Bloomberg Línea — Desde que Francisco Gomes Neto chegou à presidência da Embraer (EMBR3), em 2019, a expressão “tempestade perfeita” poderia se aplicar à jornada enfrentada pelo executivo em diferentes momentos.
Além da herança de uma fusão não concretizada com a Boeing (BA), o executivo enfrentou desafios como os efeitos da pandemia, a falta de insumos decorrente da guerra na Ucrânia, a crise no comércio exterior com os ataques de rebeldes no Mar Vermelho e os atrasos na cadeia de fornecedores.
Gomes se diz confiante na perspectiva de crescimento contínuo da companhia, a despeito do aumento das incertezas com a guerra tarifária liderada pelo governo dos Estados Unidos de Donald Trump.
“Mesmo com mais uma crise que enfrentamos, estou confiante. Vamos entregar os resultados que nos propusemos para 2025 e os anos seguintes serão melhores ainda”, disse o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.
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A empresa divulgou nesta terça-feira (6) o resultado financeiro referente ao primeiro trimestre, quando a receita atingiu R$ 6,4 bilhões, um aumento de 44% na comparação anual. Trata-se do melhor desempenho da companhia para o primeiro trimestre em quase uma década, desde 2016.
Os números consistentes tornaram a Embraer um caso de sucesso entre investidores: as ações praticamente dobraram de valor em 12 meses e saltaram 365% em uma janela de três anos, para R$ 66,46 cada uma.
Na entrevista, Gomes Neto descreveu a estratégia da companhia e os fatores que, em sua avaliação, sustentam essa expectativa de expansão dos negócios. Veja abaixo os cinco principais pontos:
1. Nivelamento da produção
Gomes relatou que o principal fator que impulsionou o desempenho recorde no trimestre foi resultado de um processo de mudança do cronograma de entregas da companhia (antes concentradas no segundo e no quarto trimestres do ano).
Essa alteração foi batizada de “nivelamento da produção”.
“Isso trazia um impacto negativo na eficiência e na geração de caixa. O avião é um produto muito caro. Recebíamos o dinheiro na entrega, mas o caixa ficava negativo ao longo do ano”, explicou.
Desde 2023, a companhia desenvolve e implementa um projeto com consistência na distribuição das entregas ao longo das 52 semanas do ano. Isso envolve um amplo trabalho para antecipar as entregas de peças.
“Mais do que negociação com os fornecedores, estamos usando digitalização e inteligência artificial para mapear a cadeia inteira, incluindo os subfornecedores, para que a entrega das peças ocorra exatamente quando precisarmos”, disse Gomes.
Ele acrescentou que a companhia poderia ter elevado ainda mais as entregas, mas optou por um planejamento mais conservador.
Atualmente, o fornecimento de motores melhorou para um dos modelos produzidos pela aviação comercial, mas piorou em outro. Na aviação executiva, houve avanços de maneira geral. “Os problemas vão mudando ao longo do tempo, mas hoje não há uma crise sistêmica [na cadeia]”, afirmou.
2. Gestão
Gomes disse que a empresa conseguiu estabelecer uma cultura em que o alerta de problemas não é visto como algo negativo.
“Problema é notícia ruim que vem tarde”, afirmou.
Com foco em engajamento, busca de soluções e resultado, ele salientou que a companhia vai conseguir resolver todas as crises que vierem no futuro.
“Sempre achamos um jeito de resolver os problemas. Nesse sentido, também vamos resolver o desafio das tarifas [comerciais].”
O executivo disse que, no primeiro trimestre, a empresa não sofreu impactos da guerra tarifária, mas, a partir de abril, as entregas de aviões para os Estados Unidos já contêm as tarifas extras, que serão recolhidas e pagas pelos clientes.
Já os aviões fabricados pela Embraer em solo americano pagarão aumento de tarifas sobre as peças importadas - o conteúdo americano nos produtos da companhia gira em torno de 40% a 50%, contou Gomes.
“Para este ano, devemos ter um impacto de US$ 70 milhões a US$ 80 milhões [com a guerra tarifária]. Mas acreditamos que será possível mitigar esses efeitos através de ações como redução de custos e melhorias de eficiência.”
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3. Gestão da dívida
Outra frente prioritária em que a Embraer vem trabalhando é a da gestão da dívida.
Segundo o balanço da companhia, no primeiro trimestre houve uma redução de R$ 3,7 bilhões na dívida bruta (sem contar a Eve) em relação ao período imediatamente anterior e de R$ 2 bilhões na comparação anual.
“A Embraer tem feito um bom trabalho de liability management, reduzimos muito a dívida. Também conseguimos alongar o perfil e temos conseguido fazer tudo isso com taxas internacionais muito competitivas”, disse.
A fabricante estendeu a duração da dívida para 6,3 anos, ante 3,8 anos no quarto trimestre. Com essa gestão ativa, a empresa encerrou o mês de março com uma alavancagem medida pela relação da dívida líquida sobre o Ebitda de 0,5 vez, ante 1,8 vez no mesmo período do ano anterior.
Ele citou ainda a conquista de financiamentos importantes com o BNDES como parte da estratégia para melhorar o perfil do endividamento.
4. Novos clientes
No primeiro trimestre, a carteira total de pedidos da companhia atingiu US$ 26,4 bilhões, superando o recorde histórico estabelecido nos três meses anteriores.
Gomes disse que a Embraer tem trabalhado em inúmeras frentes de vendas na aviação comercial na América do Norte, na Europa e na Ásia.
“Estamos trabalhando em campanhas em praticamente todos os continentes, muito mais em 2025 do que no ano passado. Não esperamos ganhar todas, pois enfrentamos uma concorrência dura, mas isso nos ajuda a aumentar o backlog, que já atingiu patamar histórico.”
Atualmente, a Embraer fornece para a Azul (AZUL4) no Brasil e, por ora, não há negociações em curso com outras aéreas que operam no país.
“Não existe negociação com a Latam, mas uma vontade grande de vender para eles, assim como para a Gol”, disse.
5. Defesa
No segmento de defesa, a fabricante brasileira tem conseguido avançar em diversas negociações. “O conflito [comercial] em si é negativo, mas os investimentos nas forças armadas é positivo para nós”, disse Gomes.
O executivo ponderou que as campanhas de negociações para o cargueiro KC-390 já têm rendido frutos. “Esperamos fechar neste ano contrato com a Suécia e com a Eslováquia, que anunciaram intenção de compra”, disse.
Na Índia, bem como nos Estados Unidos, também há potencial de contratos para o KC-390. A companhia tem viabilizado ainda diálogos com governos de Japão, Arábia Saudita, China e Vietnã, entre outros.
A companhia espera produzir cinco unidades do KC-390 em 2025, seis em 2026 e chegar a dez por ano antes de 2030, sem contar os potenciais volumes citados da Índia e dos Estados Unidos.
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Transição energética
Embora as incertezas tenham crescido no cenário global para a transição energética, o CEO da Embraer se disse confiante na Eve (EVE), sua empresa controlada no negócio de veículos elétricos de decolagem e pouso vertical (eVTOLs, na sigla em inglês), também conhecidos como “carros voadores”.
O executivo que lidera a Embraer reforçou a expectativa de que a certificação deve chegar à Eve em 2027.
“O eVTOL vai transformar as grandes metrópoles. Temos quase mil pessoas trabalhando nesse projeto. Estou muito confiante”, disse Gomes.
“O eVTOL vai ser uma contribuição importante para o crescimento futuro da Embraer”, acrescentou.
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