Minério de ferro a US$ 100 sinaliza um novo paradigma da economia chinesa

Queda do preço do minério, principal produto da Vale, indica uma reconfiguração do mercado de matérias-primas no país, cuja economia é menos dependente de investimentos imobiliários e de infraestrutura

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Bloomberg — A acomodação do minério de ferro a um preço de cerca de US$ 100 a tonelada é sinal de uma reconfiguração mais ampla do mercado de matérias-primas na China, que agora favorece a nova economia em detrimento da antiga.

O minério, principal produto da Vale (VALE3) chegou a cair para US$ 95,40 a tonelada na segunda-feira (1º), a cotação mais baixa em 10 meses, em meio a uma crise imobiliária que já dura anos e parece longe de terminar. Mesmo tendo se recuperado para mais de US$ 101 nesta terça (2), os futuros em Singapura ainda acumulam um tombo de quase 30% em relação ao pico de US$ 143,50 do início de janeiro.

O enfraquecimento do minério de ferro contrasta com sinais de que a economia chinesa, em geral, começa a se recuperar. A atividade das fábricas interrompeu cinco meses de contração em março, superando as estimativas.

Essa divergência entre uma recuperação liderada pela indústria e um mercado imobiliário que se arrasta deve se aprofundar à medida que o governo em Pequim procura novos motores de crescimento em setores como energias renováveis e tecnologia avançada.

Em seu auge em 2018, o setor imobiliário representava quase um quarto da economia da China, de acordo com a Bloomberg Economics. Agora é menos de um quinto.

Mas para o setor siderúrgico, a construção de imóveis continua sendo o principal pilar da demanda, além das obras de infraestrutura, que também desaceleraram.

O governo evita aumentar despesas com grandes projetos, como fez no passado para impulsionar a economia, e o endividamento dos governos locais também virou um obstáculo.

Normalmente, a atividade de construção chinesa ganhava força em março, com o fim do inverno no Hemisfério Norte, mas isso não parece ter acontecido este ano, o que gera incerteza sobre a demanda.

Siderúrgicas chinesas como Angang Steel e Maanshan Iron & Steel divulgaram prejuízos piores do que o esperado em 2023, e a Maanshan alertou que as condições “permanecerão sombrias devido ao descompasso entre a oferta e a demanda em 2024″.

O cerco do presidente Xi Jinping ao setor imobiliário e seu foco em “novas forças produtivas” pode muito bem ser o prenúncio de uma era em que o minério de ferro e o aço desempenharão um papel menor em relação aos metais usados na transição energética, como o cobre.

O minério de ferro não pode ficar abaixo de US$ 100 por tonelada por muito tempo sem que os produtores que lidam com custos mais elevados fechem as portas. Isso reduziria a oferta e estabeleceria um piso para os preços no curto prazo.

Mas é a demanda de longo prazo que preocupa mais. O governo da Austrália, o maior fornecedor da China, espera preços no embarque de US$ 95 a tonelada este ano, US$ 84 no ano que vem, com estabilização na casa dos US$ 70 até 2029.

“Parece não haver fim para essa crise imobiliária, os governos locais não conseguem sustentar os atuais níveis de investimento e os consumidores ainda estão muito cautelosos”, disse Tomas Gutierrez, analista da Kallanish Commodities. Deve haver uma recuperação sazonal da demanda no segundo trimestre, “mas não é provável que seja forte o suficiente para realmente virar o mercado”, disse ele.