Herdeiros da Dicompel atraem empresa global e expõem potencial do middle market

Em entrevista à Bloomberg Línea, André Gaspar, 33 anos, conta como a empresa familiar atraiu a espanhola Simon Electric como sócia, ao mesmo tempo em que manteve o controle do negócio e ganhou acesso a capital e a plataforma para exportação

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Bloomberg Línea — O empresário André Gaspar, 33 anos, enfrentava um dilema comum a empresas familiares brasileiras: como expandir globalmente sem perder o controle do negócio construído ao longo de décadas.

A solução veio de uma ligação para pedir conselhos que se transformou em proposta de aquisição. A Simon Electric, multinacional espanhola presente em mais de 90 países, ofereceu à Dicompel não apenas capital mas uma plataforma global para exportar um produto tipicamente brasileiro: chuveiros elétricos.

A transação, concluída em outubro e publicada em primeira mão pela Bloomberg Línea, transferiu o controle da Dicompel para a Simon - o percentual exato não foi revelado por questões contratuais de confidencialidade.

A família Gaspar manteve sua participação acionária e André permanece como diretor comercial da operação — agora também responsável pelas vendas da multinacional no Brasil.

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A meta estabelecida da empresa é ambiciosa: quase triplicar o faturamento combinado entre 2025 e 2030, com chuveiros elétricos e soluções de conectividade inteligente como principais vetores de crescimento.

A Dicompel continuará a operar sob sua própria marca e estrutura, agora inserida em uma plataforma de alcance global. Com estimados 5% de participação no mercado elétrico brasileiro, segundo Gaspar, a estratégia é clara: explorar os 95% restantes agora com capacidade ampliada e portfólio expandido.

“Em 2026 nós já projetamos ‘bater’ o que o business plan aponta para o terceiro ano”, afirmou Gaspar à Bloomberg Linea.

O empresário indicou que a linha de chuveiros elétricos deve representar entre 30% e 40% do faturamento da Dicompel no horizonte do plano, com lançamento de produtos até 40% mais baratos que os da concorrência.

A operação exemplifica um movimento crescente no middle market brasileiro: empresas familiares buscam sócios estratégicos internacionais com foco não apenas por capital mas no acesso a novos mercados e tecnologia.

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Gaspar disse que a família recebeu propostas de grandes empresas globais, mas optou pela Simon por questões como a continuidade da gestão e da identidade da Dicompel.

Segundo a Bloomberg Línea apurou com fontes de mercado, Schneider Electric e Legrand teriam sido duas empresas que apresentaram interesse.

Middle market aquecido

Felipe Petersen, fundador da overA Capital, boutique que assessorou a Dicompel na transação ao lado do escritório Lobo de Rizzo Advogados, disse que o middle market brasileiro mantém dinamismo apesar de juros elevados.

A overA, assessoria de M&A especializada no middle market e focada exclusivamente no lado do vendedor, fechou quatro transações no ano passado e projeta encerrar 2025 com pelo menos oito negócios, número que pode ser superado.

“O ano passado foi o nosso segundo ano de operação. Neste ano vamos pelo menos dobrar em número de deals”, afirmou Petersen à Bloomberg Línea.

Segundo ele, empresas sólidas do middle market conseguem atrair compradores estratégicos mesmo em cenário macroeconômico desafiador.

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“Para uma companhia boa, bem administrada, sempre vai haver compradores interessados. Muito do valor da transação está em explorar bem as sinergias com o comprador estratégico”, afirmou o executivo.

A operação entre a Dicompel e a Simon Electric exemplifica esse movimento: a proximidade prévia entre as empresas facilitou as negociações, mas exigiu coordenação para equilibrar o desejo dos fundadores de expansão internacional com a transição geracional na empresa familiar.

A nova estrutura com o M&A mantém a família na empresa: Ana Carolina Gaspar, irmã de André, assume a diretoria de marketing das duas marcas, enquanto Antônio Gaspar, pai de André e cofundador da Dicompel, passa a integrar o conselho da companhia.

Oportunidades de mercado

A estratégia da Dicompel se apoia em uma assimetria da indústria em que atua: o mercado brasileiro de tomadas e interruptores movimenta R$ 1,2 bilhão distribuídos entre mais de 40 fabricantes, segundo Gaspar.

Já o segmento de chuveiros elétricos concentra R$ 3,5 bilhões em apenas cinco empresas, em que a Lorenzetti detém estimados 80% de participação.

“Quando você começa a olhar outros países, essa concentração está no top 10”, explicou Gaspar.

A espanhola Simon Electric, por sua vez, identificou na Dicompel uma empresa com capacidade industrial para exportar chuveiros elétricos — produto de uso restrito a poucos mercados globalmente — para África, México e outros países onde a multinacional já possui escritórios comerciais.

A Dicompel, com sede em São Paulo e unidades industriais em Minas Gerais, já realizava exportações pontuais para Angola, Paraguai e mercados africanos.

“Era uma venda passiva. Agora, com escritórios em cada país, deixamos de ser uma pequena exportação para uma grande exportação”, afirmou o executivo.

Modernização industrial

Além dos chuveiros, o plano conjunto prevê lançamento de novas séries de tomadas e interruptores, com fortalecimento das linhas de conectividade inteligente Simon 82 IO e S26 IO.

A integração contempla modernização das operações industriais, sinergias logísticas e investimentos em desenvolvimento de produtos.

A Simon Electric opera no Brasil há duas décadas, com fábrica em Belo Horizonte voltada à produção de tomadas e interruptores.

A Dicompel mantém parcerias consolidadas com Leroy Merlin, Telhanorte, Sodimac e MadeiraMadeira, além de distribuidores regionais. Canais digitais representam 20% das vendas, enquanto varejo físico responde pelos demais 80%.

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