Fundador da First Brands é acusado de suposto desvio de recursos da empresa

Credores que assumiram o controle da fabricante de autopeças após a recuperação judicial acusam o empresário de suposta fraude; ele nega as acusações

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Bloomberg — No início, a fatura de venda indicava US$ 179,84. Depois, o valor passou para US$ 9.271,25 — 50 vezes mais.

Foi mais um artifício em uma série de supostas manobras — de números adulterados e garantias questionáveis a financiamentos fora do balanço e até um caixa paralelo — que, segundo os assessores da First Brands Group, teriam sido usados pela empresa.

No centro de tudo isso, afirmaram os advogados da companhia na Justiça na segunda-feira (3), estaria o fundador Patrick James. O empresário, nascido na Malásia, teria convencido grandes instituições de Wall Street a emprestar somas vultosas à sua fabricante de autopeças e depois se apropriado de milhões — ou até bilhões — desses recursos, segundo a ação judicial.

Dezessete “carros exóticos”, mansões “luxuosas” em Malibu e nos Hamptons, contas de seis dígitos com um “chef celebridade” e um personal trainer. Essas são apenas algumas das acusações relacionadas ao suposto estilo de vida extravagante do empresário.

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O colapso da First Brands em setembro — uma fabricante de médio porte que normalmente não chamaria tanta atenção em Wall Street — expôs fragilidades no mercado de crédito.

Mas a ação civil apresentada na segunda-feira, que cita a fatura adulterada e dezenas de outros documentos semelhantes, acrescenta novos capítulos ao drama financeiro. E revela uma história mais sombria — a de uma vida de luxo financiada por anos de fraude supostamente deliberada.

A ação afirma que James desviou centenas de milhões de dólares da First Brands, enquanto a empresa falsificava suas contas e usava as mesmas garantias para conseguir empréstimos privados e financiamentos fora do balanço.

James “deturpou a situação financeira da First Brands para obter bilhões em financiamentos por dívida”, diz o processo. Em seguida, “desviou secretamente parte dos ativos da empresa para sustentar seu estilo de vida luxuoso e o de sua família.”

Um porta-voz de James negou com veemência as acusações dos credores nesta terça-feira (4), chamando a ação de “infundada” e “especulativa”.

“O sr. James sempre conduziu seus negócios de forma ética e continua comprometido em apoiar todas as partes envolvidas na reestruturação da First Brands”, disse o representante em nota enviada à Bloomberg News.

Os advogados de James afirmaram em documentos apresentados à Justiça na noite de terça-feira que as alegações sobre transferências de recursos não são sustentadas por provas ou rastreamento documental de ativos e “parecem basear-se apenas na suposição infundada de que, se fundos foram transferidos em período próximo a gastos pessoais de James, esses valores necessariamente teriam sido usados nessas despesas.”

Chef famoso

Entre as acusações está a de que James teria orientado a First Brands a levantar dinheiro vendendo faturas inexistentes ou adulteradas a empresas de factoring, que compram recebíveis de empresas em troca de liquidez imediata.

A First Brands também acusa o fundador de misturar contas pessoais e corporativas e de ter drenado mais de US$ 700 milhões da companhia. Segundo os advogados de James, não há provas contábeis ou documentais que sustentem essa acusação.

Quando entrou com pedido de recuperação judicial, em 28 de setembro, a First Brands tinha apenas US$ 12 milhões em caixa, de acordo com registros judiciais.

Entre as acusações apresentadas, James teria usado dinheiro das contas da First Brands para pagar US$ 500.000 a um “chef celebridade” particular neste ano e pelo menos US$ 3 milhões de aluguel por um imóvel em Nova York. (O nome do chef não foi divulgado.)

James também é acusado de supostamente ordenar o envio de faturas que eram reembolsadas pela Battery Park Holdings, empresa de sua propriedade. A First Brands teria transferido mais de US$ 10 milhões à Battery Park entre 2018 e 2025 para cobrir despesas pessoais suas e de sua família, segundo os documentos.

Uma das faturas apresentadas pela Battery Park à First Brands em 2023 pedia o reembolso de mais de US$ 110.000 referentes a uma estadia de seis semanas em um “hotel em Southampton” com duas pessoas sem vínculo com a empresa, segundo a ação.

Ao longo dos anos, segundo a acusação, a First Brands teria feito outras transferências significativas a entidades controladas por James, em momentos “muito próximos” da compra de imóveis e veículos de luxo. Isso inclui desembolsos feitos antes da compra de uma casa em Malibu, em 2019, e outra nos Hamptons, em agosto de 2021.

Além da frota de carros exóticos, a ação afirma que James é dono de pelo menos sete propriedades.

Congelamento de bens

A situação chegou a um ponto tão grave que os assessores da empresa pediram a um juiz de falências do Texas que bloqueasse as contas bancárias de James.

Charles Moore, CEO interino da First Brands, afirmou em documento judicial que a companhia teme que James, residente em Ohio, fuja dos Estados Unidos, descrevendo-o como “cidadão malaio” com “centenas de milhões de dólares à disposição.” Procuradores federais investigam o caso, segundo a Bloomberg News informou em outubro.

“James é cidadão americano, com fortes vínculos empresariais e financeiros nos Estados Unidos”, rebateu o porta-voz em nota nesta terça-feira. “Ele não é cidadão da Malásia desde 1988. A ideia de que possa fugir do país é totalmente absurda.”

A ação civil indica que as irregularidades na First Brands eram mais amplas do que se imaginava e foi apresentada poucos dias depois de alguns credores acusarem a empresa de “fraude generalizada.” A próxima audiência no processo de falência está marcada para quinta-feira, no Texas.

A fatura de US$ 179,84, datada de 9 de maio, foi agrupada com milhares de outras e vendida à Katsumi Global, uma joint venture entre o Norinchukin Bank e a trading japonesa Mitsui. Outras faturas compradas pela Katsumi também estavam infladas, algumas em até US$ 12.000 ou US$ 15.000, segundo a ação.

No total, o pacote de faturas foi tão supervalorizado, afirmou Moore em documento apresentado na segunda-feira, que a Katsumi pagou cerca de US$ 11 milhões por contas da First Brands que, na realidade, valiam apenas cerca de US$ 2,3 milhões.

Um advogado da Katsumi disse que a joint venture tem uma exposição de US$ 1,75 bilhão à fabricante de autopeças em falência.

Os advogados de James afirmaram nesta terça-feira que os assessores da First Brands tentam “difamar” o fundador da empresa para conseguir o bloqueio de seus ativos. Segundo eles, os consultores da companhia apresentaram uma versão parcial dos fatos e ignoraram grandes somas que James teria investido na empresa antes da recuperação judicial — cerca de US$ 40 milhões durante o último verão.

Disputas com credores

A ação também lança luz sobre um possível conflito entre credores que detêm cerca de US$ 6 bilhões em dívidas sêniores da empresa e instituições que fizeram negócios com veículos de propósito específico (SPVs) da First Brands fora do balanço.

Moore afirmou que esses SPVs não mantinham registros contábeis adequados e que uma investigação independente sobre o colapso ainda está em andamento. No entanto, ele acrescentou que parece que o mesmo estoque que a First Brands teria transferido para os SPVs continuava registrado como garantia nos contratos de empréstimo da empresa e em outras linhas de crédito.

A suposta dupla utilização das garantias pode gerar uma disputa entre credores na Justiça falimentar. A First Brands deve voltar ao tribunal de falências do Texas na quinta-feira.

Enquanto isso, credores afirmaram em documento apresentado na quarta-feira que o financiamento de US$ 1,1 bilhão obtido pela First Brands no processo do Capítulo 11 — destinado a bancar uma possível reestruturação — é “possivelmente um dos mais arriscados da história recente.”

“Há agora acusações documentadas de fraude em larga escala contra o fundador e CEO, Patrick James, além de investigações criminais em curso”, disseram os credores. “Isso coloca em risco o próprio futuro da empresa.”

--Com a colaboração de Irene García Pérez.

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