Bloomberg — Um novo fronte surge na guerra do brasil contra a inflação em meio ao aumento do custo dos serviços, desde passagens de avião a reparos de eletrodomésticos, gerando especulações de que um dos bancos centrais mais agressivos do mundo pode divulgar seu maior aumento nas taxas de juros em quase duas décadas nessa quarta-feira (4).
Os alimentos e a energia elétrica são os líderes dos aumentos de preços no Brasil, e as importações e outros bens de consumo logo atrás, em meio a problemas na cadeia de suprimento global e a moeda enfraquecida. No momento, com o índice de vacinação contra Covid-19 aumentando lentamente e uma população ansiosa para voltar aos restaurantes, bares e praias, a inflação dos serviços tem aumentado rapidamente: A taxa anual está em mais que o dobro do índice de menos de um ano atrás.
Os aumentos gerais dos preços ao consumidor já estão em mais que o dobro da meta do banco central, levando os economistas a prever que as autoridades irão aumentar a taxa Selic em um ponto percentual na quarta-feira, para 5,25%, o que seria o maior aumento desde 2003.
O risco é que um aumento na inflação de serviços, combinado com os aumentos de preços já vistos, exigirá aumentos tão acentuados nas taxas de juros que os custos de empréstimos mais altos minarão o crescimento econômico.
“É um momento perigoso”, disse o diretor de política monetária do banco central, Bruno Serra, em um fórum online no mês passado. “É o momento mais crítico para compreendermos como a economia reagirá no pós-pandemia”.
O Brasil já tinha o banco central mais agressivo da região neste ano, com seus aumentos de 2,25 pontos percentuais nas taxas de juros, atrás apenas de Angola no ranking mundial. A estimativa mediana dos economistas consultados pelo banco central é que a taxa de referência encerre o ano em 7%.
Embora uma inflação mais rápida seja um fenômeno mundial após um ano e meio de pandemia, os aumentos de preços no Brasil começaram surgir antes que na maioria dos países desenvolvidos. O país está entre os poucos do mundo a aumentar as taxas de juros a níveis pré-pandemia, e os economistas afirmam que seus esforços para anular a inflação podem ser um sinal do que está por vir no resto do mundo.
Aumento rápido
Por enquanto, uma aferição da inflação dos serviços no Brasil constatou que os preços aumentaram 2,3% em junho. Esse número ainda está bem abaixo da taxa de inflação geral, o IPCA, de 8,35%, mas pode ser comparado à inflação de serviços de menos de 1% em agosto de 2020. Essa aceleração rápida preocupa os economistas.
Cerca de apenas um quinto da população está totalmente imunizada e a economia está quase totalmente reaberta no momento. As tarifas das companhia aérea aumentaram 36% segundo os dados mais recentes do IBGE, ao passo que os preços de refeições em restaurantes aumentaram 7,2%. Os reparos de eletrodomésticos ficaram 11% mais caros, e a depilação de sobrancelhas teve um aumento modesto de 6,2%.
“Estamos vendo alguns segmentos do setor de serviços recuperando-se mais rápido do que o esperado”, disse Silvia Matos, economista da Fundação Getúlio Vargas.
A mobilidade não voltou aos níveis pré-pandemia, mas por cansaço ou tédio, os brasileiros estão se arriscando e viajando. Após oito meses de isolamento, João Victor de Medeiros, de 28 anos, residente de Natal e funcionário de uma startup, decidiu ir à praia com os amigos no início de janeiro. Nenhum deles estava vacinado.
“Na época, eu ainda estava com muito medo, usando máscaras em todos os lugares, usando muito álcool em gel”, disse em entrevista. Desde então, ele relaxou e está planejando uma viagem para São Paulo em um mês.
O banco central começou a aumentar as taxas de juros em março depois de uma baixa recorde, aumentando a Selic em 0,75 ponto percentual três vezes. Tanto economistas quanto traders estão sinalizando que esperam um aumento de 1 ponto percentual amanhã, com mais aumentos em reuniões futuras. Isso pode prejudicar o crescimento econômico que os analistas estimam chegar a 5,3% neste ano.
Economistas consultados pelo banco central estão otimistas de que a inflação diminuirá, chegando em 6,79% até dezembro. Mesmo assim, o número está significativamente acima da meta de 3,5% do banco, e analistas preveem que a inflação ficará próxima de 3,8% em 2022. As coisas podem piorar se os preços dos serviços continuarem a subir rapidamente.
“É um motivo de preocupação”, disse Daniel Karp, economista do Santander Brasil. “Alimentos, energia, combustível – todos estão aumentando. Os comerciantes não podem mais manter suas margens tão baixas. Então, temos uma disseminação de choques inflacionários primários”.
Pode ser particularmente difícil para o banco central lutar contra a inflação dos serviços porque alguns dos aumentos de preços estão vinculados a salários mais altos. Para Karp, o principal problema da inflação agora não é o ritmo, mas sua composição.
“Uma vez que os preços dos serviços começam a acelerar, é muito difícil abaixá-los novamente”, disse.
Por enquanto, os economistas preveem que o banco central deixará as taxas inalteradas em 2022, após elevar a referência para 7% até o final deste ano. Claro que isso pode mudar se a pressão sobre o setor de serviços aumentar e se os preços de alimentos e energia se estabilizarem.
“O banco central deve monitorar isso porque pode complicar a história desinflacionária”, disse Tony Volpon, que atuou como diretor do banco central do início de 2015 até o final de 2016 e atualmente trabalha como estrategista de investimento na Wealth High Governance. “Não sabemos de fato como será a dinâmica no Brasil. Os modelos não foram bons em lugar algum. Estamos às cegas”.
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