortes no aeroporto de Cabul e risco político no mercado: a situação no Afeganistão

Ainda não está claro se o grupo vai firmar um acordo de divisão de poder com os remanescentes do governo do presidente que fugiu do país ou se deseja governar por conta própria

Talibã tomou a cidade de Cabul após as tropas norte-americanas e o presidente afegão deixarem o país
Por Eric Lam, Eltaf Najafizada e Ishika Mookerjee
16 de Agosto, 2021 | 12:03 PM

Bloomberg — Cenas de desespero foram vistas no aeroporto internacional de Cabul nesta segunda-feira (16), enquanto milhares corriam para sair do Afeganistão depois que combatentes do Talibã assumiram o controle da capital – a agência de notícias Reuters relatou que pelo menos cinco pessoas foram mortas enquanto tentavam entrar nos aviões.

Com as fronteiras terrestres sob o controle do grupo militante, o aeroporto é o último ponto de saída restante e há temores de que essa opção deixará de existir em breve. Vídeos que circularam nas redes sociais mostraram centenas de pessoas ocupando a pista. A autoridade de aviação do Afeganistão pediu às pessoas que não corressem para o aeroporto. Até outros países – incluindo os EUA – tentam evacuar seus diplomatas e outros cidadãos do país.

O pânico na maior cidade do Afeganistão reflete o rápido avanço territorial do Talibã, que retorna ao poder duas décadas depois que os militares dos EUA invadiram o país e expulsaram o grupo. Se intensificam as críticas ao presidente Joe Biden, que segue o plano de seu antecessor Donald Trump de retirar as tropas americanas restantes no país.

Os líderes do Talibã buscam retratar uma posição moderada, com um porta-voz dizendo à Associated Press que eles querem formar um “governo islâmico aberto e inclusivo”.

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Ao mesmo tempo, o grupo está falando sobre declarar um novo “Emirado Islâmico do Afeganistão”, e há relatos de que já restringe os direitos das mulheres. Ainda não está claro se o grupo vai firmar algum acordo de divisão de poder com os remanescentes do governo do presidente Ashraf Ghani – que fugiu do país – ou se o Talibã simplesmente deseja governar por conta própria.

Já no mercado, os investidores estão adicionando a evolução da situação no Afeganistão à sua lista de questões globais a serem monitoradas.

Os estrategistas não esperam um impacto imediato no mercado após o Talibã assumir o controle efetivo do Afeganistão, porém sinalizam cenários de longo prazo, como a possibilidade de o país se tornar novamente um terreno fértil para atentados internacionais.

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O rápido avanço do grupo militante no vácuo deixado pela saída das forças dos EUA e da OTAN também pressiona o presidente Joe Biden, que no mês passado disse que havia poucas chances de o Talibã dominar o país. O alarde sobre a situação aumenta no Congresso, onde Biden já enfrenta obstáculos de alguns parlamentares para aprovar sua agenda econômica de mais de US$ 4 trilhões.

As ações caem nesta segunda, e o dólar sobe, devido às preocupações de que a cepa delta do coronavírus esteja desacelerando a recuperação da pandemia, com o último surto de tensão geopolítica intensificando o clima de cautela.

Veja o resumo dos comentários dos estrategistas.

A questão da superpotência

Os acontecimentos no Afeganistão trazem perguntas sobre os EUA e seu papel no mundo, segundo Louis-Vincent Gave, diretor-presidente da Gavekal Capital. Se o momento for semelhante à “crise de Suez” em 1956 – referência ao conflito que marcou o declínio do poder global da Grã-Bretanha – as implicações podem ser duradouras, disse Gave em nota.

Se os dias de um mundo com uma única superpotência estão contados, então a queda de Cabul será “onerosa para o dólar e o mercado do Tesouro dos EUA, e também para os países que surfam na onda dos valores mobiliários dos EUA. Por outro lado, o momento é de otimismo para o yuan chinês o mercado de títulos lá, já que a China é a potência em ascensão na Ásia. O rublo e o mercado de títulos da Rússia também devem passar por momento de alta. O petróleo também deve subir, dada a chance de aumento nas tensões no Oriente Médio. O momento também será otimista para o ouro, o melhor ativo antifrágil em tempos de conflito geoestratégico”.

Pressão sobre Biden

“Pode ser uma derrota para o presidente Biden, mas Trump estava indo pelo mesmo caminho”, disse Shane Oliver, chefe de estratégia de investimentos e economista-chefe da AMP Capital. “Isso aumenta a pressão para que Biden tenha o máximo de seu programa de gastos aprovado” para ajudar a tirar o foco do Afeganistão.

Política Interna

A questão subjacente no Afeganistão é a má execução e o que isso revela sobre um processo falho de tomada de decisões na Casa Branca, de acordo com Sebastien Galy, macroestrategista sênior da Nordea Investment Funds. Ao mesmo tempo, “os democratas ainda se unirão em torno do presidente para que isso não seja um problema para a política interna”, disse.

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Temores de atentados

As conexões do Afeganistão com mercados mais amplos são bastante pequenas, disse Ilya Spivak, chefe da Ásia no DailyFX. “O impacto ocorre se a área se tornar terreno fértil para atentados novamente”, afirmou. Os investidores provavelmente hesitarão em injetar recursos amplamente nessa área “a menos que algo aconteça” a esse respeito, acrescentou Spivak.

Presença limitada

A presença limitada de empresas globais no Afeganistão necessariamente restringe seu impacto mais amplo sobre os mercados, disse Jeffrey Halley, analista de mercado sênior da Oanda Asia Pacific Pte. “Duvido seriamente que qualquer grande empresa tenha operações de grande escala lá”, disse ele. “Infelizmente, a maior exportação do Afeganistão será de refugiados.”

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