Quanto tempo pode durar a fraqueza do dólar? Os fatores que pesam sobre o câmbio

O dólar está sob pressão de fatores internos, preocupações fiscais e, principalmente, dos efeitos da guerra comercial; projeções apontam para um enfraquecimento ainda maior

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Bloomberg Línea — O índice do dólar dos EUA (DXY) caiu 5,08% no acumulado do ano até 21 de maio (17h, horário de Brasília), em demonstração de fraqueza em relação a uma cesta de moedas globais diante dos efeitos do rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos e da guerra comercial.

Agora, ele voltou a ficar abaixo de 100 pontos, um nível semelhante ao de junho de 2023 e março de 2022, o que reflete a dinâmica de enfraquecimento da moeda até agora neste ano.

Esse enfraquecimento ocorre em um contexto de crescentes preocupações fiscais nos Estados Unidos, acentuadas pelo recente downgrade da classificação de risco pela Moody’s, de AAA para Aa1.

“Há vários fatores que enfraqueceram o dólar global. Um deles é, sem dúvida, o recente rebaixamento que reaviva os temores sobre a sustentabilidade fiscal do governo dos EUA”, disse o analista financeiro Gregorio Gandini à Bloomberg Línea.

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O enfraquecimento do dólar também foi influenciado pelas negociações comerciais não apenas com a China mas também com países como o Reino Unido e a Índia, na medida em que isso pode tranquilizar os investidores e aumentar seu apetite pelo risco.

Em termos práticos, isso faz com que os investidores saiam das posições em dólar e busquem ativos mais arriscados.

A deterioração fiscal dos EUA se manifesta em uma relação dívida/PIB próxima a 120% e em um aumento significativo das despesas com juros, de acordo com dados do Itaú.

Nesse contexto, o ajuste tarifário tem sido um instrumento para tentar financiar o déficit americano e pressionar o Federal Reserve a reduzir as taxas de juros.

“O atual governo certamente estaria disposto a enfrentar um cenário de desaceleração para ter níveis muito mais baixos em termos de Treasuries do que em 21 de maio, de fato, o benchmark de 10 anos negocia em níveis de 4,5%”, disse Valeria Alvarez, líder de Estratégia do Itaú Colombia Comisionista de Bolsa.

A estrategista acredita que os títulos do Tesouro de 10 e 30 anos sofreram desvalorizações não tanto por uma mudança na política de taxas do Fed mas por um menor apetite dos investidores pela fragilidade fiscal dos EUA.

Apesar de certa estabilização nas tensões comerciais com a China, os títulos de longo prazo continuam sob pressão do cenário fiscal.

Isso pode significar que a tendência de alta do DXY, em vigor desde 2008, corre o risco de ser revertida se a dinâmica fiscal continuar a se desacelerar.

Quanto ao futuro imediato, Álvarez observou que, se o dólar romper os principais níveis técnicos – como 99,2 ou mesmo 98 pontos –, uma fraqueza maior poderá se consolidar, especialmente se persistirem as dúvidas sobre a sustentabilidade fiscal dos EUA.

“Isso também dependerá muito do que acontecerá com as questões associadas às tarifas nos Estados Unidos, se o atual governo conseguirá conter o déficit fiscal”, alertou a analista do Itaú, lembrando que a Moody’s projeta que, sem correções, o déficit poderá chegar ao equivalente a 9% do PIB até 2035.

Embora tenha enfatizado que o rebaixamento da Moody’s não gera “alarmes” imediatos – em linha com os pronunciamentos anteriores da Fitch e da S&P –, ela disse acreditar que isso chamou a atenção do mercado para os desequilíbrios fiscais do país.

Leia mais: Dívida de países da América Latina se mantém pressionada apesar de recuo do dólar

Tendência de dólar fraco

Essa tendência “deve se manter pelo menos no curto prazo e continuaremos a ver um dólar mais baixo pelo menos nos próximos meses se nada mudar nas perspectivas”, disse o analista Gandini.

“Não devemos nos esquecer de que o corte de tarifas entre a China e os EUA é de apenas 90 dias, e cumprir esse prazo é crucial.”

As empresas financeiras projetam um dólar global mais fraco em meio à turbulência econômica sobre a guerra comercial e os efeitos das negociações.

O Citigroup (C) projeta que o dólar cairá ainda mais após a reunião do Grupo dos Sete (G7) desta semana, quando líderes mundiais discutirão as políticas monetárias como parte de suas negociações comerciais com os EUA, segundo a Bloomberg.

O Morgan Stanley (MS) elevou sua recomendação para as ações e os títulos do Tesouro dos EUA, mas espera que o dólar se enfraqueça ainda mais à medida que o prêmio de crescimento econômico dos EUA em relação a seus pares se desvanece e o diferencial de rendimento entre o país e outras economias diminui.

A força do dólar também dependerá de vários fatores internos no caso dos países latino-americanos.

Por exemplo, no caso da Colômbia, sazonalmente, em maio, há uma grande oferta de dólares correspondente ao pagamento da terceira parcela de impostos para grandes contribuintes.

Além disso, o associado sênior de câmbio da holding financeira Credicorp, Alejandro Guerrero, disse que a transferência de dividendos para o país pela Ecopetrol (ECOPETL) foi antecipada.

Nesse contexto, “o dólar permaneceu fraco e vimos cotações abaixo de 4.200 pesos colombianos por várias sessões, um movimento que pode se estender durante o restante de maio”, de acordo com Guerrero.

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O pulso tarifário dos EUA e da China

Desde o Dia da Libertação, os EUA e a China iniciaram uma série de respostas hostis recíprocas com base no aumento das tarifas cada vez mais altas, levando-as a 145% para os EUA e 125% para a China.

No entanto, ambos os governos chegaram a um acordo temporário de 90 dias para reduzi-las, com a opção de prorrogação após o término do prazo.

A China também anunciou que suspenderá ou cancelará as medidas não tarifárias impostas aos EUA desde 2 de abril.

Segundo esse acordo, as tarifas combinadas dos EUA sobre a maioria das importações chinesas serão reduzidas para 30%, incluindo a tarifa sobre o fentanil, até 14 de maio.

Nesse meio tempo, as tarifas chinesas sobre os produtos americanos cairão para 10%.

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