Bloomberg Línea — A América Latina pode emergir como um refúgio alternativo para investidores, ao se manter afastada dos principais focos de risco geopolítico, dispor de recursos estratégicos e demonstrar resiliência a choques externos, disse Andrés Pérez, economista-chefe do Itaú para a região, em entrevista à Bloomberg Línea.
De olho nas tarifas a serem implementadas pelos Estados Unidos em 1º de agosto - que o Itaú estima em mais de 15% para a região -, a América Latina mostrou uma capacidade de absorção melhor do que a prevista.
“Muitos de nós pensávamos que o impacto sobre as economias emergentes seria muito mais forte e rápido. E a verdade é que, até o momento, os efeitos não são vistos na mesma direção ou na mesma magnitude", disse o economista da maior instituição financeira da região em ativos.
“Isso não significa que esses efeitos não virão.”
Pérez explicou que o comércio realizado com a presença de tarifas é mais complexo no longo prazo porque, embora os impactos iniciais possam ser limitados, os efeitos negativos se acumulam com o tempo.
Ele destacou que um ambiente de barreiras comerciais mais altas reduz a demanda global, gera distorções nos preços relativos e pode afetar tanto os exportadores quanto os consumidores, inclusive os dos Estados Unidos.
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Nesse contexto, a região “tem oportunidades importantes para aqueles que procuram diversificar seus investimentos [...] Estamos longe dos principais focos geopolíticos e, do ponto de vista da diversificação de riscos, acho que isso funciona a nosso favor“, disse.
O economista enfatizou que, embora os efeitos negativos do novo ambiente comercial venham a ocorrer, eles serão graduais.
“Um mundo de tarifas mais altas é ruim para a atividade econômica mundial, mas esses efeitos serão observados ao longo do tempo“, disse.
Entre os efeitos positivos, ele diz que as tarifas mais altas nos EUA podem acelerar a queda da inflação de bens comercializáveis na região.
Ao restringir as exportações chinesas para esse mercado, a oferta poderia ser redirecionada para economias abertas, como as da América Latina, pressionando os preços para baixo.
Além disso, a valorização projetada da taxa de câmbio contribuiria para moderar ainda mais a inflação.
Embora as economias latino-americanas tenham enfrentado choques externos significativos nos últimos anos, Perez afirma que elas não sofreram recessões tão graves quanto as ocorridas na década de 1980.
“Hoje há uma preocupação maior - de diferentes setores do espectro político - sobre como impulsionar o crescimento econômico como uma ferramenta fundamental para reduzir a pobreza, gerar empregos e incentivar o investimento”, disse o economista.
Isso refletiria um maior aprendizado institucional sobre a importância de preservar a estabilidade macroeconômica.
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No entanto, os desafios fiscais permanecem, especialmente em relação à necessidade de avançar para uma consolidação mais rápida e sustentável em vários países da região.
Além disso, a incerteza eleitoral continua sendo um fator relevante nas decisões de investimento e nas percepções do mercado na América Latina.
De modo geral, ele disse que o mercado está observando atentamente as discussões sobre medidas para impulsionar o crescimento econômico. “Acho que elas serão bem avaliadas pelo mercado“, disse.
De acordo com ele, parte desse valor já está parcialmente descontado nos preços em alguns mercados.
Ele argumenta que, se essas discussões forem traduzidas em políticas concretas durante o próximo ciclo eleitoral, os ativos regionais, desde moedas até ações, serão beneficiados.
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Dólar mais fraco
Apesar da atual fraqueza global do dólar, o analista acredita que a moeda manterá seu status de porto seguro ao longo do tempo.
“Não tenho dúvidas de que o dólar continuará sendo a moeda de reserva nos próximos anos, mas os fundamentos apontam para um dólar global mais fraco ao longo do tempo”, disse Perez.
Parte da correlação entre o dólar e as taxas longas, que havia sido perdida após 2 de abril, já foi restaurada, segundo o economista do Itaú.
“Pode ser diferente desta vez. No sentido de que há uma deterioração um pouco mais acentuada nas finanças públicas dos EUA daqui para frente. E acho que a forma como os anúncios de políticas estão sendo feitos nos EUA cria mais incerteza”, acrescentou.
Embora as taxas dos EUA continuem altas, o que normalmente restringiria o acesso dos países emergentes ao financiamento, o enfraquecimento global do dólar poderia atenuar esse efeito.
“Talvez não venhamos a ter o aperto das condições financeiras que vimos antes. Desse ponto de vista, acho que estamos em um momento favorável”, disse ele.
As projeções de taxa de câmbio do Itaú para a América Latina apontam, de modo geral, para uma maior valorização das moedas locais em relação ao dólar do que o previsto anteriormente.
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Do cobre ao petróleo
Outro elemento que reforça a relativa atratividade da América Latina são os preços das commodities.
Pérez indicou que a perspectiva para o cobre continua positiva, enquanto o petróleo permaneceria abaixo dos níveis atuais, gerando efeitos diferenciados na região.
O preço do cobre permaneceria alto em uma perspectiva histórica, refletindo uma relativa escassez de oferta em relação à demanda nas condições atuais.
Um cenário de cobre alto é favorável para economias como o Chile e o Peru, enquanto o petróleo baixo é um desafio para a Colômbia, o México e o Brasil, disse ele.
No caso do Peru e do Chile, “pode ser que os preços mais altos do cobre, por exemplo, sustentem essa recuperação no futuro, o que favorecerá maiores fluxos de capital para a região“.
Quanto aos níveis projetados, o Itaú espera um preço de cobre em torno de US$ 4,20 por libra, com o Brent fechando o ano em US$ 65 por barril.
Vantagem estratégica
Diante das tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China, o economista enfatizou que a América Latina tem um importante papel a desempenhar: seu papel como principal fornecedor de minerais estratégicos e terras raras.
A experiência com a tarifa de cobre de 50% sugere que os maiores custos serão arcados pelos consumidores e produtores dos Estados Unidos, de acordo com Pérez.
“É preciso lembrar que os EUA não podem produzir todo o cobre demandado pela economia e, como a oferta é relativamente inelástica, não podem aumentar a produção rapidamente devido a esse diferencial de preço”, disse ele.
Essa experiência com o cobre também sugere que esse impacto pode ser ainda mais acentuado para os EUA no caso de terras raras ou minerais mais escassos.
Nesse sentido, a região poderia ganhar poder de barganha em um mundo onde os insumos críticos se tornaram eixos fundamentais.