Bloomberg Línea — A venda da Sinqia, em novembro de 2023, para a Evertech encerrou um ciclo para Bernardo Gomes, co-fundador da empresa de tecnologia para o setor financeiro. Seus planos à época de descansar e “ver a grama do jardim” por um tempo, no entanto, foram adiados por motivos de força maior.
Diagnosticado na mesma época com a doença genética Machado-Joseph — uma condição degenerativa, rara e sem cura —, o empreendedor decidiu transformar a experiência pessoal e o seu tempo então disponível em missão e negócio: nasceu assim a Bright Brains, uma healthtech focada em neuromodulação.
A empresa une ciência da saúde, tecnologia e inteligência de dados para tratar condições como depressão, ansiedade, insônia, TDAH, Parkinson e Alzheimer, com base em protocolos personalizados.
“Foi uma jornada dupla. De um lado, vivia o processo de venda da empresa que fundei há 25 anos. Do outro, descobria que tinha uma doença incurável. E foi aí que a neuromodulação entrou na minha vida”, contou Gomes em entrevista à Bloomberg Línea.
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Gomes permaneceu na Sinqia, já sob gestão da Evertec, empresa com atuação nas Américas, até março de 2024, na posição de CEO. A transação, que levou ao fechamento de capital da empresa brasileira, foi acertada por R$ 2,5 bilhões.
À medida que passava por sessões de tratamento com Ricardo Galhardoni, neurocientista e hoje sócio na Bright Brains, o empreendedor começou a estudar sobre o universo da neuromodulação não-invasiva.
Trata-se de uma técnica que trabalha com impulsos magnéticos ou elétricos em regiões específicas para alterar atividades cerebrais e que pode ser empregada em casos neurológicos e psiquiátricos.
“Quando eu deixei a Sinqia, o meu plano era descansar um pouco e ‘ver a grama crescer’ no jardim. Isso não durou 20 dias e chamei o doutor Ricardo para entrar como o meu sócio”, disse o empreendedor.
Aos dois se juntaram Fernando Pereira, primeiro CFO da Sinqia e executivo que cuidou dos investimentos em saúde do Patria, e Adriano Panda, executivo de criação com passagens por agências como Ogilvy e WMcCann.
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Modelo de negócio
A primeira unidade da Bright Brains foi inaugurada em abril deste ano no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo, e funciona também como laboratório de validação de uma plataforma de inteligência artificial própria.
A empresa está estruturada em três frentes: a abertura de clínicas próprias, uma plataforma SaaS de saúde que usa IA para entregar protocolos a profissionais parceiros e, no futuro, a criação de um instituto para a pesquisa de doenças raras no país.
O avanço no mercado passa também por um processo de educação em relação à técnica e à tecnologia, algo que a empresa também deseja endereçar com a oferta de cursos de formação.
“Ninguém na faculdade de medicina ou de outras áreas da saúde aprende sobre neuromodulação. Não é a mesma situação que se vê na Europa e nos Estados Unidos, onde existem milhares de clínicas de neuromodulação”, afirmou Gomes.
Diferentes pesquisas de mercado posicionam o setor com uma movimentação global em torno de US$ 5 bilhões atualmente, com a projeção de crescimento em torno de 10% ao ano ao longo do próximo quinquênio. Os Estados Unidos despontam como o maior mercado.
A Bright Brains desenvolveu uma plataforma própria de inteligência artificial que analisa dados clínicos e neurológicos dos pacientes — como histórico de saúde, testes cognitivos e mapeamento cerebral — para recomendar o protocolo ideal. Isso inclui tipo de estímulo, intensidade, número de sessões e pontos cerebrais a serem ativados.
“Habitualmente, são fisioterapeutas que fazem neuromodulação no Brasil. Eles sabem aplicar, mas não sabem o que é melhor fazer para cada um dos pacientes. Com a nossa tecnologia, processamos os dados e devolvemos com o protocolo para aquele paciente”, afirmou Gomes.
“O objetivo é que um profissional em qualquer cidade do país, com base no protocolo gerado aqui, possa oferecer o mesmo padrão de tratamento.”
No plano de negócio de partida, as clínicas próprias responderiam por 25% da receita, enquanto 75% viriam da plataforma SaaS, a partir de um modelo que combina mensalidade pelo uso da licença mais um valor relacionado ao volume de análises.
IPO e propósito
O foco de atendimento na clínica está atualmente em três perfis principais de pacientes: aqueles com questões relacionadas à saúde mental, como depressão e ansiedade, e ainda com doenças como Parkinson e Alzheimer; público infantil, com crianças com TDAH ou TEA (Transtorno do Espectro Autista); e adultos em busca de melhora de performance cognitiva ou esportiva.
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O tratamento começa com uma fase de indução, que pode se estender entre 20 e 36 sessões diárias. Depois, há um protocolo de manutenção, que pode ser semanal ou mensal, conforme a condição do paciente. Cada sessão custa cerca de R$ 1.000.
“É um investimento alto no início, mas que tende a sair mais barato que o uso contínuo de medicação ao longo dos anos”, disse Gomes.
O plano é manter a operação com capital próprio ao longo do primeiro ano, que funciona para a validação da tese. Depois disso, a Bright Brains deve buscar investidores para acelerar a abertura de clínicas próprias.
Um estudo realizado pelo Insper mapeou 20 cidades com perfil adequado para receber novas unidades.
O instituto de pesquisa, voltado para doenças raras, será criado com parte dos lucros da operação e buscará parcerias com universidades de ponta no país, como a USP (Universidade de São Paulo).
“Quero que o Brasil esteja na vanguarda do tratamento dessas doenças. Já somos referência em várias áreas da saúde, por que não também em doenças genéticas e neurológicas?”, disse o executivo.
As ambições de Gomes passam por repetir o feito que realizou com a Sinqia e levar a Bright Brains também à bolsa de valores. A diferença é o tempo. A empresa de tecnologia foi lançada em 1996 e abriu o capital cerca de 16 anos depois.
Na nova startup, o horizonte é 2028, quando os sócios esperam que a janela de IPO (oferta pública inicial, na sigla em inglês) esteja novamente acerta no país, a depender dos ventos políticos e fiscais, entre outros fatores.
As premissas levam em conta um faturamento anualizado de R$ 1 bilhão até lá e a criação da rede de clínicas próprias.
“Na abertura de capital, o objetivo é expandir a operação para fora do país porque o processo que usamos de inteligência artificial é até mais avançado do que os empregados em grandes redes americanas e europeias”, disse.
Ao lado da missão de levar a neuromodulação a mais pessoas, Gomes carrega uma motivação pessoal.
“A doença é hereditária. Tenho dois filhos na faixa dos 20 anos. Se pensarmos que eles eventualmente podem ter doença daqui a 40 anos, como eu tive com os 60, eu tenho 40 anos para trabalhar nesse instituto para achar uma forma de tratar melhor ou, quem sabe, curar essa doença”, explicou sobre suas motivações.
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