Bloomberg Línea — Em um mundo onde crianças passam em média seis horas diárias em frente a telas, a Mattel tem liderado o que seu diretor-geral para a América Latina, Gabriel Gálvan, define como uma “contra-revolução analógica”.
Ao completar 80 anos em 2025, a companhia apresenta dados que desafiam o senso comum: em estudo global com mais de 33.000 participantes, 87% das pessoas concordam que brincar ajuda a reduzir a solidão e o isolamento, enquanto 81% acreditam que brinquedos físicos enriquecem a experiência infantil de formas que plataformas digitais não conseguem replicar.
A tese é ousada: em vez de competir com o mundo virtual, a Mattel busca posicionar seus produtos como a âncora emocional para reconectar gerações em uma era de desconexão.
“Evoluímos de fabricante tradicional de brinquedos para uma empresa global de entretenimento impulsionada por propriedade intelectual”, afirma Gálvan em entrevista à Bloomberg Línea.
“Hoje, nosso sucesso vai muito além das vendas de brinquedos — é medido pela força de nossas marcas em um ecossistema que inclui conteúdo, experiências digitais, publicações e parcerias estratégicas."
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O executivo revela números que comprovam a estratégia: no Brasil, a Mattel triplicou sua capacidade logística em 2024 com novo centro de distribuição e mantém parcerias com mais de 50 licenciados locais, transformando o país em laboratório para um modelo de negócios que transcende o varejo tradicional.
Os resultados dessa transformação aparecem em dados concretos de mercado.
Os carrinhos Hot Wheels em miniatura, vendidos individualmente nas lojas, são o brinquedo mais vendido no Brasil pelos últimos cinco anos consecutivos. O dado é da Circana, empresa de pesquisa de mercado especializada em dados de varejo.
A marca também domina no streaming: a primeira temporada da série animada Hot Wheels Let’s Race passou quatro semanas no Top 10 Global de TV da Netflix.
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A Mattel foi a primeira empresa de brinquedos a estabelecer estande próprio na CCXP em São Paulo, um dos maiores eventos de cultura pop do mundo, sinalizando que suas marcas transitam entre gerações — dos carrinhos de R$ 10 aos colecionadores adultos que movimentam um segmento premium em expansão.
“Hot Wheels não vende carrinhos. Vende nostalgia multigeracional, comunidade e conexão emocional entre pais e filhos”, afirma Gálvan.
A aposta em tecnologia segue lógica semelhante: complementar, não substituir. A empresa anunciou recentemente parceria com a OpenAI para desenvolver aplicações de inteligência artificial seguras e apropriadas para crianças, além de investir em realidade aumentada e virtual integradas aos brinquedos.
“Em vez de competir com plataformas digitais, garantimos que o tempo de tela se torne um complemento ao brincar”, diz o executivo.
Para 2026, a Mattel prepara dois lançamentos cinematográficos: He-Man e os Mestres do Universo — franquia nostálgica dos anos 80 — e Matchbox, marca de carrinhos em miniatura. A estratégia replica o modelo de Barbie, que se tornou fenômeno de bilheteria em 2023, com projeção de crescimento de 5% no faturamento das marcas.
No Brasil, onde o Dia das Crianças concentra as maiores vendas anuais do setor, a Mattel lançou coleção de 12 chaveiros retrô com a varejista Ri Happy, realizou ativações no Shopping Cidade São Paulo e levará a Barbie Run — corrida temática cor-de-rosa — para Rio, Belo Horizonte e São Paulo.
“Nosso estudo revela que 70% dos adultos sentem que ainda carregam uma ‘parte de criança’ dentro deles”, afirma Gálvan. “Conquistamos a confiança das famílias brasileiras desde 1998, e continuaremos investindo em talentos locais e conteúdo relevante.”
A seguir, a entrevista completa com o executivo sobre transformação, inovação e os planos da Mattel para redefinir o brincar nas próximas décadas, editada para fins de clareza.
O que diferencia o mercado brasileiro em comparação com outros países da América Latina para a Mattel?
Gabriel Gálvan: O Brasil é um de nossos mercados globais mais importantes e estratégicos. É um país extremamente diverso com uma cultura rica e feriados únicos, como o Dia das Crianças, que representa uma temporada de pico para a Mattel localmente.
O México abriga uma de nossas maiores fábricas no mundo, mas o Brasil é um exemplo de licenciamento e hub para iniciativas localizadas. Eventos como “Hot Wheels Legends”, uma competição automotiva de grande escala, foram adaptados para a versão brasileira nos últimos cinco anos.
Para apoiar esse crescimento e garantir eficiência operacional, abrimos um novo centro de distribuição em 2024 que triplicou nossa capacidade logística, mantendo também escritório local.
Que novas categorias de produtos e extensões de marca devemos esperar nos próximos anos?
Baseado em nossa estratégia, vocês podem esperar crescimento em várias áreas. Isso inclui categorias de lifestyle, como moda e acessórios; conteúdo digital, com aplicativos e jogos; linhas de colecionador, com foco em edições especiais; e experiências presenciais, como eventos temáticos.
Também lançamos conteúdo novo este ano — para a Barbie, estreamos o especial de 60 minutos “Barbie & Teresa: Receita de Amizade” em março, onde a história explora a herança mexicana de Teresa. Lançaremos novas linhas de brinquedos inspiradas nesses conteúdos animados.
Como a nostalgia influencia a estratégia da Mattel com pais millennials e Geração Z?
A nostalgia é um pilar central. Os pais que cresceram com nossos brinquedos querem compartilhar essas experiências com seus filhos, criando uma conexão intergeracional. Isso impulsiona vendas e nos permite criar campanhas que ressoam com memórias afetivas, como a coleção de 12 chaveiros retrô que lançamos com a Ri Happy.
Reconhecendo o desejo entre pais modernos por engajamento tradicional e sem telas, estamos focados no ressurgimento de padrões clássicos de brincadeira. Isso inclui categorias como Fisher-Price Wood, linha que lançamos recentemente e que atende diretamente pais millennials que priorizam brinquedos duráveis, tradicionais e de alta qualidade.
A parceria recente da Mattel com a OpenAI chamou atenção. Como a inteligência artificial será aplicada aos brinquedos?
Anunciamos recentemente que estamos investindo em IA por meio de parcerias como a com a OpenAI, garantindo aplicações seguras e apropriadas para a idade. Estamos trabalhando para complementar e aprimorar o brincar físico, criando experiências que sejam apropriadas, seguras e focadas na privacidade.
Também estamos incorporando realidade aumentada e virtual em ecossistemas de brinquedos como o Hot Wheels digital play, expandindo experiências digitais interativas que complementam o brincar físico. Na América Latina, isso significa plataformas digitais localizadas e conteúdo em português e espanhol.
Hot Wheels domina tanto no varejo quanto no streaming. Como essa presença multiplataforma funciona na prática?
Hot Wheels não vende apenas carrinhos — vende nostalgia multigeracional, comunidade e conexão emocional entre pais e filhos. Isso fica claro quando vemos que a primeira temporada da série animada Hot Wheels Let’s Race passou quatro semanas no Top 10 Global de TV da Netflix, na categoria inglês. Acabamos de lançar a terceira temporada em março.
Nossa parceria estratégica com plataformas como a Netflix nos permite oferecer conteúdo exclusivo que aprofunda a conexão com a marca, e depois lançamos linhas de brinquedos inspiradas nesse conteúdo animado. É um ciclo virtuoso onde o físico alimenta o digital e vice-versa.
O segmento de colecionadores adultos tem crescido. Como vocês trabalham esse público?
Hot Wheels é uma verdadeira franquia multigeracional que conecta meninos e homens de todas as idades. Estamos impulsionando crescimento no vital segmento de Colecionadores Adultos, que buscam nostalgia e paixão pela marca. Esse público alimenta parcerias de licenciamento de alto valor e consome edições especiais.
Você pode esperar crescimento em linhas de colecionador com foco em edições especiais, além de expansão em categorias de lifestyle como moda e acessórios. O carrinho físico de R$ 10 é apenas o token que desbloqueia um universo muito maior.
A Barbie Run está se expandindo para três capitais. O que essa corrida representa para a marca?
Barbie Run se tornou um símbolo de diversão e vida saudável. Estamos expandindo de São Paulo para Rio de Janeiro e Belo Horizonte este ano — será dia 26 de outubro no Rio, 2 de novembro em Belo Horizonte e 9 de novembro em São Paulo.
Isso reflete nossa transformação em uma empresa de entretenimento onde os brinquedos são apenas o começo de um ecossistema muito mais amplo de experiências para os consumidores. Eventos como esses demonstram como nossas marcas se conectam culturalmente com o público local.
Quais são as iniciativas específicas da Mattel para o Dia das Crianças brasileiro?
Nossas iniciativas para o Dia das Crianças são completamente localizadas e utilizam uma estratégia de comunicação 360 graus para celebrar nosso 80º aniversário. Firmamos parceria com o Ri Happy Group na campanha “Dia das Crianças aprovado por Crianças”, com a Barbie como influenciadora digital, ação de mídia exterior na Avenida Paulista e uma ativação imersiva e interativa no Shopping Cidade São Paulo, que aconteceu de 2 a 5 de outubro.
Lançamos uma coleção exclusiva de 12 chaveiros retrô colecionáveis inspirados em nossas marcas icônicas. Cada ponto de contato foi totalmente adaptado à cultura brasileira e projetado para criar experiências memoráveis para todas as gerações.
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