Parceria com governos é chave para crescer, diz presidente da Novartis em LatAm

Em entrevista à Bloomberg Línea, Pasquale Frega ressalta a relevância de novos modelos de distribuição de terapias com a esfera pública e diz que a região tem janela de oportunidade

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Bloomberg Línea — O investimento público em medicamentos e terapias não deveria ser observado só pela ótica fundamental da melhoria de saúde do paciente mas também como meio de reduzir gastos com internação e outros custos associados. É o que defendeu Pasquale Frega, presidente da Novartis Innovative Medicines para a América Latina e o Canadá, em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea.

“Com a pandemia, vemos governos que finalmente compreendem que o investimento nos cuidados de saúde não é bom apenas para os pacientes mas para a própria economia”, disse o executivo italiano.

Do lado da indústria e da Novartis em particular, há modelos sendo pensados e testados para reduzir o tempo que as grandes farmacêuticas precisam para recuperar investimentos da ordem de US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões em novas terapias, segundo ele. A empresa tem uma equipe de 70 profissionais apenas no Brasil, e milhares no mundo, dedicados a pensar em como torná-las mais acessíveis.

Para a Novartis, uma gigante global com valor de mercado de US$ 225 bilhões e sede em Basel, na Suíça, o crescimento futuro depende não só do investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) como de novos modelos de distribuição para que as terapias cheguem a milhões de pessoas. Nesse sentido, parcerias público-privadas com governos são o motor da expansão do grupo.

Mas ainda há desafios, segundo ele, como o orçamento limitado de órgãos competentes e o tempo que levam para análise e eventual aprovação de novos medicamentos e terapias.

O executivo contou ainda quais as inovações e as tendências que estão moldando o trabalho de pesquisa da indústria farmacêutica e o que está para chegar ao mercado nos próximos anos.

“Cada vez mais, os programas em P&D são adaptados a subconjuntos específicos de pacientes, muitas vezes apoiados por um diagnóstico de base genética, e por isso essas terapias destinam-se a um número limitado de pacientes, mas por vezes são até curativas. Esta é uma grande tendência.”

“A segunda grande tendência é encontrar soluções para grandes causas de mortes ou para grandes áreas de necessidades médicas não atendidas, em que nos últimos anos houve pouco desenvolvimento. Um deles, por exemplo, é a resistência à terapia com antibióticos”, contou o executivo.

Veja a seguir a entrevista com Pasquale Frega, editada para fins de clareza:

Para a Novartis Innovative Medicines, quais são as principais oportunidades de crescimento e qual a estratégia para alcançá-las?

Em primeiro lugar, a Novartis considera as parcerias público-privadas como o principal motor do seu crescimento futuro. O que está claro é que há dois elementos. Um deles é o fato de os cuidados de saúde serem, em qualquer economia, o principal motor do crescimento, e isso é algo que os governos ainda não incluíram de fato em sua agenda para acelerar o investimento.

A pandemia mudou um pouco isso e agora vemos governos que finalmente compreendem que o investimento nos cuidados de saúde não é bom apenas para os pacientes mas para a própria economia. E então a questão é: como pode qualquer governo ou instituição em todo o mundo conduzir uma agenda de cuidados de saúde sem as parcerias público-privadas? E vemos cada vez mais colaborações para combater doenças e as grandes causas de mortes. A pandemia, claro, foi um grande exemplo.

E a Novartis está moldando a sua agenda em torno da oportunidade de vir, por exemplo, ao Brasil ou à América Latina e mudar drasticamente a forma como as doenças cardiovasculares ou de câncer são tratadas, e fazê-lo por meio da colaboração com as instituições.

E qual o segundo elemento?

É a inovação pura. Quando olhamos para as áreas de doenças em que estamos envolvidos, gostamos de ser os primeiros no mercado com um novo produto ou de estar naqueles segmentos de mercado em que podemos realmente fazer a diferença. Doenças cardiovasculares, câncer, especialmente câncer da mama, essas são as áreas em que estamos acelerando a presença e os investimentos.

Existe uma segunda forma de como a Novartis quer crescer, que é a tecnologia. E é uma tecnologia disruptiva. Tivemos um exemplo recente do Zolgensma para AME [Atrofia Muscular Espinhal] para aqueles pequenos pacientes que terão suas vidas salvas por meio da terapia genética. Há um segundo exemplo que, esperamos, também chegará em breve à América Latina, que é a terapia com radioligantes. Temos dados incríveis sobre o câncer de próstata com um produto chamado Pluvicto.

A parceria com governos depende necessariamente de investimento ou pode ser viabilizada de outras formas?

Em primeiro lugar, para mim, existem duas áreas: uma é a tecnologia e a outra é a parceria público-privada. O que a tecnologia proporciona aos sistemas de saúde em todo o mundo são grandes oportunidades para fazer o investimento de forma mais eficaz. É pensar no que pode ser aproveitado de big data na área da saúde, dessa enorme quantidade de dados que está lá e ninguém explora.

É uma área em que tenho visto grandes melhorias em países em desenvolvimento. Mudou a forma de como os cuidados de saúde são prestados a, por exemplo, categorias específicas de pacientes.

E a segunda área é, mais uma vez, a colaboração e a parceria não apenas com as empresas farmacêuticas mas com todos os atores do sistema de saúde. Vou dar o exemplo das doenças cardiovasculares.

Todos sabemos que as doenças cardiovasculares são as que mais matam. Se você olhar as estatísticas, a América Latina está muito acima da média mundial. E as doenças cardiovasculares não são apenas a maior causa de mortes mas também têm um impacto nas despesas com cuidados de saúde de bilhões.

Ao corrigir a forma como um paciente é tratado por meio da tecnologia, de novas terapias disponíveis, você não apenas melhorará o resultado do paciente como o serviço de saúde e diminuirá o gasto em outras áreas, como internação e outros tipos de cuidados aos pacientes. Produtos farmacêuticos representam apenas, em geral, de 7% a 10% do orçamento total da saúde.

Há países que adotam essa estratégia e que são considerados referência?

Há ótimos exemplos na maioria dos países europeus. Os sistemas mais avançados são aqueles dos países nórdicos: Suécia, Finlândia, Dinamarca, Noruega. Por exemplo, sou italiano. Se pensarmos na Itália, é um país onde as regiões - e são 20 regiões - têm grande autonomia. Por essa razão estão mais próximas do que acontece nesse aspecto em termos de prestação de cuidados de saúde, e aí vêem-se muitos exemplos maiores, em que uma forte colaboração entre o nível político, o nível acadêmico, o nível médico e as empresas mudou os ecossistemas para algumas categorias de pacientes.

Isto é comovente. A tecnologia está desempenhando um papel importante. E, mais uma vez, o impacto da Covid mudou a agenda dos tomadores de decisão na maioria dos países. Estamos em uma nova era e todos precisamos compreender o que é necessário para tornar os cuidados de saúde mais acessíveis e sustentáveis. Não se trata apenas de investir mais, mas de investir melhor.

Há outras maneiras de tornar os medicamentos e as terapias mais avançadas acessíveis para as pessoas que não podem pagar?

Um esforço que a indústria busca ao trabalhar com os governos é mudar o paradigma da forma como os produtos são disponibilizados. Há um grande investimento, que provavelmente dura cerca de sete a oito anos e custa entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões, para uma farmacêutica levar um produto ao mercado. Depois que o produto está disponível, normalmente a empresa tem oito anos até que ele se torne genérico e, durante esse período, ela tem que compensar o investimento que fez.

O grande serviço à humanidade é que esse produto, uma vez genérico, se torna incrivelmente acessível em termos de preço, como deveria ser, e disponível para muitos mais milhões, se não bilhões, de pacientes. Agora, nesses oito anos que você tem que ter retorno do investimento.

E é possível acelerar esse retorno que a empresa precisa obter?

Normalmente, os volumes [de vendas] são incrivelmente baixos no início e então há um ramp up, que geralmente dura cinco anos. Durante esse período, há uma flexibilidade limitada em termos de preços. Agora, como fazer com que essa curva mude e permita disponibilizar o medicamento a mais pacientes mais cedo e a um preço mais baixo, é tudo uma questão de parceria público-privada.

Temos um novo produto que, apenas com duas injeções por ano, reduz drasticamente o nível de colesterol descontrolado em pacientes que já tiveram um primeiro evento cardiovascular. Não faz sentido tratar 2% da população no primeiro ano e 10% no terceiro ano, que é a absorção regular do produto. Se conseguirmos disponibilizá-lo ao maior número possível de pacientes desde o início, a indústria conseguirá reduzir o preço ainda na fase inicial dessa janela de oito anos.

Depois, há outro elemento, que é a flexibilidade que temos na Novartis para disponibilizar a inovação rapidamente, com acordos para que sejam acessíveis para a população.

O maior exemplo, não apenas no Brasil, mas provavelmente em muitas partes do mundo, é o que a nossa equipe conseguiu alcançar com o Zolgensma e a sua incorporação pelo sistema público. Os pacientes receberão uma única injeção em um único dia e o efeito durará vários anos, mas o custo total será pago em cinco anos se o benefício for percebido durante o período.

Existem times dedicados a essas estratégias para ampliar o mercado?

Sim, temos milhares de pessoas em todo o mundo que trabalham nas estratégias globais e, depois, em como viabilizar o acesso diário a medicamentos e terapias. No Brasil, são 70 pessoas.

Ou seja, não basta ser uma indústria farmacêutica inovadora em pesquisa mas é preciso também ser eficiente em distribuição.

Às vezes temos algumas barreiras. Vou dar três exemplos. No Brasil, acredito que no período de 2020 e 2021, apenas 30% da inovação global esteve disponível no país, e isso porque há dificuldade e o tempo que leva o processo [de análise] com a Anvisa. No México, a agência local enfrenta um atraso de cerca de 6.000 análises e não consegue processar a tempo porque tem recursos limitados.

Todos nós respeitamos os processos de análise, porque são produtos que entram no corpo humano. Têm que ser revisados. Mas na Colômbia, por exemplo, a agência sofreu alguns ataques hackers no ano passado e não resolveu o problema. E isso acontece em muitas outras geografias do mundo, não é só na América Latina. Portanto, temos que combater a ineficiência da administração pública, que é a nossa primeira barreira, mais uma vez, que enfrentamos para o acesso a medicamentos.

A segunda é a visão da administração pública de que, quando se traz inovação para a mesa, isso é um problema, e não uma oportunidade, porque é preciso procurar um orçamento. E isso, para mim, é um dos aspectos mais frustrantes, eu diria, porque uma empresa gasta de US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões e trabalha de oito a dez anos para desenvolver um produto e então o leva para o mercado, mas algumas pessoas não querem dedicar tempo [para análise] ou não têm orçamento disponível.

Se olharmos para os produtos farmacêuticos gastos como uma forma não apenas de melhorar os resultados dos pacientes mas também de reduzir a hospitalização e todos os outros aspectos que geram muitos custos, seria mais fácil e rápido.

Quais são os medicamentos e as terapias que os pacientes podem esperar para os próximos anos?

Quando olhamos para a América Latina, as oportunidades de curto e médio prazo se alinham nas áreas cardiovascular e no câncer. Em cardiovascular, como mencionei, existem esses produtos que, com apenas duas injeções por ano, permitem uma rápida reação de pacientes que não estão respondendo às estatinas, com a redução do colesterol. São pacientes que já tiveram um evento cardiovascular e que estão, portanto, em alto risco.

O segundo é no câncer de mama. Foram publicados recentemente dados sobre um impacto de um dos nossos produtos, o Kisqali, para mulheres jovens que agora podem dizer adeus à quimioterapia e mudar completamente em termos de expectativas de sobrevivência mas também de qualidade de vida.

O terceiro é o câncer de próstata e a terapia com radioligantes. Durante 20 anos, não houve melhoria no resultado dos pacientes com câncer de próstata que falharam em uma ou duas linhas de terapia. A nova tecnologia, que também é limitada no tempo em termos de terapia, porque são quatro a seis ciclos, prolonga dramaticamente a sobrevivência dos pacientes. E o câncer de próstata é o número um em homens.

São terapias aprovadas ou em processos de aprovação para uso no Brasil.

E dos medicamentos e das terapias que estão no pipeline, em fase de testes? Quais as grandes promessas?

Temos cem programas de desenvolvimento, poderia ficar horas contando. E é difícil resumir. Mas há uma área que provavelmente será nosso próximo grande foco: os pacientes que não respondem a nenhum agente antipsicótico. Portanto, temos uma população inteira com esquizofrenia, depressão, que não responde a nenhuma terapia disponível. Se tivermos sucesso no desenvolvimento, será outra área de grandes necessidades médicas não satisfeitas em que queremos desempenhar um papel.

Pensando nos próximos cinco a dez anos na indústria farmacêutica, e não apenas na Novartis, quais serão os grandes avanços que podem ser esperados?

Em primeiro lugar, digamos que há dois grandes jogos sendo disputados. Aquele que se concentra em terapias personalizadas para cada paciente, que proporcionam alta eficácia e grande segurança. Cada vez mais, os programas em desenvolvimento são adaptados a subconjuntos específicos de pacientes, muitas vezes apoiados por um diagnóstico de base genética, e por isso essas terapias destinam-se a um número limitado de pacientes, mas por vezes são até curativas. Esta é uma grande tendência em P&D.

A segunda grande tendência é encontrar soluções para grandes causas de mortes ou para grandes áreas de necessidades médicas não atendidas, em que nos últimos anos houve pouco desenvolvimento. Um deles, por exemplo, é a resistência à terapia com antibióticos.

Um dos grandes temores de governos em todo o mundo é que a próxima pandemia não seja viral mas de uma bactéria. Não temos investigação suficiente sobre antibióticos. Vemos governos em todo o mundo que estão financiando novas investigações sobre antibióticos, porque isso é algo que foi abandonado nos últimos 20 anos. Portanto, a pandemia desempenha um papel importante para que possamos seguir o caminho da prevenção em vez de buscar a solução quando for tarde demais.

Por outro lado, há um subconjunto de pacientes negligenciados. Existem cerca de 8.000 doenças raras listadas, e temos terapias para 150 delas. Portanto ainda existem mais de 7.800 doenças raras que não têm uma solução terapêutica.

Afinal, por que a Novartis decidiu criar uma divisão chamada de Innovative Medicines?

Tínhamos duas divisões: uma que era mais voltada apenas para oncologia e hematologia; e outra que historicamente foi chamada de medicina geral, por ter produtos que eram em sua maioria destinados à atenção primária. Com o tempo, o portfólio de P&D e o portfólio de produtos comercializados da divisão de medicina geral tornaram-se cada vez mais produtos especializados usados principalmente em hospitais ou em casos em que o diagnóstico é feito em ambiente hospitalar. Esse negócio ficou muito próximo do de oncologia e então não fazia mais sentido ter duas divisões. E é por isso que essas duas divisões foram combinadas em uma única divisão chamada Innovative Medicines.

A Innovative Medicines também existia porque temos a Sandoz, de terapia genérica. É de conhecimento geral que a Sandoz será desmembrada e se tornará uma unidade independente e, assim, a Novartis terá completado a sua transformação de uma empresa que, há apenas alguns anos, tinha atuação em Saúde Animal, Vacinas, produtos OTC [para o consumo sem receita], resultados de negócios oftalmológicos e outras divisões, em uma única que se concentra exclusivamente em medicamentos inovadores.

Ou seja, a Novartis decidiu ser uma empresa com foco mais específico?

Na primeira década deste século e na última década do século passado, havia o entendimento de que diversificar o seu negócio era uma forma de reduzir os riscos. Portanto, havia muitas empresas que produziam desde pasta de dente até produtos contra o câncer. E isso mudou, porque o ritmo da inovação acelerou. Se uma empresa quer ser boa e ter sucesso, precisa estar focada.

Qual a importância da América Latina para a Novartis?

Não apenas sob a perspectiva da Novartis, a América Latina é uma área muito interessante nos mercados, porque estamos vendo um aumento contínuo de investimentos, públicos e privados, em saúde. Em comparação com outras geografias como, por exemplo, a Europa, temos um crescimento significativo na região porque há uma demanda por cuidados de saúde.

A pandemia acelerou a necessidade dos governos de encontrarem soluções para tratar cada vez mais pacientes e por isso estamos muito comprometidos com a região, não apenas com o Brasil. A Novartis é uma das grandes empresas que decidiu manter uma presença muito grande da região e, por isso, cresceremos e continuaremos a investir significativamente na América Latina.

Penso que existe uma janela de oportunidade interessante porque, na Ásia, a China está ofuscando todos os outros mercados. Existem tensões geopolíticas entre a Europa, a Rússia, a China e os Estados Unidos, enquanto a América Latina pode ser realmente o próximo caminho de crescimento porque, a partir dessa perspectiva, podemos ver alguma realocação da indústria e de outras atividades.

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