Não existe limite para o crescimento, diz o próximo CEO do Mercado Livre

Em entrevista à Bloomberg News após evento do grupo na Cidade do México, o argentino Ariel Szarfsztejn contou que não estava convencido em se mudar para a empresa quando foi convidado em 2017 e falou de sua visão para os próximos anos

Por

Bloomberg — Ariel Szarfsztejn não apenas entrou no centro das atenções. Ele saltou.

O próximo CEO do gigante de e-commerce e fintech Mercado Livre subiu ao palco na Cidade do México, iluminado por luzes de néon azuis e amarelas que pulsavam de réplicas imponentes das caixas de entrega características da empresa.

Szarfsztejn sentou-se ao lado do CEO e co-fundador Marcos Galperin para ser a atração principal do reluzente evento de 10 de setembro que reuniu cerca de 8.000 vendedores, parceiros e funcionários do Mercado Livre na capital mexicana.

Vestidos com camisetas pretas de praxe, com um discreto logotipo corporativo, jeans e tênis, a dupla fazia sua primeira grande aparição pública desde que a empresa anunciou a transição de liderança em maio.

Leia mais: Galperin, do Mercado Livre, diz que focará em projetos de IA após deixar cargo de CEO

Um argentino de 44 anos, aficionado por tênis, Szarfsztejn se apresentava com o entusiasmo de um fundador de startup — equilibrado pelo peso da responsabilidade de ser o herdeiro administrativo da empresa mais valiosa da América Latina.

Em uma entrevista à Bloomberg News meses antes de assumir em janeiro, fez declarações grandiosas sobre o futuro da companhia, evitando previsões específicas.

“O Mercado Livre é a maior empresa da América Latina e ainda cresce em ritmo de startup”, disse Szarfsztejn após sua estreia. “Não existe limite para o crescimento.”

Com um valor de mercado próximo a US$ 120 bilhões, o Mercado Livre (MELI) processou quase US$ 200 bilhões em pagamentos no ano passado e enviou um recorde de 1,8 bilhão de itens em 18 países da América Latina.

E continua a investir bilhões na região.

“As oportunidades para os próximos 26 anos são iguais ou maiores do que as que vivemos nos primeiros 26 anos”, disse Szarfsztejn, que passou oito anos nos bastidores dirigindo a divisão de comércio eletrônico da companhia.

O executivo da geração millennial precisará aproveitar toda a sua energia para ampliar o sucesso vertiginoso do Mercado Livre. E, quando o assunto é big tech, basta olhar para Apple e Dell Technologies para testemunhar transições difíceis de um fundador estrela para um sucessor discreto.

Mas os analistas estão majoritariamente otimistas.

Neha Agarwala, do HSBC, disse que o Mercado Livre não corre o risco de dependência de um homem-chave, como Elon Musk, que, por acaso, é um dos ídolos de Szarfsztejn no setor de tecnologia.

“As responsabilidades de Galperin não serão fáceis de preencher, já que ele transformou o Mercado Livre na maior plataforma de comércio eletrônico da América Latina”, disse Dan Wasiolek, analista sênior de ações da Morningstar.

“Mas acreditamos que a liderança e a experiência de Szarfsztejn fazem dele uma escolha lógica para manter a forte vantagem de rede da empresa.”

No palco da Cidade do México, o chefe que está de saída fez alusão a uma transição natural.

Leia mais: Nubank prepara novo salto para engajar cliente para além do serviço financeiro

“Estou entregando as chaves para Ari no melhor momento”, disse Galperin, de 53 anos, que se tornará presidente executivo do conselho em 1º de janeiro de 2026.

“Trabalhamos muito bem ao longo dos últimos oito anos e, agora, ele está assumindo meu papel porque é um grande exemplo da nossa cultura.”

O MercadoLibre começou como um modesto site de leilões em 1999 e evoluiu de uma página de classificados para um marketplace robusto.

Em 2003, lançou um “braço” de pagamentos para facilitar as vendas online e, depois, se expandiu até abranger serviços financeiros que vão de cartões de crédito a contas de poupança de alto rendimento, empréstimos e criptoativos.

Fundado na Argentina e agora com sede em Montevidéu, no Uruguai, o Mercado Livre emprega mais de 100.000 pessoas, em comparação com apenas 15.000 em 2020, quando a pandemia de Covid-19 impulsionou a adesão do consumidor ao comércio eletrônico e aos aplicativos de pagamento digital.

Só em 2025, a companhia prometeu investir pelo menos US$ 13,2 bilhões em toda a região e em suas várias divisões.

Ascensão rápida

Em contraste com Galperin e o grupo de executivos que lançaram o Mercado Livre e permanecem em cargos de C-level, Szarfsztejn não estava presente na fundação.

Depois de alguns anos no Boston Consulting Group, ele comandava a unidade de hotéis da empresa de viagens digitais Despegar - conhecida como Decolar no Brasil - quando o então CFO Pedro Arnt lhe ofereceu um cargo estratégico. A princípio, parecia um passo atrás.

“‘Vocês têm trabalhado juntos há 20 anos, o que posso contribuir dizendo como e o que precisa ser feito? Não posso me sentar naquela mesa’”, recordou ter dito a Arnt na época, em um podcast. “Eu sabia o calibre das pessoas. Mas não estava convencido com a função.”

Mas, após quase uma dúzia de encontros para tomar café, foi atraído pela filosofia da empresa, que valoriza ideias acima de cargos ou tempo de casa.

Szarfsztejn assinou em 2017 como chefe de estratégia e, “já no segundo dia”, sentiu-se confiante de que havia tomado a decisão certa.

O movimento deu início a uma ascensão rápida pelos escalões corporativos.

Em menos de um ano, recebeu a missão de liderar a divisão de entregas, conduzindo um esforço logístico que levou a investimentos milionários, desde armazéns e centros de distribuição de alta tecnologia até aviões e frotas de veículos elétricos para agilizar as entregas.

Durante seu tempo no comando da logística, a equipe cresceu de 60 pessoas para 70.000.

Em 2021, Galperin pediu ao cofundador Stelleo Tolda que deixasse o cargo de chefia da divisão de comércio eletrônico para testar Szarfsztejn, de olho no potencial do recém-chegado.

Concorrência de todos os lados

O MercadoLibre é testado por concorrentes de todos os lados.

No comércio eletrônico, a Amazon conquistou presença no Brasil e no México, os dois maiores mercados do Mercado Livre.

Mais de longe, plataformas chinesas de e-commerce como a Temu estão inundando a região com produtos ultrabaratos, o que desestabiliza expectativas de preços e leva governos do México ao Chile a aplicar novos impostos de importação.

“A ameaça existe a menos que intervenções governamentais com tarifas equalizem o campo de jogo”, disse Poonam Goyal, analista da Bloomberg Intelligence.

Szarfsztejn disse que a empresa se adapta às novas regulamentações com agilidade e, mesmo com as novas tarifas, as vendas permanecem firmes em mercados-chave como o México. Ele sustentou que há espaço para crescimento exponencial.

“Há espaço para o comércio eletrônico dobrar ou triplicar em não tantos anos, cabe a nós executar isso”, afirmou.

Um autodeclarado introvertido, Szarfsztejn estudou economia na Universidad de Buenos Aires e depois fez um MBA em Stanford, como Galperin.

Vive em Buenos Aires com a esposa e duas filhas e gosta de ler biografias esportivas. É fã de Rafael Nadal.

Os investidores receberam a transição de liderança com tranquilidade até agora, com as ações estáveis em cerca de US$ 2.300 cada desde o anúncio de maio.

Depois que a empresa registrou receita anual de cerca de US$ 21 bilhões no ano passado, analistas dizem que é o momento certo para uma mudança no topo.

“O mercado está satisfeito com o timing porque vem de uma posição de força, e não de fraqueza”, disse Agarwala, do HSBC. “É reconfortante ter alguém que está conectado ao negócio de comércio e entende como lucrar com fintech.”

Leia mais: Guerra dos cofrinhos: Nubank e Mercado Livre acirram disputa por clientes

O setor de fintech é visto como a maior oportunidade de crescimento para o Mercado Livre.

A unidade Mercado Pago tornou-se uma das carteiras digitais mais populares da região, com 68 milhões de usuários ativos mensais.

Mas concorrentes como o Nubank estão “em sua cola”, enquanto fintechs emergentes em toda a região disputam para capturar sua imensa população sem acesso a bancos, e bancos tradicionais despejam recursos em plataformas digitais.

‘Múltiplos vencedores em fintech’

Szarfsztejn não se intimida.

O negócio de fintech “permite múltiplos vencedores, ao contrário do comércio eletrônico, em que geralmente há um ou dois grandes vencedores em cada mercado.”

A empresa está testando novos projetos para determinar viabilidade.

No Brasil, está em fase piloto com uma plataforma de farmácia.

Na Argentina, oferece serviços de entrega de comida para rivalizar com o Uber Eats e o aplicativo colombiano Rappi, enquanto no México a empresa mira serviços de remessas. Também explora formas de otimizar IA para uma experiência de cliente mais rápida e fluida.

“Sabemos onde está o crescimento em nossos mercados principais”, disse Szarfsztejn. “Mas a oportunidade à frente nos obriga a continuar explorando e experimentando coisas novas o tempo todo.”

O “bairro” do Mercado Livre pode ser difícil, disse ele.

“A América Latina é desafiadora em todos os aspectos. Primeiro por causa da volatilidade geopolítica da região, da infraestrutura e da logística, que são um grande desafio. Além disso, segurança.”

O MercadoLibre raramente faz aquisições e prefere “construir do zero, sem atalhos”, disse ele.

Isso exige muito talento.

“Nosso maior desafio no Meli não é a capacidade de fazer coisas ou ter ideias, é ter o músculo para desenvolvê-las, porque nossos ativos mais escassos são desenvolvedores.”

Como alocar o tempo dos 20.000 desenvolvedores da empresa é crítico, acrescentou.

Szarfsztejn disse que a oportunidade é tão vasta dentro da população da América Latina, acima de 650 milhões, que é “muito improvável” que algum dia busquem outros mercados.

“Minha visão é que seria um mau uso de nossos recursos. Por que procurar consumidores em outro lugar se ainda há tanto a fazer na região?”

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Mercado Livre: frete grátis dá força a alta de 34% na receita, com foco em longo prazo

Como o Mercado Livre define novos negócios e o plano como plataforma de mídia