A Diageo dobrou de tamanho no Brasil. E quer avançar mais com novos hábitos de beber

Gigante global cresce no país com estratégia de ‘premiumização’ e avanço da coquetelaria para o brasileiro ‘beber melhor’', na contramão de retração em outros mercados, contam a CEO Paula Lindenberg e o CMO Guilherme Martins à Bloomberg Línea

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Bloomberg Línea — Uma das maiores empresas de bebidas do mundo quer aumentar o seu mercado no Brasil “convencendo” os brasileiros a beber menos.

Por mais contraintuitiva que seja a ideia, a Diageo aposta em oferecer cada vez mais bebidas premium aos consumidores, para ganhar menos na escala e mais na qualidade - e nos preços - dos produtos vendidos, que incluem marcas como Tanqueray, Don Julio, Johnnie Walker e Cîroc.

No lugar dos tradicionais litros de cerveja consumidos em um churrasco ou no happy hour, drinks de marcas globais importadas e de maior valor.

Em um momento em que grandes mercados internacionais enfrentam mudanças de comportamento geracional, queda no consumo de álcool, pressão regulatória e transformações culturais sobre o papel das bebidas na vida social, o grupo britânico enxerga no Brasil um caminho contracíclico para crescer.

“No Brasil, vemos um consumo de álcool que cresce”, afirmou Paula Lindenberg, CEO da Diageo para Brasil, Paraguai e Uruguai, em entrevista à Bloomberg Línea durante a final do World Class Brasil, competição mundial de coquetelaria que aconteceu em junho em São Paulo.

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Diferentemente dos Estados Unidos ou de mercados europeus, o país apresenta aumento no número de consumidores e no valor movimentado, segundo ela, ainda que cada pessoa beba menos por ocasião e com menor frequência nessa comparação.

A diferença é ainda mais pronunciada quando se considera que a matriz britânica enfrenta pressões da guerra comercial iniciada por Donald Trump, que afeta diretamente suas operações globais.

“Para nós aqui no Brasil, a exportação dos Estados Unidos não representa nada, portanto o Brasil é muito pouco afetado”, disse a executiva.

Enquanto outros mercados sofrem com tarifas e restrições, o Brasil emerge como uma das principais apostas de crescimento da companhia.

Os números respaldam essa priorização.

A operação brasileira da Diageo mais que dobrou de tamanho desde 2019 – um crescimento superior a 100% em cinco anos, segundo Lindenberg. “E tem oportunidade de dobrar de novo daqui para a frente”, disse a CEO, com a ressalva de que a empresa não divulga projeções de faturamento e crescimento.

O resultado se sustenta em uma combinação específica: mais pessoas consomem álcool, mas com frequência e quantidade menores por ocasião.

A estratégia da multinacional se ancora em dois movimentos principais: ampliar o público consumidor e incentivar um padrão de consumo mais qualificado.

“A penetração dentro da população adulta cresce, portanto, há mais pessoas tomando”, disse Lindenberg.

Também em entrevista à Bloomberg Línea, o CMO da empresa, Guilherme Martins, detalhou o perfil dessa mudança: “Vemos uma maior quantidade de consumidores bebendo, mas de forma diferente. Diminui o consumo per capita e o número de drinks por ocasião, porque o consumidor está querendo beber melhor”.

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Movimento de ‘premiumização’

A equação econômica da estratégia se sustenta na “premiumização”.

Segundo Lindenberg, marcas premium de whisky, gim e licor cresceram três vezes mais que os rótulos mainstream nos últimos dez anos.

“O consumidor pensa: já que eu estou saindo com menos frequência, já que eu vou tomar menos, vou tomar uma bebida melhor”, afirmou.

Martins explicou como o modelo equilibra menor volume com maior valor: “Quando olhamos a oportunidade pela penetração, já entramos com esse convite para a categoria com maior valor agregado”.

O foco são consumidores que já bebem álcool, mas não destilados premium - um universo que representa apenas 20% da população adulta brasileira.

A ideia se baseia no conceito de “beber melhor, não mais”, que tanto a CEO quanto o CMO dizem ser o “mantra” que orienta os investimentos da Diageo.

“Isso acontece em todas as gerações”, observou o executivo, mas ganha força em particular entre os mais jovens, que “já entram com uma forma diferente, já com a busca dessa forma mais intencional ao escolher [o que beber]”.

A estratégia se sustenta em uma visão de sustentabilidade que vai além do resultado financeiro imediato, segundo os executivos.

“Não estamos aqui para o resultado deste próximo ano. Estamos aqui para o resultado dos próximos 50 anos, 100 anos”, disse a CEO. “Não há interesse em um consumo irresponsável, abusivo. Queremos que as pessoas consumam álcool da maneira certa, de forma sustentável”, explicou.

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Competição pelo público que bebe

Apesar do crescimento no país, a empresa diz ainda enfrentar desafios até mesmo em razão do que seria a “cultura etílica” do país.

A Diageo tem a liderança no mercado de bebidas em categorias como gin, vodca e whisky no Brasil, mas isso representa apenas 3% do mercado total de álcool consumido no país, o que reflete o histórico predomínio da cerveja na preferência da população.

“O Brasil é um país muito cervejeiro ainda”, disse Lindenberg. A baixa participação, por outro lado, evidencia oportunidade: a companhia compete não apenas dentro de suas categorias mas também busca conquistar consumidores de outras bebidas alcoólicas.

“Nesse caso, é uma concorrência entre bebidas alcoólicas, e não com quem não consome bebida alcoólica”, disse Martins.

A estratégia mira ocasiões específicas em que outras bebidas dominam: fazer com que “uma caipiroska seja considerada em um churrasco, em que hoje uma pessoa está tomando cerveja”; ou que, “em um happy hour, a pessoa que toma uma cerveja passe a pensar em um gin tônica”, disse Lindenberg.

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Para expandir categorias, a Diageo executa uma estratégia que começa pelo que chama de formadores de tendência.

“Temos uma estrutura que olha o topo da pirâmide, em que selecionamos bares que geram tendência. E começamos por ali”, explicou o CMO.

O preparo de drinks cumpre papel central nessa estratégia.

“A coquetelaria é a expressão máxima das nossas marcas”, segundo a CEO. A aposta é que a familiaridade com drinks elaborados em bares desperte interesse de consumidores e isso leve à repetição em casa.

“A pessoa normalmente vai para um bar, toma um drink muito bom, conhece uma bebida muito boa e a partir daquela boa experiência é fácil fazer em casa”, disse Lindenberg.

O método já se mostrou eficaz com o gim, que teve um pico de popularidade na última década.

“A maioria das pessoas entrou no universo da coquetelaria com gim tônica”, disse Martins. Agora, o gin está em “segundo momento de expansão”, em que do eixo Rio-São Paulo para outras regiões do país.

O próximo passo é replicar esse modelo com a tequila, segundo os executivos: trata-se da nova prioridade global da empresa.

“Tequila é a bebida do momento que mais cresce no mundo inteiro”, disse Martins, que até pouco tempo comandava a estratégia da categoria a partir do México. “É a categoria que está exercendo esse papel de tendência.”

No Brasil, a meta é reposicionar a bebida e inserir em coquetéis sofisticados.

“Precisamos transformar a imagem da tequila no país, que ainda é a imagem do shot e de beber em quantidades”, disse Martins.

Para a CEO, essa a base já existe: “Don Julio, que é a nossa marca de tequila, já tem um conhecimento [do mercado] e uma aceitação” nos bares e restaurantes mais sofisticados. A fase inicial foca o eixo Rio-São Paulo, com planos de expansão posterior.

Outra possibilidade futura envolve a cachaça. Questionada sobre planos para internacionalizar a bebida brasileira, a CEO disse que “ainda não foi uma categoria que priorizamos globalmente”, mas que, “em algum momento, vai chegar a hora da cachaça”.

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