S&P 500 vs Stoxx 600: por que empresas europeias voltaram a ficar aquém de americanas

Índice de ações europeias superou pares dos EUA no primeiro semestre, mas isso foi já foi revertido; e análise do Deutsche Bank sugere que há fatores estruturais, como lacuna de lucratividade e eficiência, por trás dos desempenhos

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Bloomberg Línea — Após um início de ano em que as ações europeias superaram o desempenho dos índices dos EUA, o S&P 500 recuperou a liderança.

Atualmente, o Stoxx 600 acumula ganhos da ordem de 8% em 2025, pouco abaixo dos 10% do índice de referência dos EUA.

O melhor momento relativo do Stoxx 600 aconteceu na primeira metade do ano, quando o anúncio de aumento dos gastos com defesa por parte dos governos europeus, em resposta à escalada do conflito entre a Rússia e a Ucrânia e à nova postura dos Estados Unidos de Donald Trump de reduzir seus gastos, impulsionou os preços das ações de empresas como Rheinmetall, Leonardo e Saab.

Isso foi agravado pela incerteza comercial decorrente das primeiras medidas do segundo mandato de Trump, o que reduziu temporariamente o apetite por determinados setores do mercado dos EUA.

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Mas, além da conjuntura, há outras questões.

O Deutsche Bank Research Institute argumentou em relatório que essa diferença de desempenho também reflete um problema subjacente.

“As empresas europeias costumam ser muito melhores em criar seus produtos do que em projetar negócios em torno deles”, disseram os analistas Luke Templeman e Galina Pozdnyakova.

O diagnóstico aponta para uma limitação estrutural que impede que grande parte do “tecido corporativo” da Europa atinja os níveis de lucratividade de seus pares do S&P 500.

Os analistas dizem que a métrica mais comumente usada para comparar a eficiência financeira entre as regiões, o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE), mostra uma diferença significativa.

De acordo com os analistas no relatório, “a diferença hoje é de quase seis pontos percentuais (19% vs. 13%)”, que persiste desde a crise financeira de 2008-2009 e que nem mesmo a recuperação pós-pandemia conseguiu fechar.

Os analistas destacaram que essa situação não se deve apenas a fatores macroeconômicos ou regulatórios mas também a elementos internos dos modelos de negócios de muitas empresas.

Em particular, eles observaram que a eficiência operacional, medida pelo giro de ativos, tem diminuído constantemente nas últimas duas décadas.

Essa deterioração não tem sido o foco de atenção da maioria dos gestores.

“É o componente menos discutido da famosa ‘fórmula DuPont’ e geralmente é ignorado, se é que é mencionado, quando as empresas apresentam seus resultados trimestrais“, explicram

No entanto seu impacto sobre os preços das ações é evidente.

Desde 2019, as empresas europeias que melhoraram seu giro de ativos superaram as que o reduziram em 3,5 pontos percentuais por ano no retorno total. Nos Estados Unidos, a diferença foi de 2,5 pontos percentuais.

Nova fase do mercado

Os analistas argumentaram que os dois principais drivers de crescimento corporativo nos últimos 20 anos -- aumentos sustentados nas margens de lucro e acesso a dívidas baratas -- , não estão mais disponíveis.

“A era do ‘dinheiro fácil’ acabou”, disseram no relatório.

Em um ambiente de taxas de juros estruturalmente mais altas e com pressões regulatórias e sociais que limitam a expansão da margem, as empresas precisam buscar novas maneiras de sustentar a lucratividade.

De acordo com o Deutsche Bank, a eficiência está se tornando a variável mais relevante no novo ciclo corporativo. “Hoje estamos entrando na ‘era da eficiência’. Quer as empresas gostem ou não, elas provavelmente serão forçadas a se adaptar ou enfrentarão seu próprio declínio”, dizem os analistas.

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No documento, eles também destacaram uma diferença estrutural entre os modelos de negócios dos dois lados do Atlântico.

Nos Estados Unidos, muitas das grandes empresas do S&P 500 operam com modelos de negócios de escala, como as chamadas “Magnificent 7”, incluindo Apple (AAPL), Microsoft (MSFT) e Nvidia (NVDA), entre outras.

Essas empresas conseguiram aumentar exponencialmente as receitas sem a necessidade de expandir proporcionalmente sua base de ativos, o que melhora sua eficiência operacional, mesmo em um ambiente adverso.

Em contrapartida, muitas empresas europeias são orientadas para setores tradicionais, como manufatura, serviços industriais ou energia, em que os processos não são facilmente “escaláveis” e o crescimento depende de um gerenciamento mais intensivo dos ativos.

Portanto, para os analistas, melhorar o giro dos ativos não é apenas um objetivo desejável mas uma necessidade estratégica para o ambiente de negócios europeu.

No relatório, eles sugerem maneiras concretas de avançar. Uma das estratégias propostas é a venda de divisões não estratégicas.

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“Preferimos que eles [esses ativos] sejam de classe mundial em apenas algumas coisas, em vez de apenas ‘bons’ em muitas”, disseram.

Eles também destacaram a oportunidade apresentada pelo contexto atual de grande apetite por private equity e lembraram que “nunca houve um momento melhor na história para uma empresa vender uma divisão”.

A outra linha de ação está relacionada à tecnologia.

A Europa perdeu participação nos setores digitais e, de acordo com um relatório citado pelo Deutsche Bank, “70% do novo valor criado na economia global nos próximos dez anos será digital”.

Enquanto isso, a participação da Europa no mercado global de TI caiu de 22% para 18% na última década, enquanto a participação dos EUA aumentou de 30% para 38%.

Por fim, o relatório aborda o papel da gerência sênior. " Muitas empresas não dão a devida importância ao fato de ter pessoas de qualidade", apontaram os analistas.

Eles citaram evidências empíricas que mostram que as melhorias nos processos de gestão estão diretamente relacionadas a aumentos na produtividade do trabalho e no crescimento do valor agregado.

Em um ano em que a Europa teve episódios de bom desempenho no mercado de ações, o balanço estrutural mostra mais uma vez que a lacuna em relação a Wall Street continua aberta.

A consolidação do S&P 500 como o principal mercado de referência não é apenas o resultado de condições externas favoráveis mas também de modelos de negócios que são mais capazes de escalar, adaptar-se e gerar retornos sustentáveis.

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