No ‘molho secreto’ do iFood, um programa que prepara líderes para novos projetos

Em momento de expansão acelerada e entrada em novas áreas de negócios, tech brasileira tem no ‘Entrepreneur in Residence’ um meio para desenvolver ainda mais executivos seniores com DNA empreendedor, diz o VP de RH, Raphael Bozza, à Bloomberg Línea

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Bloomberg Línea — Recentemente, o iFood acertou a contratação da executiva Juliana Yamada, com experiência em cargos de liderança em empresas como Neon, Gradus Consultoria e Citi, em momento em que uma das maiores techs do país acelera o crescimento, amplia suas áreas de atuação e enfrenta novos concorrentes.

Seu primeiro compromisso na nova casa, no entanto, não está vinculado a uma missão específica. Yamada passou a integrar o Entrepreneur in Residence, nome do programa desenvolvido pelo iFood para preparar lideranças sêniores para projetos de alto impacto que estão por vir.

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Por seis meses, a executiva passará por imersão em diferentes áreas do iFood, vai conhecer os principais projetos e terá experiência na prática de como opera um ecossistema de negócios que inclui de restaurantes a entregadores.

Também terá acesso a tecnologias avançadas adotadas pela companhia, além de dados estratégicos e mentoria com outras lideranças.

O programa, que já preparou em anos anteriores executivos seniores como Luana Ozemela, hoje VP de Impacto e Sustentabilidade, e Bruno Henriques, CEO do iFood Pago e antes VP de Growth e de IA, é considerado um dos “molhos secretos” da companhia para suportar o seu alto nível de crescimento com lideranças alinhadas com a sua cultura.

“A Juliana tem o DNA empreendedor. Ela vai conhecer a fundo o que é o iFood, os nossos valores e a nossa cultura e a forma como trabalhamos e, daqui a seis meses, vai assumir o desafio para o qual pensamos nela”, disse Raphael Bozza, VP de Recursos Humanos (CHRO) do iFood, em entrevista à Bloomberg Línea.

O programa acelera a curva de aprendizado de profissionais experientes em empreendedorismo e inovação com a forma como o iFood opera e pensa o futuro, com a perspectiva de longo prazo, segundo ele.

O componente de “pessoas” é considerado fundamental dentro da estratégia em momento em que o crescimento da companhia ganha tração e o negócio multiplica de tamanho.

Em agosto, como reflexo do momento citado, o CEO do iFood, Diego Barreto, anunciou no evento anual iFood Move, em São Paulo, a contratação de 1.100 pessoas - a maior parte em tecnologia - no período de um ano até março de 2026, o que ampliará o quadro para 8.600.

As contratações fazem parte do plano que prevê R$ 17 bilhões de investimento no mesmo período.

Dois anos antes, o quadro tinha 6.000 colaboradores, o que significará um aumento de 43% no período e dá a dimensão do ritmo de expansão.

“A contratação da Juliana, que é uma profissional mais sênior, reflete o perfil que buscamos: nos últimos 12 meses, contratamos mais de 60 pessoas para cargos de liderança com essa veia empreendedora, pessoas que fundaram ou lideraram empresas e que querem construir novas coisas e gerar impacto”, disse.

Segundo o CHRO, que está há quatro e meio na companhia, “todo o nosso processo de recrutamento de liderança tem dois atributos que são diferentes do que é praticado em geral no mercado”.

“Um é o Bar Raiser, que é a última etapa: o candidato é entrevistado por uma pessoa que não tem relação com o processo com o objetivo de avaliar um aspecto: se ele é alinhado culturalmente. E essa pessoa tem o poder de vetar a contratação."

É um processo semelhante ao que é adotado na Amazon.

E o segundo elemento é o envio de áudios das principais lideranças do iFood, incluindo o CEO, para a pessoa aprovada e que aceitou a oferta em que ressaltam a importância da cultura da empresa e descrevem os valores.

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Bozza disse que possui três grandes drivers no comando da área de pessoas do iFood.

“O primeiro é acelerar talentos e formar lideranças; o segundo, protagonizar a gestão da mudança, ou seja, viabilizar como trazer a mudança para a companhia e também mecanismos que suportem isso, o que passa por IA [veja mais abaixo].”

“E o terceiro é garantir uma cultura forte, algo que, para nós, é inegociável.”

A cultura é tangibilizada no que é chamado internamente de JIT: “Jeito iFood de Trabalhar”, explicou. Segundo ele, isso passa por comportamentos como “sonhar grande, ”ter apetite constante para crescer e evoluir mais" e o estímulo a “conflitos produtivos, que é encorajar as pessoas a questionar ideias de colegas com argumentos, não importa a hierarquia”. São sete elementos ao todo.

Relacionado ao JIT, o iFood conduz a gestão dos funcionários com quatro valores: “a inovação, o resultado, o all together e o empreendedorismo". “É saber que você poderá estar remando contra a corrente 80% do tempo, mas, ainda assim, persistir e ter a capacidade de mobilizar as pessoas para fazer acontecer.”

São valores disseminados há alguns anos no iFood, antes até da fase recente de crescimento mais acelerado, desde os tempos de Fabricio Bloisi, que deixou o comando em maio passado para assumir como CEO da Prosus.

“Nós vamos ser uma empresa que cresce e que impacta o mundo”, disse em referência à ambição que o executivo costumava pregar.

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Antes do iFood, Bozza trabalhou sete anos na antiga ALL, hoje Rumo, e cinco anos na Kraft Heinz, dos quais dois no Oriente Médio; ou seja, teve ampla experiência no que poderia ser chamado de “escola 3G”, em referência ao estilo de gestão consagrado pelas lideranças globais da 3G Capital.

A atenção com a preparação de lideranças sêniores para novos desafios foi por muitos anos uma das marcas registradas dos negócios comandados por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira - e, depois, Carlos Brito -, nos anos de construção do império de bebidas que viria a dar origem à AB InBev e em muitos outros negócios com crescimento acelerado.

De volta ao Brasil, Bozza trabalhou um ano no Nubank na época de pandemia, antes de entrar para a gigante de tecnologia e líder em delivery.

Nos últimos dois anos em particular, um de seus focos tem sido estimular e desenvolver uma cultura de trabalho conectada ao uso de Inteligência Artificial, o que aprofunda uma abordagem iniciada muitos anos antes, em 2018.

Isso inclui de ferramentas internas para disponibilizar a IA generativa no dia a dia das pessoas a programas como hackatons para gerar conhecimento sobre casos reais de aplicação. E também levar o tema para a agenda de desenvolvimento de RH.

“Nós colocamos isso [desenvolver as pessoas no uso de IA] como um dos papéis das lideranças, e o uso da tecnologia entra na avaliação dos funcionários. E temos uma verba para cada pessoa dentro do PDI, Plano de Desenvolvimento Individual. Garantimos que parte da verba seja destinada para IA", disse o CHRO.

O iFood conta com mais de 190 modelos proprietários de IA, que entregam resultados práticos como aumento da taxa de conversão de pedidos a melhora da experiência do usuário, parte como reflexo pelo estímulo a essa cultura, segundo ele.

“É um exemplo do driver que mencionei na gestão de RH: protagonizar a mudança na prática e prover as pessoas das ferramentas necessárias para que isso aconteça”, afirmou Bozza, que ressaltou que isso é também, no fim do dia, uma forma de tangibilizar e alinhar a busca pelo propósito de cada um com o que é definido pela companhia como um todo, de “alimentar o futuro do mundo”.

-- Em atualização.

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