Bloomberg Línea — Antes da abertura oficial de sua primeira unidade no país, no Shopping Iguatemi, a rede sueca H&M operou por meses, “abaixo do radar”, uma loja que poderia até ser confundida por um consumidor desavisado como a sua unidade de estreia no país, no Market Place, em São Paulo. Não fosse um “detalhe”: não havia clientes.
“É uma loja com 350 metros quadrados que tem tudo: caixas, provadores, armazéns, exposição de roupas. Só não estava aberta ao público. É uma loja-modelo em que treinamos todos os nossos funcionários que trabalham em lojas”, contou Joaquim Pereira, Country Manager da H&M no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.
Segundo ele, o treinamento que classificou como “cuidadoso”, sem a pressão de clientes e do peso da abertura, é importante para que os funcionários possam aprender e oferecer uma melhor experiência em loja.
“Há um investimento tremendo para suportar o crescimento da operação, com pessoas que formamos, para o Iguatemi e o Anália Franco [a segunda unidade no país, inaugurada nesta quinta-feira, dia 4 de setembro] e para as próximas aberturas", disse o executivo português.
A loja-modelo - que ficará em funcionamento pelo menos até abril de 2026 - é liderada por um profissional brasileiro que é gerente de uma unidade da H&M em Melbourne, na Austrália, mas que foi selecionado para participar do processo de formação da tão aguardada operação no Brasil da rede global de fast fashion, após anos de espera por parte de consumidores.
Esse profissional vai ficar ao todo quatro meses no país, liderando o processo de formação dos colaboradores que vão trabalhar nas lojas da H&M.
Leia mais: Na C&A, melhora contínua da jornada de compra sustenta o crescimento, diz CEO
Não se trata de um caso isolado, segundo Pereira.
“Quando anunciamos internamente que iríamos operar no Brasil e abrimos para quem quisesse participar do processo, tivemos interesse de cerca de 1.200 funcionários da H&M globalmente, em sua maioria brasileiros espalhados por outros países, que se candidataram para participar dessa construção. Cem foram selecionados.”
O investimento em capital humano tem papel fundamental na estratégia de negócios da H&M, segundo o Country Manager, que participou do início de operações da rede sueca em outros países, incluindo na América Latina.
Com mais de 30 anos na empresa, ele trabalhou em mercados como Estados Unidos, Alemanha, Portugal e Espanha, Chile, Uruguai e México, entre outros.
“Nós recrutamos mais do que necessitamos para poder formar as pessoas que vão trabalhar conosco. Investimos muito em formação porque queremos que cresçam junto com a rede. Muitas das nossas líderes na empresa no mundo são pessoas que vieram das lojas”, disse o executivo.
Segundo ele, 95% do quadro pessoal no Brasil, que deve chegar a 450 pessoas ao fim deste ano, é formado por trabalhadores locais. Muitos dos novos colaboradores, como parte do treinamento, foram enviados para conhecer outras operações e viajaram de avião para o exterior pela primeira vez.
Pereira não abriu o tamanho do investimento já realizado e previsto para os próximos anos, como parte da estratégia de início da operação no Brasil.
“Será uma expansão com passos curtos, mas seguros, em vez de começar a correr a passos largos e depois correr o risco de não aguentar a pressão”, definiu.
O tamanho da ambição no Brasil da H&M, rede que se tornou sinônimo de fast fashion no mundo junto com a espanhola Zara, foi simbolizado também pela presença de sua liderança global para a abertura no Iguatemi.
Estratégias inéditas da rede global
O CEO global, Daniel Ervér, e o presidente do conselho de administração, Karl-Johan Persson, membro da terceira geração da família fundadora sueca, participaram do evento e do ato simbólico de cortar a fita da unidade inaugural.
“As novas lojas no Brasil contam com o que há de mais novo em termos de design e experiência. Um cliente que já conhece a H&M de outros países, mesmo dos Estados Unidos, por exemplo, vai encontrar uma experiência melhor aqui”, disse Pereira.
A ambição também se expressa, segundo Pereira, com decisões de negócios que classificou como inéditas para a rede que tem vendas anuais da ordem de US$ 24 bilhões em 79 mercados, com mais de 4.000 lojas.
“Decidimos vir com um compromisso muito grande, com estratégias que nunca tínhamos adotado antes em outros mercados”, disse Pereira.
Esse compromisso se expressa, afirmou, com a decisão de iniciar a operação com relevante sortimento local - calçados femininos são produzidos no país, por exemplo, entre outras categorias, e isso vai aumentar com o tempo.
Segundo ele, uma novidade foi a entrada com lojas físicas e operação de e-commerce em funcionamento ao mesmo tempo desde o primeiro dia de operação no Brasil, incluindo uma versão em app.
Outra novidade foi a decisão de abrir quatro lojas nos primeiros três meses de operação no país - as próximas duas serão no Parque Dom Pedro Shopping, em Campinas e no Morumbi Shopping, em São Paulo.
“Normalmente em um mercado novo não se faz isso porque sabemos que há uma curva de aprendizagem”, disse o executivo português.
Os primeiros dias de operação da loja serviram, de fato, como aprendizado dos ajustes necessários diante de uma demanda que excedeu as expectativas, mas cujo plano de início de operação já previa essa possibilidade.
O centro de distribuição em Extrema, Minas Gerais, por exemplo, ocupa uma área de 25.000 metros quadrados, com previsão de expansão para 40.000 metros quadrados.
“Houve muita especulação no começo, sobre posicionamento e preços, especialmente depois que anunciamos que a primeira loja seria no Iguatemi. Quando abrimos a loja e os consumidores puderam conhecer as coleções e os preços, posso dizer que ficaram encantados. A demanda tem sido muito alta nestes primeiros dias”, disse.
Um levantamento por amostragem conduzido por analistas de equity research do BTG Pactual apontou que alguns dos preços da H&M no Brasil estão cerca de 30% mais baixos do que os da Zara, para a mesma “cesta de produtos”, e perto de 40% mais elevados do que os de varejistas locais como a Riachuelo.
Aumento de provadores. E adoção do Pix
Segundo ele, a rede decidiu aumentar em 50% o número de funcionários na loja do Iguatemi e ampliar o quadro no Shopping Anália Franco.
O número de provadores (30) e de pontos de caixa (15) na segunda unidade da rede no país também aumentou em decisão tomada nos dias seguintes à abertura no Iguatemi, diante da demanda acima do esperado.
Outra decisão tomada foi a de passar a oferecer o pagamento por Pix, algo já viabilizado tanto para a compra em lojas como no e-commerce.
“Sabemos que a experiência não nasce perfeita. Buscamos aprender com o que não funciona ou precisa melhorar e nos ajustar rapidamente, porque esse é um dos nossos valores e por causa da concorrência”, disse.
Ao citar especulações, o executivo fez referência a comentários que surgiram nos meses que antecederam o início de operação, sobre o tamanho da ambição da rede sueca e o seu posicionamento de mercado em relação a varejistas de marca já estabelecidos no país há muitos anos ou décadas (veja mais abaixo).
Pereira disse que outra especulação se deu com a escala 5x2 (sequência de cinco dias de trabalho e dois de descanso) que a rede varejista decidiu adotar no país e que também faz parte do citado planejamento de formação de profissionais.
“Falaram que adotamos isso porque não conseguimos recursos. Não é verdade. Temos recursos. Operamos com esse modelo também em outros países porque entendemos que é importante equilibrar vida profissional com pessoal. Se você vai a uma loja da H&M, percebe que não é fácil trabalhar, há muita demanda”, disse o executivo.
“Esperamos, de verdade, poder contribuir para essa reflexão no varejo do país.”
Leia mais: H&M no Brasil: como a chegada da rede sueca afeta o varejo, segundo o Santander
Segundo ele, a preocupação da H&M com a formação dos funcionários faz parte de valores defendidos pelos acionistas controladores, da família Persson. Outro valor fundamental é o trabalho em equipe, disse Pereira.
“Na véspera da abertura da loja no Anália Franco, todos os cerca de 60 funcionários do escritório ajudaram para deixar tudo pronto. O sucesso da loja é o sucesso do escritório. Não pode haver dois sucessos diferentes na empresa.”
Houve também especulações e algum grau de ceticismo da parte de analistas sobre a capacidade da rede sueca de conseguir sucesso comercial em um país com presença de redes globais como Zara e C&A, além de players locais que também estão entre as líderes de mercado, como Renner e Riachuelo - e isso sem contar o avanço de plataformas digitais asiáticas como Shein e AliExpress.
É um ceticismo em parte alimentado pela experiência mal-sucedida de redes internacionais que chegaram com alarde em anos recentes e não conseguiram se firmar, com posterior fechamento da operação no país - por exemplo, caso da americana Forever 21 e da britânica Top Shop.
“As marcas locais são fortes em nível de qualidade, em preços... por essa razão, temos que ser capazes de aprender rapidamente para conseguir competir com eles”, disse o executivo.
Com sua presença inicial em shoppings, a H&M disputará a atenção dos clientes com muitos dos players acima citados, em alguns casos, frente a frente, como no caso do Iguatemi, em que há uma loja histórica da C&A também na entrada do mall.
O Iguatemi foi escolhido para abrigar a primeira unidade da H&M no país em parte em razão da potencial repercussão da estreia, o que de fato se comprovou no shopping de luxo mais tradicional de São Paulo e do Brasil.
Essa decisão significou ao mesmo tempo abrir mão de parte da experiência completa da rede sueca, de acordo com o executivo, uma vez que a unidade tem 1.000 metros quadrados - um espaço grande para o padrão do Iguatemi, mas limitado para a H&M. Por essa razão, a empresa decidiu colocar apenas coleções femininas no local.
A segunda loja da rede no país, no Anália Franco, na zona leste da capital paulista, conta com 2.000 metros quadrados e também coleções masculinas e infantis.
A terceira unidade, no Parque Dom Pedro Shopping, em Campinas, terá 2.600 metros quadrados. “Esses são os tamanhos padrão das nossas lojas.”
“Nos perguntam por que demoramos tanto para entrar no Brasil... foi por causa de recursos mas também pela necessidade de conseguirmos encontrar lojas com o tamanho que consideramos adequados, e isso inclui espaço de descanso e alimentação aos funcionários”, disse o Country Manager da H&M, em referência mais uma vez ao cuidado humano que apontou como fundamental para a operação.
Leia também
Renner: alta de 1.850% da ação em 20 anos reflete desempenho e governança, diz CEO
Guararapes amplia margens e tem condições de acelerar abertura de lojas, diz CEO
Shein acelera no Brasil com 300 fábricas parceiras e já chega a 30 mil sellers