Recuperação do dólar expõe desafios enfrentados pelas moedas da América Latina

Moeda americana encerrou julho com seu melhor desempenho no ano, impulsionado por dados econômicos sólidos dos EUA

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Bloomberg Línea — O dólar encerrou julho com seu melhor desempenho até agora neste ano, impulsionado por dados econômicos sólidos dos EUA, uma postura cautelosa do Federal Reserve e sinais mais claros sobre a política comercial do presidente Donald Trump.

Essa força renovada da moeda desafia a estabilidade das moedas latino-americanas, muitas das quais apresentam vulnerabilidades fiscais, incerteza política e dependência de fatores externos.

De acordo com a Bloomberg, o dólar teve uma valorização de 2,7% durante o mês, seu primeiro ganho mensal desde o início do segundo mandato de Trump.

Daniel Velandia, economista-chefe da Credicorp Capital, alerta que essa reviravolta ocorre após um período histórico de fraqueza do dólar. “Durante o primeiro semestre deste ano, tivemos a maior desvalorização do dólar desde 1973”, lembra ele.

Velandia diz que fatores como as tensões fiscais nos EUA, a perda da última classificação de crédito triplo-A e os esforços de Trump para enfraquecer a moeda a fim de impulsionar as exportações industriais pesaram sobre o dólar na primeira parte do ano. Mas agora, após a força de julho, a história em agosto começa com algumas nuances.

Pontos fortes e fracos da região

Na América Latina, o efeito do dólar forte foi imediato e revelou pontos fortes e fracos na região. A maioria das moedas se desvalorizou em julho, com as maiores quedas no peso argentino, no peso chileno e no real.

A Visión Davivienda explica que o movimento, além da já mencionada força da economia dos EUA e do tom do Fed, também está relacionado ao carry trade, que tem uma dinâmica diferente na região.

Mas o desempenho também não está imune a outros pontos fracos. Velandia explica que há riscos idiossincráticos “muito óbvios” com a questão fiscal.

David Cubides, economista-chefe do Banco de Occidente, parte do Aval Group, acrescenta que um motivo adicional não pode ser ignorado: As moedas latino-americanas estão vinculadas, em grande parte, ao que acontece com as commodities“, disse ele commodities as moedas latino-americanas estão em um momento de baixa, e algumas delas tiveram algumas semanas de descanso", disse ele.

Na Vanguard, Ignacio Saralegui e Rafael Rodríguez advertem que “o recente fortalecimento do dólar reflete tanto a força relativa da economia dos EUA quanto um aumento na percepção do risco global“. Para eles, maiores riscos tarifários poderiam valorizar o dólar e afetar as moedas latino-americanas.

O peso do ciclo político

As moedas latino-americanas também enfrentam dinâmicas políticas locais que ampliam a volatilidade. O Chile, por exemplo, está se preparando para as eleições presidenciais em novembro, o que introduz incertezas em um contexto de preços baixos do cobre e fraqueza externa.

Valeria Álvarez, chefe de pesquisa de ações do Itaú, ressalta que “o Chile está à beira de um evento eleitoral. As eleições são em novembro e, nesse contexto, o que teremos é um pouco mais de volatilidade.

A analista observa que as primárias chilenas, vencidas pela candidata comunista Jeannette Jara, deixaram um sentimento misto: por um lado, elas aumentaram o apoio ao candidato de direita José Antonio Kast, mas, por outro lado, levantaram preocupações sobre a futura composição do Congresso.

Felipe Campos, da Alianza Valores, ressalta que o desempenho recente das moedas tem sido muito desigual, influenciado por fatores locais específicos. No caso do peso chileno, Campos concorda que sua fraqueza está associada à entrada na fase final do ciclo eleitoral.

“É mais um estágio no ciclo político, do meu ponto de vista (...) A Colômbia acabará entrando nesse estágio chileno também”, diz ele. De acordo com Campos, o impacto do calendário eleitoral no Chile pode ter um impacto sobre a percepção de risco na Colômbia e em outros países com dinâmicas políticas semelhantes.

O analista acrescenta que o movimento na região tem sido bastante heterogêneo, com questões muito específicas em cada país. Enquanto o Chile oferece pouca atração para o carry trade, o Brasil, apesar de seus riscos fiscais e maior exposição ao ambiente externo - incluindo a política comercial de Trump - tem mostrado estabilidade cambial.

“Cada país tem seu próprio tema intrínseco”, disse Campos.

Cubides concorda que a região está se preparando para um ciclo político, com eleições no Chile, na Colômbia e no Brasil, em que os investidores “estarão atentos para ver quais economias acabam se alinhando um pouco mais com visões pró-mercado e essas estariam no radar para possíveis movimentos”.

Moedas mais fortes

Apesar da turbulência, alguns analistas identificam moedas com oportunidades. Velandia, da Credicorp Capital, acredita que “hoje o sol peruano é a moeda mais bem posicionada”.

Entre os fatores que ele destaca estão os termos de troca, com preços altos do cobre e do ouro, preços baixos do petróleo, forte intervenção do banco central e crescimento da demanda doméstica em mais de 6%.

Ele também vê potencial de curto prazo no peso mexicano, “porque o T-MEC o protege bastante da questão tarifária. Ele deve terminar com uma das menores taxas tarifárias efetivas do mundo“, diz ele.

O que esperar?

Felipe Campos acredita que o trimestre atual será decisivo para o desempenho das moedas latino-americanas. Em sua opinião, a recente força do dólar faz parte de um ciclo mais amplo de ajustes comerciais e políticos que serão resolvidos nos próximos meses.

Campos prevê que várias incógnitas importantes se tornarão mais claras durante esse período: desde os efeitos concretos das tarifas impostas pelo governo Trump até os resultados das eleições em países como o Chile e a Argentina.

Quanto ao comportamento das moedas, ele argumenta que o Brasil e o México provavelmente serão as moedas mais estáveis no curto prazo, já que estão menos expostos a riscos políticos imediatos e vêm de trajetórias de taxas de câmbio mais punidas.

Ao contrário, ele destaca que o potencial de valorização pode ocorrer no final do ano na Colômbia e no Chile, duas economias em que o componente político será decisivo nos próximos trimestres.

Velandia acredita que, daqui para frente, o que devemos ver é alguma estabilidade, sem uma correção importante na moeda norte-americana, além do que foi visto na maior parte do ano. “Tendo a pensar mais em alguma estabilização se, é claro, não tivermos nenhuma surpresa muito negativa ou choques muito fortes de um lado ou de outro”, disse.

Os analistas da Vanguard resumem a situação de forma clara e acreditam que, para a América Latina, o contexto implica um ambiente cambial volátil e altamente dependente das decisões dos EUA, o que, para eles, reforça a importância de estratégias diversificadas e de longo prazo.

Nesse ambiente de ajuste, em que o dólar está se fortalecendo novamente e as moedas latino-americanas estão sendo testadas, a política fiscal, a estabilidade institucional e o calendário eleitoral estão se consolidando como os principais diferenciais regionais.