Americanas: venda online cai 79% e patrimônio líquido negativo vai a R$ 31,2 bi

Dados referentes ao terceiro trimestre de 2023 oferecem novas informações sobre o tamanho do desafio da varejista; margem bruta subiu e prejuízo líquido caiu

Americananas varejista brasileira
26 de Fevereiro, 2024 | 11:54 AM

Bloomberg Línea — A Americanas (AMER3) informou, nesta segunda-feira (26), novos dados sobre o tamanho de sua crise após a descoberta de uma fraude bilionária há mais de um ano, com informações ao mercado sobre a sua viabilidade operacional.

Também hoje a Justiça fluminense homologou o plano de recuperação judicial que havia sido aprovado pela maioria dos credores em dezembro. O mercado espera também que os auditores da BDO certifiquem os demonstrativos financeiros apresentados pela companhia.

Os números divulgados nesta manhã relativos aos três primeiros trimestres de 2023 apontaram um prejuízo líquido de R$ 4,6 bilhões, uma dívida bruta de R$ 38,3 bilhões e um patrimônio líquido negativo de R$ 31,2 bilhões.

No fim de 2022, o patrimônio líquido negativo somava R$ 26,7 bilhões - ou seja, houve aumento de R$ 4,5 bilhões em nove meses (uma variação de 16,85%).

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Já o prejuízo líquido dos nove primeiros meses de 2023 (R$ 4,6 bilhões) caiu 23,5% em relação ao mesmo período de 2022 (R$ 6,027 bilhões), segundo informado no balanço.

A empresa também registrou crescimento da margem bruta de 11,1 pontos percentuais, para 27,7% ao final de setembro de 2023 (ante 16,6% um ano antes). As ações da empresa subiam perto de 2% às 13h43 em São Paulo, para R$ 0,53.

Em novembro, a empresa havia divulgado ao mercado a previsão de apresentar um patrimônio líquido positivo em 2025, cenário ainda considerado incerto por analistas. A empresa havia reportado na época um prejuízo líquido de R$ 19 bilhões no acumulado de dois anos (2022 e 2021). E o rombo contábil tinha sido estimado em R$ 25,3 bilhões, acima dos R$ 20 bilhões inicialmente divulgados.

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Queda das vendas online

O resultado negativo foi influenciado pela queda nas vendas, o que afetou principalmente as operações digitais. A receita líquida consolidada da Americanas caiu 45,1% na comparação dos primeiros nove meses de 2023 com o mesmo período de 2022, totalizando R$ 10,3 bilhões. O varejo digital teve a maior queda (-79,2%), seguido pela fintech AME (-63,8%) e pelo varejo físico (-18,8%).

O GMV (volume bruto de mercadorias) do grupo encolheu de R$ 20,9 bilhões (nove primeiros meses de 2022) para R$ 4,8 bilhões no mesmo período de 2023.

“A plataforma digital foi a que mais sofreu com uma significativa queda de vendas, resultado do choque de confiança dos consumidores e da estratégia adotada pela companhia de reduzir exposição a negócios com elevado consumo de caixa”, admitiu a varejista no balanço, em referência à redução de sellers (vendedores terceiros na plataforma) e de fornecedores.

Nos três primeiros trimestres, a venda do estoque próprio (o chamado 1P) teve uma queda de 86%, enquanto a do markeplace (3P, venda de estoque de terceiros) caiu 70,8%. “Com o objetivo de aumentar a rentabilidade, adotamos a estratégia de desidratar nosso 1P, migrando categorias relevantes para o 3P”, justificou a companhia.

Em relatório, a companhia, que tem o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, da 3G Capital, como principais acionistas, admitiu que “ainda há muito o que fazer, muito a reconstruir e não será um caminho fácil” para a recuperação do grupo varejista.

Na última sexta-feira (23), a ação da Americanas fechou cotada a R$ 0,52, na mínima histórica, acumulando uma queda de 96% ante o fechamento em 11 de janeiro de 2023, quando valia R$ 12, horas antes de divulgar fato relevante revelando “inconsistências contábeis”.

Aumento de margem bruta

A varejista também destacou números positivos, como a melhora de margem bruta em 11,1 pontos percentuais e uma evolução de R$ 791 milhões no Ebitda ajustado (ex-IFRS, norma contábil) na comparação anual.

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“A evolução da margem é reflexo principalmente da migração de categoria de baixa rentabilidade do 1P [estoque próprio] para o 3P [marketplace]. Junto a uma maior racionalidade de precificação e investimento em marketing na plataforma digital”, disse a companhia.

Quanto ao prejuízo de R$ 4,6 bilhões entre janeiro e setembro, a varejista citou também o impacto financeiro da recuperação judicial: “[O prejuízo é] resultado da forte queda nas vendas, principalmente na plataforma digital e por altas despesas financeiras, cuja contabilização se faz necessária até o momento da homologação do PRJ [plano de recuperação judicial] e renovação das dívidas da Americanas, mas já parcialmente amenizada pelos primeiros resultados da nova estratégia da companhia”.

“O endividamento também se manteve estável, ainda em patamares altos, mas com tendência de relevante redução uma vez que tenha início a execução do plano de recuperação judicial.”

Fechamento de lojas

A companhia fechou 99 unidades que não apresentavam rentabilidade adequada e terminou o terceiro trimestre de 2023 com 1.764 lojas, ante 1.863 em setembro de 2022.

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“A redução do número de lojas ocorreu em todas as regiões do país, sendo naturalmente mais concentrada no Sudeste, região com o maior número de unidades do grupo”, informou.

O balanço também trouxe uma avaliação negativa da Americanas sobre o desempenho das vendas do setor varejista.

“Apesar da leve melhora da economia brasileira ao longo de 2023, com desaceleração da inflação, melhora nos níveis de desemprego e de confiança do consumidor, além do início do ciclo de corte da taxa de juros, esses fatores não foram suficientes para reverter o cenário de elevado endividamento familiar, inadimplência do consumidor e concessão de crédito restrita”, disse a companhia.

Análise: mercado desconfiado

Após a divulgação do balanço, o mercado ainda se mostra reticente e no aguardo dos próximos passos do processo de recuperação judicial da Americanas, avaliou Diego Faust, operador de renda variável da Manchester Investimentos, em comentário enviado à Bloomberg Línea.

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“Não há ainda muitas indicações do que vai acontecer. A empresa teve uma redução de caixa importante, que saiu da casa dos R$ 6 bilhões para R$ 3 bilhões, incluindo cerca de R$ 1,5 bilhão para os primeiros pagamentos dos credores. O caixa livre tão baixo pode trazer pressão para as ações”, disse.

O aumento da margem bruta, por outro lado, segundo o operador, foi um destaque positivo do balanço, apesar da redução forte de receita e do passivo a descoberto de R$ 31,2 bilhões.

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“A recuperação de confiança que a empresa precisa conquistar para que o mercado passe a olhar de volta demora, como disse o CEO na call. Não é só falar que vão conseguir isso. Vão ser necessários uns bons trimestres girando no positivo para o mercado voltar a comprar as ações”, avaliou o profissional da Manchester.

- Matéria atualizada às 12h40 com a notícia de homologação do plano de recuperação pela Justiça.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.