América Latina foi a primeira região a cortar juros. Agora se vê sob pressão do Fed

Assim como no Brasil, autoridades dos bancos centrais do Chile, Colômbia e México são obrigadas a rever as perspectivas de redução das taxas

Roberto Campos Neto em sessão no Senado: novo cenário potencial para o corte de juros (Foto: Andressa Anholete/Bloomberg)
Por Maria Eloisa Capurro
19 de Abril, 2024 | 01:27 PM

Bloomberg — A América Latina liderou o mundo ao iniciar um ciclo de cortes de taxa de juros. Agora, as autoridades dos países da região alertam que atrasos na flexibilização monetária do Federal Reserve representam uma ameaça para sua recuperação econômica, potencialmente exacerbando problemas políticos internos.

Os bancos centrais da América Latina foram os primeiros e mais agressivos a elevar as taxas para combater a inflação pós-pandemia e novamente foram os primeiros a começar a reduzi-las, esperando que sua ação decisiva impulsionasse as economias regionais que muitas vezes são afetadas por um crescimento medíocre. Mas nesta semana, durante a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington, eles estavam mais sombrios.

Países como Brasil e Chile sinalizam que o limite para seus cortes de juros pode chegar mais cedo, considerando a necessidade de uma diferença de rendimento grande o suficiente para evitar depreciações cambiais prejudiciais.

Outros, com mais margem para manobra, como Colômbia e México, passaram a descartar cortes mais rápidos.

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Embora isso seja um desafio para todos os bancos centrais, é particularmente prejudicial para uma região que, mais uma vez, está ficando para trás em relação ao mundo desenvolvido, com um crescimento estimado de apenas 1,6% até 2024 pelo Banco Mundial.

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“O risco agora é que a política monetária sacrifique mais crescimento do que o necessário”, disse José de Gregorio, ex-presidente do banco central do Chile. Os formuladores de políticas estão “preocupados com a capacidade de manter taxas mais baixas”.

A hora não poderia ser pior para os chefes de Estado, que também lidam com dívidas altas e pouco espaço para gastos. Há o risco de os diretores dos bancos centrais que frearem a flexibilização monetária se tornarem bodes expiatórios pela falta de melhora no bem-estar que os presidentes prometeram.

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Em alguns países, os ataques já começaram. Luiz Inácio Lula da Silva retomou as críticas ao chefe do banco central, Roberto Campos Neto, após um período de relativa calma, descrevendo-o como um obstáculo para a prosperidade econômica.

O presidente Gustavo Petro frequentemente critica os formuladores de políticas da Colômbia, e seu ministro das finanças pressiona por cortes de juros maiores.

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“Praticamente em todos os lugares você vê ventos contrários à economia, o que reduz a popularidade dos presidentes”, disse Cynthia Arnson, analista política da América Latina no Centro Wilson, um centro de estudos em Washington. “Eles têm muito menos margem de manobra do que em quase qualquer outro momento.”

Ritmo menor

Com a inflação caindo de uma máxima em três décadas, o Chile colocou a América Latina na vanguarda dos cortes globais de taxa de juros em julho passado, com uma redução de um ponto percentual. Brasil, Peru, Colômbia e México seguiram o exemplo, embora com quedas menores.

Ainda assim, a diretora do BC do México, Irene Espinosa, disse nesta semana que as previsões de inflação têm “questões de credibilidade” e que ainda é cedo para considerar um ciclo prolongado de flexibilização.

Chile e Colômbia estão questionando o ritmo adequado dos cortes de taxa à medida que os riscos aumentam, enquanto Campos Neto, do Brasil, foi tão longe a ponto de apresentar um cenário que poderia limitar as reduções.

“Podemos ter um sistema em que a incerteza continue muito alta, mas não mude significativamente, o que pode significar uma redução no ritmo”, disse Campos Neto na quarta-feira, ao discutir as dúvidas na economia global.

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No cerne das preocupações estão moedas que se desvalorizaram devido à diminuição das diferenças entre as taxas de juros regionais e dos Estados Unidos, o que torna menos atraente para os investidores colocar seu dinheiro na América Latina.

Uma taxa de câmbio mais fraca consequentemente alimenta a pressão de preços ao aumentar os custos de importação.

O pior caso é o peso chileno, que já caiu 9% em relação ao dólar este ano, a segunda maior queda nos mercados emergentes.

Em meio a um ciclo de flexibilização monetária que já reduziu os custos de empréstimos em quase 5 pontos percentuais, os formuladores de políticas afirmam que a redução das diferenças de taxas com o Federal Reserve é amplamente a culpa.

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“O Chile foi o canário na mina de carvão”, disse Alejandro Cuadrado, estrategista da América Latina no Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, observando também que algumas moedas, como o peso mexicano e colombiano, se mantiveram até agora.

Analistas do Institute of International Finance estão revisando suas estimativas para as taxas de fim de ciclo na América Latina depois que o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, sinalizou nesta semana que o Fed esperará mais tempo do que o previsto anteriormente para reduzir as taxas de empréstimo.

“Eu ainda acredito que haverá espaço para os banqueiros centrais da região continuarem flexibilizando a política monetária”, disse Martin Castellano, chefe de pesquisas para a América Latina do instituto. “Mas será em um ritmo mais lento e, dependendo do país, muito mais lento ou apenas mais lento.”

Mais ruído

No momento, os analistas ainda veem espaço para a desaceleração da inflação na maioria dos países da América Latina, embora em um ritmo mais gradual. Chile e Colômbia sinalizaram que os ciclos de flexibilização continuarão pelo menos nos próximos meses, enquanto o Peru fez outro corte de taxa, ainda que tímido, em abril após uma pausa em março.

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“Se houver um endurecimento nas condições financeiras internacionais, isso poderia tornar um pouco mais difícil para os países da região reduzir as taxas”, disse Leonardo Villar, presidente do banco central da Colômbia. “As expectativas podem mudar em uma direção ou outra nos próximos meses.”

Os formuladores de políticas também ainda estão colhendo elogios dos investidores após terem superado gigantes globais como o Federal Reserve e o Banco Central Europeu ao conter a inflação e, em seguida, iniciar a redução dos custos de empréstimos.

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Mas à medida que enfrentam as repercussões dos atrasos nos cortes de taxa na maior economia do mundo, os formuladores de políticas da América Latina podem inadvertidamente preparar o terreno para uma nova onda de tensão política.

“O barulho eventualmente será maior quando os banqueiros centrais pararem os cortes de taxa e dependerá do que acontecer com o crescimento”, disse David Beker, economista-chefe do Bank of America no Brasil. “Agora eles enfrentam críticas, mas ainda estão no modo de corte de taxa.

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