Bloomberg — O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, minimizou os votos dissidentes contra a decisão de quarta-feira (10) de reduzir os juros, mas uma série de detalhes do encontro revelou o tamanho da divisão interna no banco central americano.
Powell conseguiu aprovar o corte de 0,25 ponto percentual não só apesar da objeção de alguns votantes. Um grupo bem maior de presidentes de bancos regionais do Fed — que participaram do debate, mas não integram a lista de votantes deste ano — também sinalizou oposição ao corte.
As fissuras podem antecipar o que está por vir em 2026, quando um novo presidente do Federal Reserve pode enfrentar ainda mais dificuldades que Powell para construir consenso dentro da instituição depois que o seu mandato terminar em maio.
“É muito incomum. Em mais de dez anos acompanhando o Fed, nunca vi algo assim”, afirmou Patrick Harker, que presidiu o Fed da Filadélfia até se aposentar em junho.
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Apenas dois formuladores de política monetária — o presidente do Fed de Kansas City, Jeff Schmid, e Austan Goolsbee, de Chicago — discordaram formalmente por preferirem manter os juros inalterados.
A outra dissidência veio do diretor Stephen Miran, que segue defendendo um corte maior, de 0,50 ponto. As demais manifestações de protesto ocorreram por outros canais.
Nas projeções trimestrais divulgadas junto à decisão, seis dirigentes indicaram que a taxa básica dos Fed Funds deveria terminar 2025 entre 3,75% e 4% ao ano — exatamente o nível anterior ao corte de quarta-feira — sugerindo que se opuseram ao movimento.
Como pelo menos quatro, e possivelmente todos os seis, não tinham direito a voto na reunião, alguns observadores do Fed passaram a chamar essas projeções mais altas para 2025 de “dissidências silenciosas”.
“Eu teria sido uma dessas dissidências silenciosas”, disse Harker. “Acho que o corte é um erro.”
Havia ainda outro sinal nos documentos divulgados na quarta-feira. Além dos dirigentes à mesa, líderes empresariais que compõem os conselhos dos bancos regionais do Fed também podem se manifestar.
Eles enviam recomendações para outra taxa de curto prazo definida pelo Fed, que na prática sempre se move junto com a taxa básica do banco central.
Historicamente, essa recomendação serve como uma espécie de proxy da preferência do próprio presidente do banco regional. Neste caso, apenas quatro dos 12 bancos regionais solicitaram uma redução, o que sugere que oito presidentes possam ter se posicionado contra o corte.
Esse resultado mostra que a preferência por manter os juros inalterados se concentrou entre os presidentes regionais. Esses dirigentes frequentemente têm uma postura mais rígida sobre juros do que os membros do Conselho de Governadores do Fed em Washington, nomeados pela Casa Branca e confirmados pelo Senado.
Powell argumentou, na coletiva após a reunião, que as condições atuais da economia — com a inflação ainda bem acima da meta de 2% e sinais de enfraquecimento no mercado de trabalho — tornam naturais as divergências.
“Muitos participantes concordam que os riscos estão do lado de uma alta do desemprego e de uma alta da inflação, então o que você faz?”, disse Powell. “Você tem apenas uma ferramenta; não dá para fazer duas coisas ao mesmo tempo. É uma situação muito desafiadora.”
Mas, com tantos formuladores de política monetária deixando claro, por meio de dissidências formais e “silenciosas”, que não pretendem recuar, quem quer que o presidente Donald Trump escolha para substituir Powell no próximo ano — incluindo o favorito, o diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, Kevin Hassett — provavelmente enfrentará dificuldades para coordenar o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês).
“Powell está no cargo há bastante tempo e é muito respeitado no Fomc”, afirmou Calvin Tse, chefe de estratégia e economia para os EUA no BNP Paribas. “Se mesmo sob a liderança dele já surgiram três dissidências, é difícil imaginar que um novo presidente consiga mais unanimidade no comitê.”
Dados a caminho
A resistência generalizada no Fed, no entanto, pode ser superada. Embora a projeção mediana do grupo aponte apenas um corte em 2026, investidores ainda esperam dois. E sempre existe a chance de que novos dados mudem o quadro econômico.
De fato, os que votaram pelo corte desta semana podem interpretar o aumento dos pedidos de seguro-desemprego, divulgado nesta quinta-feira, como uma validação de sua preocupação com o enfraquecimento do mercado de trabalho.
Segundo o relatório do Departamento do Trabalho, as solicitações avançaram 44 mil — maior alta desde a pandemia — para 236 mil na semana encerrada em 6 de dezembro.
Embora o indicador costume oscilar bastante, um aumento dos pedidos, que ocorre em meio a anúncios recentes de demissões por empresas como PepsiCo e HP, pode sinalizar problemas no mercado de trabalho.
Nas próximas semanas, os dirigentes devem receber uma enxurrada de informações que ajudarão a esclarecer a situação do mercado de trabalho e da inflação. Embora alguns dados de outubro nunca sejam divulgados, haverá informações de novembro e dezembro antes da próxima reunião, marcada para o fim de janeiro.
“Acho que faz sentido existir essa divisão entre os dirigentes agora, porque os dados estão enviando sinais contraditórios”, disse Veronica Clark, economista do Citigroup. “Acredito que, no ano que vem, os dados possam trazer algum alinhamento, de certa forma.”
-- Com a colaboração de Maria Eloisa Capurro, Jonnelle Marte, Amara Omeokwe e Enda Curran.
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