Como este bilionário se tornou o maior rival da Netflix no Japão

Yasuhide Uno herdou o negócio da família e, 25 anos depois, opera um serviço de streaming com mais de 4 milhões de assinantes e dezenas de outras atividades

Yasuhide Uno
Por Min Jeong Lee, Yoojung Lee e Yasutaka Tamura
25 de Dezembro, 2023 | 11:34 AM

Bloomberg — Antes de se tornar bilionário ao transformar a empresa de seu pai na maior concorrente da Netflix (NFLX) no Japão, Yasuhide Uno não queria saber dos negócios da família. Sua relação com o pai era complicada, para dizer o mínimo.

Uno relembra um incidente da infância quando estava doente. O pai chegou em casa naquele dia ordenando à mãe que parasse de cuidar do filho e preparasse o jantar, de acordo com uma biografia publicada em 2020.

Se a criança morresse, eles sempre poderiam ter mais, disse o pai de Uno à ela. Depois de anos se recusando a se envolver no negócio, Uno concordou em assumi-lo apenas quando o pai estava à beira da morte — e ele sentiu que não tinha escolha.

“Eu não queria ser como meu pai”, escreveu Uno em sua biografia em japonês, cujo título se traduz para “A Bravura de um Empreendedor”.

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“Eu queria ser um empreendedor completamente diferente”, acrescentou em uma entrevista à Bloomberg News em Tóquio.

Cerca de 25 anos depois, a Usen-Next Holdings opera um serviço de streaming com mais de 4 milhões de assinantes e dezenas de outros negócios, desde internet banda larga até serviços para lojas.

As ações da Usen-Next dispararam este ano e atingiram ganhos recordes, elevando a fortuna de Uno para mais de US$ 1 bilhão em novembro, de acordo com o índice de bilionários da Bloomberg.

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O acordo de Uno para assumir o comando do negócio da família está longe de ser o padrão no Japão, onde cerca de 60% das empresas pesquisadas pela Teikoku Databank ainda não encontraram um sucessor. Segundo a empresa de pesquisa de mercado, um recorde de 487 pequenas empresas fecharam no ano fiscal encerrado em março por conta disso,

Mercado de música por cabo

A transformação da empresa sob seu comando é um exemplo de um fenômeno apontado por acadêmicos: uma criança tem cerca de 60% mais chance de se tornar empreendedora se um dos pais for, segundo um artigo publicado em 2014.

No entanto, conforme Uno conta, seu pai, Mototada, nem sempre foi um bom exemplo. Mototada nasceu em uma família de imigrantes chineses que se mudaram para o Japão antes da Segunda Guerra Mundial.

Ele fundou a Osaka Usen Broadcasting em 1961, quando a economia japonesa estava em alta. A empresa enviava música ambiente por cabo para lojas, restaurantes e outros negócios. Usen é a palavra japonesa para cabo.

Por quatro décadas, Mototada desenvolveu constantemente a empresa. Quando morreu de câncer em 1998, a Usen controlava cerca de 70% do mercado japonês de música por cabo.

Mas havia um problema: a Usen usava milhões de postes de telefone do governo para seus cabos sem permissão, explicou Uno na biografia. Essa foi outra razão pela qual Uno não queria o cargo na empresa.

Uno também estava liderando sua própria companhia. Ele havia fundado uma agência de empregos chamada Intelligence com três amigos em Tóquio e planejava abrir o capital. Sua mãe implorou para ele assumir a Usen.

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Mesmo que Uno não fosse o filho mais velho, ele era o sucessor preferido de seu pai. Eventualmente, ele cedeu e voltou para Osaka, deixando seus cofundadores administrando sua empresa.

“Uma parte de mim queria enfrentar o desafio”, disse Uno na sede da Usen-Next, em Tóquio. Com seus escritórios de vidro e sofás, parece mais uma startup moderna do que uma empresa de 62 anos.

Depois que Uno assumiu, a sobrevivência da empresa dependia de legalizar o uso dos postes de telefone. Mas seu pai havia azedado as relações com o governo ao ignorar seus pedidos e avisos por anos.

Quando Uno tentou fazer as pazes após quase três décadas, os funcionários do governo o ignoraram. “Por que você não volta daqui a cem anos?” teria dito um deles ao atender uma ligação de Uno, segundo a biografia.

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Eventualmente, o governo e a Usen concordaram com um plano para resolver o problema. Os funcionários da Usen tiveram que fotografar e registrar cabos conectados a mais de 7 milhões de postes de telefone. Mesmo os funcionários mais leais ficaram irritados.

Em determinado momento, uma boneca de palha ensanguentada foi entregue à porta de Uno como uma ameaça de morte. Mas depois de um ano, o trabalho estava feito. Pouco depois, em 2001, a Usen listou suas ações na bolsa de Osaka.

Empresa de 62 anos

A Usen enfrentou dificuldades novamente durante a crise financeira global. À medida que os ganhos pioravam, ela ficava incapaz de pagar suas dívidas. Sob pressão dos bancos para se livrar de operações deficitárias, Uno teve que vender o serviço de streaming de vídeo.

Em uma reviravolta incomum, ele o vendeu para si mesmo, pagando com seu próprio dinheiro. Ele estava convencido de que mais tarde se tornaria um motor de crescimento. Anos depois, em 2014, ele listou a empresa, chamada U-Next, em Tóquio. Três anos depois, em 2017, a U-Next comprou a lendária empresa, a Usen.

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Hoje, o grupo Usen-Next consiste em cerca de 25 empresas. Os cabos agora também fornecem internet banda larga. O serviço de streaming de vídeo disparou em popularidade durante a pandemia, em meio às medidas de isolamento social.

A plataforma adicionou 1,2 milhão de novos usuários no último ano fiscal, um aumento de 43% em relação ao ano anterior. É o segundo maior serviço de streaming no Japão, depois da Netflix, de acordo com a empresa de pesquisa GEM Partners.

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No bom | Ações da Usen-Next sobem 66% em 2023dfd

Para Daisuke Aiba, analista da corretora Iwai Cosmo Securities, a Usen-Next pode superar a gigante americana no Japão porque oferece uma variedade maior de conteúdo adaptado aos assinantes japoneses. “Ele a transformou em um negócio adequado para uma nova era”, disse Aiba.

Um representante da Netflix se recusou a comentar.

Apesar do crescimento do streaming, o negócio de serviços para lojas da Usen-Next, que inclui música ambiente e terminais de pagamento, ainda contribui mais para o lucro. Os serviços para lojas representaram 46% do lucro operacional no ano fiscal encerrado em agosto, em comparação com 29% para distribuição de conteúdo.

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A Usen-Next obteve 21,6 bilhões de ienes (US$ 145 milhões) de lucro operacional em 276 bilhões de ienes em vendas no ano fiscal encerrado em agosto, ambos recordes. As ações da empresa subiram 66% este ano, dando-lhe um valor de mercado de cerca de US$ 1,4 bilhão. Todos os seis analistas que cobrem a Usen-Next recomendam comprar a ação.

Ventos contrários

O negócio, contudo, depende fortemente dos 1,1 milhão de contratos de distribuição que tem com lojas. Com a decisão do governo no ano passado de parar de aceitar pedidos de empresas de varejo para apoio durante a pandemia, um número crescente delas deve fechar.

“Qualquer quebra dessas lojas, como restaurantes, é preocupante porque é o coração do negócio”, disse Hiroshi Namioka, estrategista-chefe da T&D Asset Management, uma unidade da seguradora japonesa T&D Holdings.

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Mesmo assim, Uno diz que não vê grandes ameaças ao negócio. E depois de 25 anos no cargo, 15 a mais do que seu pai pediu, ele não tem planos de se afastar. Uno diz que agora tem profundo respeito por seu pai, por causa de sua determinação.

“A vida tem sido uma repetição de sucessos e fracassos”, disse ele quando questionado sobre como se sente sobre sua riqueza. “Às vezes as pessoas me dizem que sou ótimo. Outras vezes, que eu deveria estar morto. Não me parece exatamente uma vida de sucesso.”

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