Redução do IPI de ‘carro popular’ é alívio para indústria e novo revés a locadoras

Medida do governo que reduz alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados para automóveis que cumpram requisitos de emissões mas também de componentes nacionais deve derrubar preços de usados e afetar rentabilidade de locadoras

Banco Central
21 de Julho, 2025 | 05:42 AM

Bloomberg Línea — O mercado de automóveis deve ganhar fôlego após o governo federal aprovar a redução de alíquotas do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros mais eficientes, além de zerar temporariamente o tributo para modelos compactos 1.0 produzidos no Brasil – antes conhecidos como “populares”.

Grandes grupos que fabricam carros de entrada no país, como Stellantis, Volkswagen, General Motors e Hyundai, devem ser os principais beneficiados.

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Do lado da demanda, consumidores vão comprar automóveis mais baratos, ao passo que as locadoras devem ter perdas de rentabilidade com a queda esperada dos preços dos seminovos, segundo fontes ouvidas pela Bloomberg Línea.

O programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação) estende na prática as duas últimas políticas formuladas para estimular os investimentos em pesquisa e desenvolvimento da indústria automotiva, além de promover a transição energética da frota brasileira.

Na última semana, um decreto no âmbito do Mover instituiu importantes mudanças na incidência das alíquotas de IPI dos automóveis.

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Para a Anfavea, associação que representa a indústria automotiva local, o decreto é uma continuidade da política automotiva voltada para o setor.

“Temos mais uma opção para incentivar aquilo que realmente importa, que são os carros sustentáveis, que emitem menos e que têm etapas fabris no país. Isso tudo é importante para que as montadoras continuem a investir”, disse o presidente da entidade, Igor Calvet, a jornalistas.

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Na visão do consultor automotivo e CMO da Bright Consultoria, Cassio Pagliarini, a intenção do governo é justamente aumentar os volumes da indústria. “O objetivo é vender mais carro, e isso tem que acontecer na base da pirâmide”, disse.

O decreto que instituiu o “IPI verde” define as alíquotas do tributo de acordo com a eficiência energética dos carros.

Dependendo da potência e da motorização, o IPI fica mais caro. Por outro lado, itens relacionados a emissões, combustível, segurança e até reciclabilidade de materiais podem garantir descontos no IPI. Por meio do decreto, o IPI verde torna-se uma política permanente do setor automotivo.

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Já uma regra especial batizada de “carro sustentável” zera o IPI de modelos compactos 1.0 até o final de 2026, desde que sejam produzidos no Brasil.

Segundo o governo, para ter direito ao IPI zero o “carro sustentável” deve emitir menos de 83g de CO₂ por quilômetro; conter mais de 80% de materiais recicláveis; ser fabricado no Brasil (etapas como soldagem, pintura, fabricação do motor e montagem) e se enquadrar em uma das categorias de carro compacto.

As montadoras interessadas devem solicitar ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) o credenciamento dos modelos que atendam a esses requisitos e, após análise e aprovação, uma portaria será publicada com a lista dos veículos aptos a receber o desconto integral. Atualmente, a alíquota mínima para esses carros é de 5,27%.

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Segundo Pagliarini, modelos compactos como o Fiat Mobi e o Renault Kwid, por exemplo, têm potencial de redução do preço final ao consumidor entre 3% e 5% com o IPI zerado. Mas esse impacto deve ser mais abrangente.

Ele afirmou que, no dia seguinte ao anúncio das mudanças, montadoras como Volkswagen, Fiat, Hyundai, Renault e Chevrolet lançaram campanhas de descontos no preço final superiores ao patamar de 5%.

Isso porque, segundo o especialista, as marcas aproveitaram a política do IPI zero e incorporaram aos descontos os chamados “incentivos de vendas”, concedidos à rede: todo mês as montadoras repassam uma “carta” aos concessionários com os descontos permitidos a partir do preço de lista (e que, portanto, não afetam as margens dos concessionários).

Com o discurso de “carro sustentável”, alguns modelos estão sendo vendidos com descontos de até 13% no preço final, relatou Pagliarini.

Além dos compactos e dos subcompactos, a expectativa é que até modelos de SUV de entrada, como os da Fiat e os da Volkswagen, consigam obter enquadramento na política do “carro sustentável”.

Em nota divulgada nos últimos dias, a Stellantis afirmou que “decidiu antecipar a aplicação da isenção total do IPI por meio da marca Fiat”, com uma campanha que “repassa integralmente os descontos da alíquota e ainda integra incentivos adicionais para os modelos Mobi Like, Mobi Trekking e Argo Drive 1.0 MT”.

A Volkswagen informou também em comunicado que os modelos elegíveis da marca já têm novos valores. As versões do Polo ganham novos preços, como o Track, por exemplo, que foi de R$ 95.790 para R$ 87.845. Outros modelos como o sedã Virtus e a picape Saveiro também apresentam novos valores.

O setor automotivo já se beneficiou anteriormente de regras semelhantes ao “carro sustentável” e ao IPI verde.

Em 2012, também durante o governo de Dilma Rousseff, foi lançado o programa Inovar-Auto, com o objetivo de estimular a indústria nacional.

Uma das medidas mais importantes à época foi a elevação do IPI de todos os veículos, nacionais e importados, em 30 pontos percentuais, majoração que poderia ser eliminada caso as montadoras comprovassem produção local.

Na ocasião, marcas importadas, principalmente as asiáticas, cujas vendas cresciam de forma significativa, acabaram elevando os preços ao consumidor devido à majoração do IPI.

Locação de veículos

Com os juros altos e os preços dos carros ainda em patamar elevado, as locadoras vêm desacelerando as compras, relataram fontes à Bloomberg Línea, que falaram sob condição de anonimato porque as conversas são privadas.

As principais empresas de locação realizaram uma parte importante das suas compras no primeiro semestre com IPI “cheio”. No entanto, diante da redução do tributo para modelos de grandes volumes, os carros usados também devem acompanhar o movimento de queda dos preços.

Essa dinâmica pressiona os preços dos seminovos das locadoras, importante segmento de negócio do setor. A tendência é que as empresas acabem revendendo os usados com valores menores do que o esperado.

Na avaliação de um executivo que falou sob condição de anonimato, o patamar da Selic de 15% ao ano freia de forma significativa os investimentos em renovação da frota. Segundo a fonte, o setor está em “pânico” porque o preço do seminovo deve cair.

Para outro executivo, que também falou sob condição de anonimato, as locadoras que possuem grandes volumes de veículos em sua base devem arcar com uma depreciação muito maior da frota com a redução do IPI: apesar da queda brusca do preço do carro novo inicialmente, a retomada do valor real dos veículos no mercado como um todo leva um tempo muito maior após o fim da vigência da regra especial.

Em sua avaliação, o “carro sustentável” é uma iniciativa do governo muito mais “política” do que econômica, uma vez que os preços dos veículos ainda seguem altos, em um contexto de taxas de juros elevadas, inadimplência e retorno da regra do IOF.

Essa fonte acrescentou que o cenário dificulta o crescimento das demais vendas de carro zero, o que deve limitar os ganhos das montadoras e prejudicar as locadoras de forma significativa, que devem amargar uma redução dos preços dos seus ativos.

Para Pagliarini, as empresas de locação terão que baixar os preços dos carros vendidos. “As locadoras vão comprar carros compactos com IPI zero, mas os preços dos seminovos vão cair”, disse o consultor.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.