Bloomberg Línea — No hall de entrada do Inteli, em São Paulo, um painel com cerca de três metros de altura traz uma lista de cerca de 60 doadores que apoiam a instituição de ensino sem fins lucrativos idealizada por Roberto Sallouti e André Esteves.
Entre os nomes gravados em placas de metal está o da Gerdau, gigante do setor de aço da família Gerdau Johannpeter. A empresa é uma das que fizeram mais doações para o Inteli, ao lado da Fundação Behring, de Alexandre Behring, um dos sócios da 3G Capital, e do Instituto MRV, a organização filantrópica da incorporadora MRV, do empresário Rubens Menin.
Os doadores são indivíduos e famílias, além de empresas e fundações ligadas a alguns dos mais ricos empresários e executivos do país – alguns deles com patrimônio de bilhões de dólares.
Eles se aliaram ao projeto de Sallouti e Esteves e família – respectivamente, CEO e presidente do conselho do BTG Pactual (BPAC11) – para criar uma faculdade de cursos de tecnologia, que combina o ensino de negócios no modelo conhecido como Project Based Learning com habilidades de liderança.
Seu objetivo de longo prazo é ambicioso: alcançar patamar semelhante ao de universidades e instituições de ensino que estão entre as mais bem avaliadas e mais renomadas do mundo, como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a Universidade de Stanford, na Califórnia.
“O Brasil pode ter instituições de ponta. Não é porque nós estamos aqui que não dá para ser uma das melhores do mundo”, disse Sallouti em entrevista recente à Bloomberg Línea.
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Não é uma meta trivial.
A Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934, é considerada a melhor do país e a segunda da América Latina. A renomada instituição brasileira está “apenas” na 108ª posição no mundo entre um total de 1.501, segundo o QS World University Rankings 2026, divulgado em junho deste ano.
Considerando apenas as áreas de engenharia e tecnologia, a situação não é muito diferente.
A melhor universidade brasileira no ranking novamente é a USP, na 67ª posição global. Na América Latina, a instituição brasileira fica em segundo lugar, atrás do Instituto Tecnológico de Monterrey, no México.
Fundado em 2019, o Inteli (Instituto de Tecnologia e Liderança) nasceu da convicção dos empresários do setor bancário de que a educação é capaz não só de aumentar a produtividade como de transformar o país, segundo Sallouti.
Além disso, segundo contou, ele e a equipe também notaram que as faculdades brasileiras formam o mesmo número de engenheiros há décadas.
Isso ocorre mesmo depois que a demanda por esse tipo de conhecimento aumentou com o crescimento dos empregos ligados à tecnologia. Portanto, há uma necessidade de mudar esse quadro, argumentou.
Com uma população de 203 milhões de pessoas, o Brasil formou 795.000 alunos de graduação em cursos de bacharelado em 2023.
Direito (111.500), Administração (90.200) e Enfermagem (53.300) são os cursos com o maior número de concluintes, segundo dados do Ministério da Educação (MEC).
Todos os cursos no país de áreas de Computação e TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) formaram, somados, 21.700 alunos no país no mesmo ano. O número representa menos de 3% do total de alunos concluintes, e tem se mantido relativamente estável desde 2010.
A USP formou 236 alunos em cursos de Computação e TIC em 2023 (dado mais recente disponível), número pouco acima dos de outras instituições renomadas no segmento, como a Unicamp (98) e a UFRJ (48).
Em busca dos melhores estudantes
Atualmente o Inteli tem 620 estudantes, que frequentam algum dos cinco cursos de graduação: Engenharia da Computação, Engenharia de Software, Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Administração de Empresas com ênfase em tecnologia.
Por ano, cerca de 160 novos alunos são aprovados no processo seletivo, sendo que aproximadamente 80 são bolsistas. O BTG Pactual se compromete em cobrir os custos de 50 novos alunos por ano, enquanto os demais são apoiados por outros doadores.
Cada bolsa tem o valor de R$ 125.000 por ano. Isso significa que a quantia anual para cobrir os custos dos bolsistas pode chegar a cerca de R$ 10 milhões em cada ano dos cursos da graduação.
O processo seletivo é dividido em três etapas e ocorre de forma diferente de um vestibular tradicional.
Em primeiro lugar, os estudantes fazem uma prova de lógica e matemática, para avaliar os conhecimentos adquiridos no ensino médio. Em seguida, passam por uma avaliação de uma comissão sobre seu histórico de vida e de atividades extracurriculares realizadas.
Por fim, os candidatos participam de uma dinâmica de grupo para avaliar a capacidade de comunicação, colaboração e de pensamento crítico.
Os alunos que conseguem atingir uma nota mínima são aprovados. Separadamente, os candidatos fazem a inscrição no programa de bolsa se não tiverem condições de arcar com o valor do curso.
Uma vez aprovados no processo seletivo, esses candidatos bolsistas podem receber uma bolsa que cobre custos de mensalidades, moradia, alimentação, transporte, dependendo da necessidade de cada um.
“A nossa meta é ter os melhores alunos. O grande problema do Brasil é que a oportunidade é mal distribuída. Quem passa no processo seletivo nas primeiras colocações ganha uma bolsa se não puder pagar”, disse Sallouti.
Bolsas de R$ 500 mil por aluno
O Inteli trabalha com um modelo conhecido como “adote um aluno”, no qual o doador se compromete a cobrir os gastos de um ou mais bolsistas específicos durante toda a sua graduação, a um custo total de R$ 500 mil por aluno.
As bolsas cobrem mensalidade, auxílio moradia, auxílio alimentação, auxílio transporte, notebook e aulas de inglês. Sallouti, por exemplo, apoia um total de 40 alunas – especificamente meninas –, sendo 10 novas estudantes por ano.
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Outro doador é Bruno Serapião, CEO da Atvos, empresa produtora de etanol e açúcar que tem o fundo Mubadala, de Abu Dhabi, como acionista de referência.
Ex-aluno bolsista do MBA do Insead, na França, e formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e pela UFRJ, ele disse ter idetificado na proposta da nova faculdade de tecnologia uma oportunidade de retribuir o apoio que recebeu ao longo da sua formação.
“A educação, de fato, muda o patamar das pessoas e muda a sociedade”, afirmou à Bloomberg Línea.
Sua primeira doação financiou uma bolsa em homenagem ao avô, professor de português e de origem negra, direcionada a um estudante do Rio de Janeiro vindo de uma área pouco favorecida. “Eu queria tentar promover essa ascensão social do mesmo jeito que foi comigo.”
Com o tempo, o envolvimento cresceu.
Hoje, a Atvos financia bolsas para alunos do Centro-Oeste e desenvolve projetos com estudantes do Inteli em tecnologia aplicada ao agronegócio. A empresa também participa dos cursos de educação executiva oferecidos pela faculdade.
Em outra modalidade, doadores do Inteli também contribuem com valores menores para um fundo anual de bolsas, que ajudam a cobrir custos mais específicos, como intercâmbio, iniciação científica, além de moradia, alimentação e laptop. Nesses casos, as cotas variam de R$ 15.000 a R$ 52.000.
Impacto nos alunos
Segundo a CEO do Inteli, Maíra Habimorad, o instituto tem três perfis de doadores: pessoas físicas que conquistaram patrimônio e querem devolver para a sociedade de alguma forma; fundações familiares que já desenvolvem um trabalho filantrópico; e empresas que desejam investir no projeto como parte de uma estratégia de responsabilidade social.
“O BTG ancora com 50 bolsas e nós captamos o restante com outros doadores. Todo ano nós temos batido a meta”, disse ela.
“As pessoas que conseguiram construir patrimônio querem de alguma forma devolver para a sociedade. Mas querem devolver em projetos que elas possam acompanhar, que elas saibam para onde o dinheiro está indo, e que estejam alinhadas com os seus valores.”
No total, são 308 bolsistas beneficiados por 59 doadores, dos quais 11 empresas, 2 fundações e 46 pessoas físicas, além de três doadores de bolsas perpétuas – que se renovam a cada quatro anos.
O instituto não abre os valores atuais, mas as doações somavam R$ 85 milhões até junho de 2023.
Uma das alunas bolsistas beneficiadas é Gabriela Matias, de 25 anos, que está no último ano do curso de Engenharia de Computação. Nascida em Votorantim, no interior paulista, ela estudou em escolas públicas e chegou a cursar três anos de Engenharia Mecânica no Instituto Federal de São Paulo.
Ao descobrir o Inteli por meio de uma colega de uma ONG em que atuava, decidiu mudar de área e concorrer a uma vaga. Foi aprovada em 12º lugar e conquistou uma bolsa integral patrocinada por Roberto Sallouti.
“Quando entrei aqui, foi uma realização muito grande. Eu já morava sozinha, trabalhava. Tive que abrir mão de muita coisa para estudar no Inteli”, disse.
Além das aulas, Gabriela participou de projetos com impacto direto em sua vida pessoal, como o desenvolvimento de um jogo educativo sobre prevenção ao câncer em parceria com a Faculdade de Medicina da USP — tema sensível por causa da morte de seu pai pela doença.
Hoje, Gabriela trabalha como analista de dados no Google for Education e já atuou como parceira de projetos entre o Inteli e a empresa. Também participou de uma viagem ao Vale do Silício, com tudo pago, por meio de iniciativas do Inteli e de outras organizações.
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“Ir para a Califórnia foi algo totalmente fora da minha realidade. Meus pais não entenderiam nem se eu explicasse mil vezes o quanto isso foi importante”, disse.
O impacto do programa de bolsas é sentido durante a gradução. Depois que passaram a estagiar e a trabalhar nas empresas, os bolsistas da instituição tiveram um aumento médio de 92% na renda per capita em relação à família, segundo um levantamento do Inteli com base em 136 alunos da turma de 2022.
Rumo ao breakeven
Com quatro anos de existência e todas as turmas da graduação em funcionamento, o Inteli se prepara para atingir o ponto de equilíbrio financeiro, o que deve ocorre no ano que vem, segundo a CEO, Maíra Habimorad.
O espaço em que o Inteli está localizado – em um prédio no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ligado ao governo de São Paulo – tem capacidade para comportar até 960 alunos, de acordo com ela.
Nem todas as vagas são preenchidas por causa da política seletiva do Inteli de aprovar somente os melhores candidatos, priorizando desempenho e perfil em vez de quantidade.
Mas a expectativa é que o crescimento do número de alunos ajude a fazer com que a instituição atinja o equilíbrio financeiro, à medida que se torne mais conhecida e atraia mais candidatos.
“Nós não queremos preencher essas vagas a qualquer custo, com qualquer perfil”, afirmou a CEO. “Queremos preencher com alunos que realmente tenham perfil para estar aqui.”
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Segundo ela, o modelo de operação foi desenhado para alcançar a sustentabilidade sem depender das doações dos fundadores após a fase inicial.
O instituto também vem ampliando outras frentes de receita, com cursos de pós-graduação e educação executiva, e projeta expandir sua atuação até 2030.
Em um encontro com doadores no início de maio, Roberto Sallouti falou aos participantes sobre sua visão de futuro para o Inteli.
Segundo ele, o maior marco será alcançado quando os atuais doadores forem substituídos por ex-alunos, fazendo com que o trabalho seja levado à frente e que o Inteli se torne uma instituição da sociedade brasileira.
“Nós vamos seguir apoiando pelo tempo que precisar. Mas o sucesso do Inteli vai vir no dia em que ele não precisar mais da gente”, afirmou.
- Matéria corrigida às 11h35 de 4 de julho sobre o número de doadores, entre pessoas físicas, empresas e fundações.
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