Bloomberg — Quando o advogado do At Home Group se apresentou a um juiz da Corte de Falências dos Estados Unidos no mês passado, com um pedido de anulação de quase US$ 2 bilhões da dívida da varejista, o motivo foi rápido: tarifas.
Essa é uma linha de defesa que aparece cada vez mais nos tribunais.
A importadora de azulejos Mosaic culpou as tarifas em um processo recente. Poucas semanas antes, havia sido a fornecedora de autopeças Marelli e o comerciante de alumínio Sinobec Group.
Ao todo, as tarifas foram apontadas como um dos principais motivos de pelo menos dez pedidos do gênero nos Estados Unidos desde o início de abril, quando o presidente Donald Trump revelou pela primeira vez uma nova onda de impostos, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
Mas, para muitos economistas e analistas, o jogo de culpar as tarifas não se sustenta - pelo menos por enquanto.
Por um lado, é simplesmente muito cedo para que as últimas tarifas tenham causado um impacto material no desempenho corporativo, especialmente para empresas que normalmente carregam estoques de vários meses, dizem eles.
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Além disso, dados recentes que mostraram um sólido crescimento do emprego, o aumento dos salários e uma taxa de desemprego persistentemente baixa indicam que a economia ainda se mantém resiliente.
Esse é o capítulo mais recente de um manual de recuperação judicial e até de falência bastante acionado, em que as empresas atribuem seu colapso a tudo, desde consumidores inconstantes a oscilações cambiais - até mesmo ao mau tempo -, menos a seus próprios erros de gestão.
Embora os observadores de mercado digam que as tarifas poderiam eventualmente levar várias empresas em dificuldades ao limite, no momento elas são vistas mais como uma desculpa para encobrir problemas mais profundos.
“As empresas estão enfrentando dificuldades, mas as tarifas não as levaram à quebra”, disse Stephanie Roth, economista-chefe da Wolfe Research.
“Até que o mercado de trabalho comece a se deteriorar de forma realmente negativa, não há grandes motivos para acreditar que os consumidores devam se retrair ou que a economia esteja se enfraquecendo o suficiente.”
Veja o caso da At Home, que vende de tudo, de móveis para pátios a tapetes e decoração genérica de paredes. Seus problemas começaram bem antes da última rodada de tarifas de Trump.
Sobrecarregada com uma alta carga de dívidas após sua aquisição em 2021 pela empresa de private equity Hellman & Friedman, o impacto da pandemia de covid-19 nas cadeias de suprimentos levou ao aumento dos custos de material e mão-de-obra.
À medida que os consumidores passaram a gastar mais em viagens e lazer, a diminuição da demanda por produtos domésticos também prejudicou o desempenho, levando a rebaixamentos na classificação de crédito e a uma reestruturação em 2023.
No mês passado, a empresa sediada no Texas informou que fechará pelo menos 26 de suas mais de 250 lojas como parte do seu processo.
Na loja de Rego Park, no Queens, em Nova York - uma das que a empresa planeja fechar -, os clientes que enfrentaram o calor do verão em busca de pechinchas lamentaram seu fechamento.
“Estou um pouco triste por ver esta loja ir embora, porque é muito mais fácil conseguir algo que se encaixe em seu estilo”, disse Diana Delacruz, 22 anos, que estava à procura de itens na liquidação da loja.
Um representante da At Home não quis comentar.
A Marelli, fornecedora de autopeças, por sua vez, disse em um processo judicial que foi “gravemente afetada” pelos ventos contrários provocados pelas tarifas de automóveis lançadas pelo governo Trump há alguns meses.
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No entanto a empresa, que fornece sistemas de iluminação e suspensões para grupos automotivos como a Stellantis e a Nissan, já enfrenta a incerteza do setor, uma vez que a eletrificação e a automação forçaram as montadoras a mudar sua estratégia para lidar com a queda nas vendas nos principais mercados.
“As pressões de mercado que afetam toda a indústria automotiva e os volumes de produção mais baixos que começamos a observar há um ano, muito antes da implantação das tarifas atuais, foram os principais problemas que restringiram nosso capital de giro”, disse Fernando Vivanco, diretor de comunicações da Marelli, em uma resposta por e-mail a perguntas da Bloomberg News.
Gota d’água
Algumas empresas afirmaram que as tarifas são apenas um dos vários motivos pelos quais enfrentaram dificuldades.
Em seu relatório de junho, a Sunnova Energy International afirmou que os cortes nos subsídios do governo, a inflação e as taxas de juros mais altas estavam reduzindo a demanda por seus equipamentos - e mencionou que as tarifas mais recentes eram outro obstáculo.
Nomes proeminentes do setor, incluindo a SunPower Corp., a Lumio e as operações da Meyer Burger Technology nos Estados Unidos, também entraram com processo de recuperação judicial ou falência no ano passado.
Um representante da Sunnova se recusou a comentar sobre o pedido.
Segundo agentes de mercado, a depender de como as negociações atuais do governo Trump se desenrolarem, as tarifas poderão, em última instância, desempenhar um papel muito maior na quebra de empresas nos próximos meses.
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Indicadores econômicos recentes - gastos do consumidor, vendas no varejo, atividade fabril dos Estados Unidos - já mostram uma redução na demanda em meio à incerteza política.
O número de empresas com maior risco de inadimplência está em uma alta de 11 meses, disse a Moody’s Ratings em um relatório no início da última semana.
Até o momento, entretanto, o dano geral às empresas foi contido.
A S&P Global Ratings disse no início deste mês que “apenas” 31 cortes de nota de crédito - downgrades - nos últimos meses foram vinculados a tarifas, o equivalente a menos de 1% do total de suas ações de classificação.
Por enquanto, há quem diga que, se os planos de reestruturação já estivessem em andamento, as imposições de Trump podem ter servido apenas como motivação para o pedido de recuperação judicial mais cedo.
Alguns desses “cheiram a pessoas de capital privado que são adeptas do uso das leis de concordata para facilitar a reestruturação de uma empresa que querem manter, mas que tem um ônus de dívida insustentável”, disse Todd Baker, membro sênior do Richmond Center for Business, Law, and Public Policy da Universidade de Columbia.
-- Com a colaboração de Steven Church.
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