Bloomberg Línea — Investidor no início da trajetória de negócios que se transformaram em empresas de sucesso como Facebook, LinkedIn, Nubank e ByteDance, o americano Dave Yuan, sócio-fundador da firma de venture capital Tidemark, diz que a guerra tarifária em curso não pode paralisar as startups nem deixá-las em compasso de espera.
“Em um momento como este, em que as tarifas, obviamente, vão mudar a forma como o comércio acontece, haverá vencedores e perdedores. Mais do que nunca, é preciso ter o máximo possível de clareza sobre o que está por vir: observar como isso afetará a demanda, mas, ao mesmo tempo, começar a planejar os próximos passos — e orientar a equipe a fazer o mesmo”, disse Yuan em entrevista à Bloomberg Línea.
“Tem que manter todo o foco no negócio, e não nas diversas nuances e reviravoltas da política comercial”, completou.
Com quase três décadas na indústria de investimentos, Yuan fala com a experiência de quem começou a trabalhar nessa área ainda no século passado e enfrentou a primeira crise logo no início dessa carreira: o estouro da bolha das pontocom em 2000, momento de inflexão na euforia das empresas de tecnologia.
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Depois conviveu com o colapso americano na crise do subprime, em 2008-2009, a crise econômica de 2016, a pandemia de covid e a queda do mercado de venture capital a partir de 2022, com o chamado “inverno das startups” na esteira da alta dos juros e da redução da liquidez de capital.
“De uns quatro ou cinco anos pra cá, já foram uns três ciclos. Significa dizer que o mundo está ficando bem mais volátil”, afirmou.
Yuan fundou a Tidemark em 2021, uma gestora com apelo global que levantou um primeiro fundo de US$ 575 milhões e hoje conta com 11 investidas em diferentes setores.
O portfólio inclui a americana AgVend, com foco no agronegócio, a canandense Clio, plataforma de cloud para advogados, e a holandesa Dutchie, de gestão do mercado de cannabis, entre outras.
O último anúncio foi na startup brasileira Onfly, uma traveltech mineira que combina um software de gestão de viagens corporativas com um marketplace para a compra de passagens, a reserva de hotéis e a locação de veículos.
Os aportes contam com cheques entre US$ 20 milhões e US$ 50 milhões.
Em sua experiência anterior, o investidor passou mais de 16 anos como general partner da TCV, gestora americana com mais de US$ 21 bilhões sob gestão. Foi lá que conduziu aportes em startups que se transformaram em negócios de apelo global, como Facebook e LinkedIn.
“Na crise do subprime e também durante a pandemia de covid, as melhores empresas fizeram exatamente isso [o foco nos negócios]: estabeleceram uma base sólida, controlaram seus investimentos e apostaram no desenvolvimento de produtos, atributos e capacidades internas — tudo para poder olhar adiante”, afirmou.
“Assim, quando os negócios voltaram ao normal, estavam prontas para conquistar o mercado”, disse o investidor.
Dave Yuan citou como exemplo a própria Onfly, startup que entrou no mercado poucos meses antes de a pandemia avançar pelo mundo.
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O momento seguinte foi de queda da receita para zero e cortes significativos no time quando o lockdown se tornou uma realidade em diferentes regiões do país e as empresas suspenderam as viagens sem previsão de retomada.
“Eles [fundadores da Onfly] simplesmente aguentaram firme e conseguiram sair da covid-19 com um impulso incrível e uma liderança consistente. São exatamente esses os aspectos que buscamos para apoiar o líder da categoria."
Além dos efeitos no negócio em si, a postura, defendeu o investidor, contribui para manter um ambiente corporativo mais construtivo, sem os receios de demissões em massa.
“As melhores empresas levaram o risco a sério — e com isso conseguiram fazer cortes precisos, nos lugares certos da organização. Assim, as pessoas não precisavam ficar olhando por cima do ombro o tempo todo, temendo um corte iminente. Elas sabiam que, na medida do possível, suas empresas estavam totalmente financiadas”, disse.
Segundo o investidor, internamente, a Tidemark procura diminuir os riscos dos altos e baixos da economia ao investir em negócios com tendências de longo prazo e que se sustentam, em intervalos de cinco a dez anos.
“É claro que o ambiente político, o ambiente econômico e os mercados de capitais podem atuar como vento a favor ou contra em ciclos curtos e distintos. Mas, no longo prazo, o que realmente prevalece são os produtos, as empresas e a proposta de valor”, explicou.
Com essa estratégia, o investidor contou que a gestora adota uma postura mais conservadora, como aconteceu durante o boom das startups, em 2021, período de juros próximos do zero e abundância de capital.
Recém-capitalizado, o fundo optou por não entrar no que se provou depois ser uma espécie de “bolha” marcada por valuations inflados em muitos negócios que não foram muito além do power point.
Dos US$ 575 milhões captados, a Tidemark ainda mantém o maior volume disponível para novos aportes.
“Se mantivermos disciplina durante os mercados em alta, conseguimos executar com eficiência nos mercados em baixa”, disse. “Na verdade, estamos nos preparando para atuar de forma bastante agressiva nos próximos anos”.
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