Bloomberg Opinion — Você consegue ouvir os sinos da igreja? Aparentemente, muitos norte-americanos conseguem. O aumento das vendas de anéis de noivado e da busca por salões indica que vamos passar por uma explosão no número de casamentos.
Atribuir esse aumento à demanda reprimida não capta exatamente o sentimento. O histórico do aumento de casamentos sugere que as emoções humanas, principalmente as relacionadas a traumas coletivos, podem ter um grande papel no incentivo ao casamento e na garantia de que o casal vai continuar junto ou se separar.
Se analisarmos as altas e baixas dos casamentos no longo prazo, é possível enxergar algumas tendências. A primeira, e mais óbvia, é a tensão econômica, que prejudica o número de casamentos. O cientista de dados Randal Olson compilou as informações para mostrar os efeitos de grandes eventos como guerras mundiais e crises econômicas sobre as taxas de casamentos e divórcios nos EUA.
Os dados constatam de maneira conclusiva que a Grande Depressão esmagou o número de casamentos. Um estudo recente que avaliou a queda de 20% pontos percentuais nas taxas de casamento de 1929 a 1933 determinou que essa queda acentuada foi uma consequência direta das dificuldades econômicas, e as maiores reduções nas taxas de casamento foram nas áreas mais atingidas pela crise (algo parecido, embora menos dramático, ocorreu durante a Grande Recessão que nossa geração passou entre os anos de 2007 e 2009).
Porém, o interessante é que o estudo constatou que casamentos consumados durante crises econômicas na verdade provaram ser mais duradouros que uniões seladas em períodos de relativa prosperidade – possivelmente devido aos laços mais fortes estabelecidos quando o casal passa por períodos tumultuosos junto. Esse dado destaca uma dimensão importante – embora pouco valorizada – dos padrões das taxas de casamento: quantidade não é o mesmo que qualidade. Devemos manter isso em mente quando escutarmos os sinos da igreja.
Se os traumas econômicos reduzem as taxas de casamento, outros tipos de choques na sociedade causam um aumento mais dramático que a simples recuperação da prosperidade. As guerras, por exemplo, quase sempre causam aumentos nas uniões. Durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, os soldados que retornaram casaram aos montes em quase todos os países ocidentais afetados pelo conflito.
Um bom exemplo é a França. Antes do fim da Primeira Guerra Mundial, o número de recém casados a cada ano caiu para cerca de quatro a cada mil pessoas. No período subsequente de paz, o número disparou, chegando a 32 – um aumento de 800%. Outros países registraram aumentos equivalentes, embora seja importante observar que o ano de 1918 também trouxe uma pandemia global que causou no mínimo 50 milhões de mortes – exatamente o tipo de catástrofe que pode contribuir para a rotatividade conjugal. Da mesma forma, após a Segunda Guerra Mundial, o grande aumento no número de casamentos nos EUA gerou outro surto mais famoso: o baby boom.
Novamente, vale a pena lembrar que não se trata apenas de decisões adiadas. O que normalmente fica de fora das histórias de casamentos no pós-guerra é que o divórcio também aumentou drasticamente nesse momento. Na verdade, o único aumento significativo dos divórcios nos EUA no último século e meio foi no fim da Segunda Guerra Mundial, quando diversos casamentos impulsivos e problemáticos consumados enquanto os amantes eram convocados para a guerra terminaram.
Esse é um sinal de uma verdade mais profunda. Quando uma sociedade passa por um trauma coletivo, as pessoas são forçadas a reavaliarem suas prioridades e seus parceiros. Problemas que pareciam remotos ou irrelevantes – como, por exemplo, passar sozinho pela velhice – de repente tornaram-se urgentes. Algumas pessoas casam, outras se divorciam, outras ainda fazem os dois repetidamente.
Os conflitos militares normalmente incentivam essas mudanças, mas os desastres naturais podem fazer o mesmo. Analisemos o terremoto que atingiu São Francisco em 1906. Um grupo de genealogistas que pesquisavam o evento observaram recentemente que o terremoto, embora tivesse devastado a cidade, gerou uma onda de casamentos no mês seguinte à medida que homens e mulheres que se conheciam nos acampamentos para refugiados se apaixonavam e se casavam imediatamente.
Isso pode ser confirmado pelo número de certidões de casamento emitidas em São Francisco no mês seguinte ao terremoto. Outros sinais sutis também refletem esse aumento, como os pedidos urgentes de anéis de noivado para joalheiros. Esse evento gerou uma série de justaposições surreais, como casais que iniciavam sua vida juntos em meio às ruínas e à destruição. Um jornal que comentava o ocorrido, afirmou que “as pessoas que casam por um terremoto só devem se divorciar por um cataclismo de igual ou maior intensidade”.
O mesmo padrão ocorreu durante outros desastres naturais. Embora não haja uma literatura acadêmica aprofundada sobre o tema, dois estudos intrigantes sobre os efeitos dos terremotos na China e do Furacão Hugo na Flórida constataram praticamente o mesmo: aumentos estatisticamente significativos nos casamentos e nos divórcios. No caso da Flórida, os pesquisadores mostraram de forma persuasiva como os condados do estado tachados de “áreas de desastre” apresentavam níveis muitos mais altos de matrimônios que locais que não sofreram os piores efeitos do furacão.
O que não é tão bem compreendido – mas é tão importante quanto – é a qualidade das uniões forjadas em meio a um desastre, seja ele uma crise econômica, uma guerra ou uma pandemia. O que a pouca pesquisa existente sobre o tema sugere é que os desastres criados por outros humanos – como o atentado de Oklahoma ou o 11 de setembro, por exemplo – na verdade reduz as taxas de divórcio nas áreas diretamente afetadas pela calamidade. Por outro lado, os desastres naturais parecem incentivar tanto os divórcios quanto os casamentos.
Todos esses dados sugerem que a pandemia de Covid-19 poderá ter efeitos duradouros sobre o estado civil de muitos norte-americanos. Claro que também poderá acelerar alguns divórcios, mas estes serão compensados pela enorme onda de casamentos pelo país, que já começamos a ver. E talvez esse processo gere até um baby boom que possa ajudar a reverter a redução da fertilidade no longo prazo – embora essa seja uma questão ainda em aberto.
Se esses casamentos vão durar? Essa é uma outra questão. Analisemos essa última pesquisa sobre casamentos realizada por dois economistas. Foi constatado que o dinheiro que casais gastam em alianças e na própria cerimônia era inversamente proporcional à viabilidade de longo prazo do casamento. Quanto maior a ostentação no casamento, menor a probabilidade de sua duração.
Se você for convidado para um casamento no pós-pandemia, não se preocupe se a cerimônia for simples e menos custosa. São esses casais que provavelmente sobreviverão ao tempo, não importa quais desastres estão por vir nos próximos anos.
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