Ativos brasileiros poderiam subir mais não fosse o fiscal, diz Ramos, do Goldman

Diretor de pesquisa econômica para LatAm do banco americano diz à Bloomberg Línea que política monetária está entregando o que se propõe, mas que quadro fiscal torna a sua missão ‘quase impossível’ e afeta ganhos do país com cenário externo

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Bloomberg Línea — O Banco Central frustrou parte das expectativas de mercado ao adotar um discurso mais duro na comunicação de sua última reunião de política monetária há duas semanas, sem indicar espaço para redução dos juros. Na ocasião, manteve a taxa Selic em 15% ao ano, o patamar mais elevado em quase duas décadas.

São quase três anos com taxas acima de dois dígitos, um remédio amargo que não pode ser evitado na avaliação de Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs.

“A missão do Banco Central é quase uma missão impossível. [O BC] tem que manter o juro a um nível extraordinariamente alto, porque a autoridade fiscal não tem dado a ajuda necessária para desinflacionar a economia”, afirmou Ramos em entrevista à Bloomberg Línea.

Crítico da política fiscal adotada pelo atual governo, Ramos disse avaliar que o cenário melhorou desde o início do ano. De lá para cá, diminuíram os sinais de dominância fiscal – situação em que os mecanismos da política monetária do BC perderiam eficiência.

Ainda que “menos potente” devido à trajetória crescente da dívida pública, a política monetária está “entregando o que se propõe”. Entre os sinais, a inflexão no ciclo do crédito, a desaceleração da economia e a apreciação do câmbio.

“Há evidência de que a política monetária está gerando esses efeitos na economia, tanto que o Banco Central está satisfeito com o patamar atual de juros: não é preciso aumentar mais. Por outro lado, é preciso ser paciente [ao esperar um corte]”, disse.

O economista defendeu que o BC tem sido “muito consistente e acertado” tanto nas tomadas de decisão quanto nas comunicações posteriores. “Não é preciso reinventar a roda: é assim que se desinflaciona a economia”.

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Ativos poderiam subir ainda mais

Quando o assunto é câmbio, a dinâmica de apreciação da moeda tem contado não apenas com o diferencial de juros mas também com uma tendência global de desvalorização do dólar, o que ajuda a reduzir a pressão inflacionária sobre o Brasil.

O dólar já acumula queda perto de 15% contra o real no ano e o movimento pode ganhar ainda mais força com o avanço do ciclo de corte de juros do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O Fed realizou um corte na reunião de setembro, e o Goldman projeta outros dois ainda neste ano.

A turbulência na política americana também tem feito com que investidores globais olhem para outros mercados além dos Estados Unidos. No Brasil, o Ibovespa já acumula alta de cerca de 22% no ano com o “empurrão” do fluxo externo.

Ramos defendeu o entendimento, no entanto, de que os ganhos são “modestos” e que o cenário poderia ser ainda melhor para os ativos brasileiros caso as contas estivessem em ordem.

“Infelizmente o Brasil não fez a lição de casa do ponto de vista fiscal para capitalizar de uma forma contundente nesee cenário, que poderia ser extraordinariamente favorável.”

O interesse cauteloso dos estrangeiros com o Brasil responde a uma série de incertezas além do fiscal, segundo o economista.

Entre os fatores, Ramos lista que os juros seguem altos e, diferentemente de outras economias, o ciclo de cortes não começou. A expectativa do Goldman Sachs é que os cortes comecem em 2026, com a taxa em dezembro em 12,25% ao ano.

Para somar nas preocupações, a economia está desacelerando e o país se prepara para enfrentar, no próximo ano, eleições presidenciais altamente polarizadas.

“Não é aquele ambiente de carnaval, pois ainda há bastante preocupações no radar. Mas tudo depende do preço”, concluiu.

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Eleições de 2026

Para 2026, uma dos receios é que o governo Lula aumente o ritmo de gastos para tentar assegurar a reeleição.

“Qualquer governo quer ser reeleito e o instrumento fiscal é importante nessa estratégia. O problema é que a economia não precisa disso, e, sim, de menos gastos”, disse Ramos.

O economista não prevê uma “avalanche” de gastos no próximo ano, mas acredita que o governo vai explorar todas as alternativas à mesa – dentro e fora do arcabouço fiscal.

Entre as possibilidades fora do Orçamento estão, por exemplo, o estímulo à tomada de crédito pelos bancos públicos e o incentivo a gastos de estados e municípios, por meio de mecanismos que facilitem o endividamento com a União.

“O governo claramente quer manter a economia aquecida e o mercado de trabalho resiliente para a eleição. Mas não acho que haverá um gasto desmesurado porque a reação do mercado seria muito negativa. Seria contraproducente”, disse.

O economista citou a Argentina como exemplo de país que conseguiu entregar um ajuste fiscal de magnitude relevante. Após dois anos de cortes, no entanto, o presidente argentino Javier Milei perdeu apoio político às vésperas das eleições legislativas no país no fim de outubro, o que tem causado a deterioração das expectativas de investidores.

“O mercado está estressado porque acha que Milei não terá capacidade de terminar sua agenda e que pode ficar vulnerável politicamente. É um choque político, não macroeconômico: não é a mesma preocupação com o fiscal no Brasil”.

Por aqui, seja qual for o governo eleito em 2026, Ramos projeta um caminho árduo pela frente, com uma agenda fiscal “extremamente complicada”. E que, se não for abraçada pela próxima administração, pode colocar o Brasil em um cenário turbulento. “Não dá para protelar o ajuste fiscal para sempre.”

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